Não escrevi nestes
últimos dias devido ao fluxo de coisas que ocorreram em minha vida. Umas coisas
graves; outras coisas, importantes.
A começar pelas
graves, a maior delas: minha amiga quase irmã morreu. Morreu de câncer, pesando
37 quilos.
Na verdade, ela já
havia morrido antes de falecer: terceirizou a vida, passou à mãe sua
existência. O câncer foi só o súbito pretexto de saúde que apareceu.
Há uns quatro anos
ela se queixava de gastrite, diagnosticada desde então. Corrigiu a alimentação,
perdeu o prazer do sabor das comidas. Para agradar à mãe, voltou a ser adventista,
porque estava muito infeliz e precisava de galhos subjetivos em que se segurar.
Passou a procuração da vida à mãe, porque se sentia culpada por ter dado
trabalho, ao delegar a ela a criação das duas filhas agora adolescentes.
Minha amiga, neste
ano, passou mal em abril. Detectaram o câncer (eu nunca acreditei e também
nunca vi laudos). Em junho prescreveram quimioterapia. Em outubro ela morreu,
por falência múltipla dos órgãos. Morreu consciente, dizendo à empregada da
família que estava no hospital: “Lourdes, eu estou indo. Não vou criar minhas
filhas”.
Como ocorreu com o
Bruno Covas, jovem se foi, de mesma causa; de mesmo tratamento.
Eu e os meus mais íntimos
comungamos de um mesmo pensamento e decisão: se pintar para nós a mesma enfermidade,
vamos encarar na paz, ao natural, sem tratamentos. Há batalhas inúteis e há guerreiros
indispostos. Nós (meus amigos e eu) somos desse exército.
Minha amiga viveu
tudo o que podia comigo.
Foi uma companheira verdadeira, de angústias, alegrias, conquistas, aventuras...Uma amizade de quase trinta anos.
Apenas em 2003,
quando ela decidiu ser mãe, assumidamente como recurso para prender o homem que
ela amava, a gente se afastou.
Ela me disse, então,
que via a vida da gente como o capítulo final de uma novela, onde todo mundo
estava se casando ou formando par e que, então, era a hora dela.
Ele foi meu colega
de curso na universidade. Ele passou 11 anos na graduação, era maconheiro de
verdade, nunca trabalhou e era sustentado e paparicado pelos pais, ali, aos 33
anos.
Ao morar com ela,
foi violento com a segunda filha deles, que, novamente assumido por ela, ‘veio
para dar noção de responsabilidade a ele’. Não funcionou e se separaram porque
a família dela interveio para proteger à criança.
Ele se tornou o
grande amor frustrado dela.
A mãe de minha amiga
devorou cada centavo dela em vida. Usurpou de quem não ofereceu resistência e de
quem, sem consumar o suicídio, se deixou morrer.
Há um ano a gente se
encontrou. Eu amava muito minha amiga-mais-que-irmã! Pude dizer isso a ela e
limpar a roupa suja com a mãe dela, em educada sinceridade.
No sábado do
velório, fui ver para crer. Eu nunca conseguiria ir ao sepultamento. Nunca!
Foi uma luta dormir
da sexta para o sábado, antes do velório. Foi outra luta conseguir sair do
velório e dirigir...eu fiquei desnorteada. Chorei infinitamente e meus dias não
foram fáceis.
Não sei como tem
gente que acha a dor um elemento de criatividade para a escrita. Eu fico muda.
Eu fico perplexa e calada. Não escrevo, apenas executo coisas mecânicas do
cotidiano.
Eu e ela vivemos
muitas coisas e quase sempre ela é a protagonista ou coadjuvante de todas as histórias
que relatei e que se passaram ou se referiram aos melhores ou mais fortes
momentos de minha vida, até 2003. Mas, depois disso houve episódio esporádico e
até em 2014, quando fui ver Giovanni, um idiota que eu pegava para fins sexuais
avulsos (idiota tipo Jonny Bravo), ela me deu uma força, me emprestou um
dinheiro de reforço, para o caso de eu precisar, já que eu ficava com ele em
outra cidade.
Férias, festas,
amores...Rio Vermelho, Aracaju, carnavais, micaretas, praias e verões que
vivemos intensamente...
E lembro da gente
comentando que éramos Thelma and Louise, do filme homônimo, antigo, cujas
protagonistas eram tão amigas e tão unidas que, até no fim do filme,
encurraladas, antevendo que ninguém acreditaria na inocência delas, optam por
se suicidar, acelerando com o carro em direção ao precipício, em direção oposta
ao cerco da polícia. Éramos assim: cúmplices e corajosas.
Ela ajudava todo
mundo a se entender no amor, formava casais, dos quais um está junto até hoje.
Das outras coisas
falarei depois. De minha amiga, sei que não falei o bastante...mas, vivi muito.
Resquiscat in pace,
grande amiga!
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