Procurar saber da vida
dos outros, em demasia é fofoca; esporádica e moderadamente, é curiosidade.
Educadamente é interesse, como ocorre aos apaixonados: buscar informações,
procurar conhecer hábitos, preferências, gostos, condutas – porque, afinal,
quem quer pisar em campo minado?
Já citei aqui o quanto
as pessoas são ávidas por biografias – as não-autorizadas são as mais
procuradas, porque mostra o que o protagonista quis esconder. Sinalizam,
entretanto, o outro lado: quem iria fazer uma péssima propaganda de si mesmo?
Então, se no plano da literatura a gente se depara com a auto-ficção e com auto-referencialidade,
já sabemos de antemão que um autor não tem a intenção de mentir, mas que pode
inventar, sem se comprometer moralmente com isso, já que não se lembrará de
todo o seu passado. Nem sempre, mesmo a vida sendo da gente, nós sabemos de
tudo que nos ocorreu. Por exemplo: as famílias criam versões, guardam
segredos...As pessoas traem e são traídas, escondem fatos...Então, quantos há
que cresceram declarando que Fulano era seu pai e Beltrana, sua mãe...E aí, na
morte dos supostos pais, descobrem que são adotivos; ou descobrem, após a morte
de pais e parentes, as famílias paralelas; descobrem tramas, causas, acidentes,
etc. E não podem dizer que suas vidas foram mentira. Viver, a gente vive de
verdade – os enganos, equívocos, desconhecimentos, fazem com que a pessoa
repita o que sabe sobre si, mas nem sempre sabe tudo. Em alguns casos, porque
se é criança...ou porque captam só um lado da história.
Introduzi este assunto
aqui porque meu namorado sofre por não saber tudo que queria a meu respeito.
Sofre de um jeito que não consigo remediar, já que dialoga com questões
internas dele; das inseguranças dele. Parece música de Caetano:”E eu querendo
te apreender o total...”, ou seja, quer saber tudo, talvez para dominar melhor
ou saciar a vontade de saber. E ficamos mal com isso, reciprocamente. Meus
amigos estão de cabelo em pé, supresos e temerosos, porque acham que isso
cresce. E sei que têm razão. Um deles me disse que sabia que o que o levou a se
interessar por mim era meu perfil cultural e intelectual. Entretanto, eles
dizem que isso é como gostar do canto do pássaro e querer enfurná-lo numa
gaiola. E se surpreendem, perplexo, pelo fato de que ELE goste de meu perfil,
reconheça quem sou e como sou, mas na hora de declarar a relação entre a gente,
busca me neutralizar, me dominando em termos de não querer que eu fale, opine,
decida, já que minha independência gera dores de insegurança nele.
Ora, eu que me sinto e
insegura, porque vejo nele as qualidades que ele vê em mim, acrescentadas do inegável
talento artístico dele, da bagagem cultural, da trajetória profissional, de ser
um homem bonito e desejável...Mas, não posso converter as qualidades dele em
vulnerabilidades para mim. Nem posso neutralizar e jogar uma cortina sobre ele,
a fim de afastar olhares que notem que ele é como é. O fato é que a insegurança
é irmã do ciúme e não pode ser alimentada. É preciso admitir: não temos domínio
sobre tudo. É assim que se desenha uma relação tóxica, pouco saudável, cheia de
controles, como se pudéssemos evitar vicissitudes ou controlar desejos e
olhares desejantes. Quantos há, que passam pelo mesmo?
Aliada à admiração que
ele tem por mim, vem uma onda de cobranças, como se eu fosse infalível e como
se, a cada falha, eu disparasse uma lança contra as expectativas e idealizações
dele. E ficamos assim, nesses dias: mudos, cada um no seu canto, remoendo o
amanhã da relação, cheios de medo.
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