Vamos falar de pobreza
e vagabundagem? Para muitos, os termos são homônimos. Há aqueles para os quais a pobreza é o resultado da preguiça. Estes últimos acham que os pobres preferem
ser pobres a terem que trabalhar; acham que as pessoas preferem viver de Bolsa
Família e que quem tem força de vontade prospera.
Podemos responder a
tais absurdos começando de baixo: ainda que uma pessoa pobre seja dotada de
aptidões profissionais e intelectuais, se não houver oportunidade os talentos
que ela possui serão nulos.
O desempregado
precisa de dinheiro para poder procurar emprego: precisa de higiene pessoal, de
transporte, de alimentação e, em muitos casos, de investir em novas áreas da
própria formação. Para tanto, precisa ter dinheiro. Assim, a gente nota que
para ganhar dinheiro é preciso ter dinheiro – e isso é paradoxal tanto quanto é
verdadeiro.
Seguindo na questão,
é preciso criar condições de empregabilidade. As pessoas fora do mercado formal
de trabalho ‘se viram’. Isso significa improvisos, bicos, informalidade (trabalho
sem emprego); significa se meter a fazer coisas que aparentemente qualquer um
faria (uma faxina, cuidar de idosos, guardar carros, vender coisas em
sinaleiras) e uma infinidade de atividades.
Passemos aos
vagabundos. Devo dizer que assim como nem todo pobre é vagabundo, a maioria dos
vagabundos não são pobres – destaco, ainda, que assaltantes geralmente não são
assaltantes por serem pobres, mas por desejarem consumir como ricos; e a regra
se aplica a estelionatários e demais ladrões, de todos os tipos e escalas
sociais.
Raro será encontrar
um de nós que não conhece um vagabundo. Eles estão bem próximos: é aquele
sobrinho que nunca termina o curso superior porque achou interessante ser
estudante e contar com o dinheiro dos parentes, se amparando na suposta
condição de estudante; é aquele nosso amigo irresponsável, que vive às custas
da mãe ou de outro aposentado da casa e da família, sob a desculpa de que fica
em casa para tomar conta dos mais velhos, de quem não quer se afastar; é a
outra pessoa, eternamente jogada em concursos impossíveis, que também encontra
alguém que financie sua internet e suas taxas de inscrição, sob a promessa de
que será classificado algum dia; são as pessoas que, sendo inteligentes, nunca
terminam nada do que começam – seja a autoescola, a universidade, o curso de
qualquer coisa – porque se acham acima dos professores e instrutores; são os
maridos bem casados com mulheres esforçadas, que acreditam que eles sejam
autônomos que num dia têm dinheiro e, no outro, têm pouco e, por isso, não
precisam pagar despesas de casas e, além de tipos variados e múltiplos, o
vagabundo realmente inocente: o que foi convencido pelos parentes (geralmente
os pais) de que não é apto para nada, que nunca passará em nada e que
introjetou essas ilações como se fossem verdades absolutas, de modo que
desenvolveu um complexo de inferioridade que o fez ter medo de tentar e, desta
maneira, fica em casa contando com o pão de cada dia dos familiares, ainda que
isso tenha o preço da humilhação.
Acho feio e
continuarei achando condenável quem quer humilhar os outros por serem pobres.
A pobreza retira o
acesso a bens materiais. Significa não ter. Às vezes significa não ter o que
comer ou onde morar, mas não dá o direito de ninguém humilhar a pessoa ou acusá-la
de ser responsável pela condição em que ela se encontra.
Se pensamento
positivo resolvesse, seria ótimo, mas a pobreza é multifatorial – e nestes
fatores múltiplos, há diversos que são responsabilidade de políticas
governamentais mesmo; da Economia; da família; de situações anômalas (doença,
falência, desequilíbrios e desajustes psicológicos, etc).
Às vezes falam que
há ‘pobres metidos a besta’, porque esperam que todos os pobres tenham postura subserviente;
que as necessidades fazem as pessoas dobrarem os joelhos junto com a dignidade
perante quem tem mais...
Uma vez eu contei
esse fato aqui no blog, sobre quando eu tinha 11 anos e veio um pedinte à casa
de minha madrasta, querendo almoço. Ele advertiu: “não gosto de macarrão”. Eu
achei um absurdo, mas a filha de minha madrasta, para a minha surpresa, foi anuente
com o mendigo e me disse que era isso mesmo, que tem gente que não gosta de
macarrão.
Na minha cabeça,
naquela época, quem tem fome não faz escolhas – um absurdo que aprendi
socialmente mas, ainda bem, modifiquei.
Interessante é que
há os pobres que não sabem que são pobres – a pobreza tem muitas faces e
níveis, mas o engraçado é ver um povo que compra uma casa que será quitada em
35 anos; vive do limite do banco; atrasa contas; conta os centavos, vive no
aperto, tem um salário que não dura cinco dias, se achar classe média.
Isso significa que a
consciência de classe anda em baixa, o que faz com que os pobres venham a
aderir a modelos de exploração, de economia, de governo e de sociedade que
prejudicam a eles mesmos, pois que não se reconhecem como pobres e acham que as
decisões que afetam os pobres que estão abaixo da linha da pobreza(miseráveis)
não os atingirão; e que o interesse dos ricos traduzem suas próprias
necessidades.
A classe média
existe, mas não pense que ‘média’ queira dizer ‘meio termo’, ou seja, nem
exatamente pobre, nem exatamente rico – esse é o pensamento do pobre ignorante
de si mesmo, acima citado; o pobrezinho que teme a chegada da fatura do cartão
de crédito; que anseia por um troco a mais num restaurante, para seu
benefício.
Classe média é
economicamente abastada, não conta centavos, tem heranças, tem rendas (e não apenas
salário) tem capital simbólico (educação formal; prestígio; influência; acesso
a cultura imaterial, etc.) – sabe que não é exatamente rica porque trabalha
mais que administra seus bens, mas não passa nem perto da pobreza, enquanto pode
transitar por instâncias superiores.
Como não somos
estúpidos, sabemos que classe ultrapassa questões financeiras – vai bem além.
Ah, sim, há ricos
vagabundos? Muitos: pegam carona na fama alheia; fazem conchavos, participam da
corrupção da esfera política, articulam, barganham, negociam, especulam...
Não vivemos em uma
sociedade igualitária e ponto final.