Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 24 de julho de 2025

Dá trabalho?

 

                                                

Já pensou se você tivesse a beleza daquela linda jovem atriz ou do ator de novela das nove? E se você tivesse a fortuna de Neymar Jr? E se você tivesse o talento artístico dos grandes gênios? E se você tivesse uma inteligência acima do comum? E se você fosse um grande atleta de qualquer esporte? E se você tivesse reconhecimento social por suas obras e por sua profissão? E se você fosse plenamente saudável?

E se quem você ama te amasse? E se em sua vida não houvesse nenhum trauma? E se sua família fosse amorosa, incrível e acolhedora? E se, no meio da vida você conseguisse se orgulhar de cada decisão tomada ao longo do tempo? E se tudo isso se reunisse de uma só vez em sua vida?

A condição de ser humano nos faz olhar a grama do vizinho e se colocar positivamente no lugar dele, dizendo mentalmente em silencioso diálogo interior que se tivesse o que ele tem, seria mais feliz.

Acreditamos muito nisso, de olho em nosso primo rico, que nossa felicidade estará naquilo que nos falta.

A atriz jovem, rica, inteligente, talentosa, amada e linda é feliz? Não lhe faltará nada?

O que será que falta a quem já tem tudo? Eu posso lhe responder: falta o mesmo que a você ou a mim, isto é, sempre há uma falta e a esta falta a gente dará um nome: fortuna, filho, casa própria, beleza, amor, equilíbrio psíquico, título, poder, fama, talento... Tanto faz o nome: a conquista de um desejo nunca será o bastante para fechar o vazio da falta.

Todo mundo tem angústia, todo mundo tem faltas.

Em certos momentos isso se torna agudo e evidente e, em outros, passamos a vida em paz sem olhar para o abismo permanente que ocupa uma grande porção de quem nós somos.

Vamos ao outro lado das causas mortas, agora falo biográfica e particularmente: Estou num trabalho horrível, num lugar terrível, com gente realmente repugnante do ponto de vista do convívio e do ponto de vista moral.

Para mais somar: estou num trabalho desses porque, antes de tudo, preciso do dinheiro para prover materialmente a minha vida. E paga-se pouco.

Vendo o meu sono, acordando cedo e dormindo pouco.

Vendo o meu tempo – e tempo é vida – a verdadeiros capitães do mato que, ganhando melhor que eu, não desconfiam que também são escravos.

Não quero mais voltar lá.

“Todo dia eu só penso em poder parar

Meio-dia eu só penso em dizer não

Depois, penso na vida para levar

E me calo com a boca de feijão.”

Tristemente, me vejo refém.

Por outro lado, preciso temporariamente desta angústia, porque ela me desvia de outras angústias, talvez da angústia maior que cerca a existência.

Talvez, agora possamos coletivamente cogitar uma resposta para certas situações ruins de onde não saímos, como passarinhos que ignoram a porta da gaiola aberta. Há um condicionamento que nos prende, de modo que alimentar a situação vigente produz uma sensação de que não está ao nosso alcance resolver a nossa vida; ou o contrário: isso aqui eu posso resolver, eu controlo, basta mudar de emprego ( de casamento, de cidade, do que quer que seja). Teremos boas desculpas pra delongar situações ruins.

As angústias mudas, sim, com a idade. Elas só não acabam.

Experimento felicidades construídas com o sonho de sair do tal emprego. Pequenas fugas para fazer freelancer na função que gosto, isto é, na literatura. Meu Deus, como eu gosto de literatura! Como o ensino superior é um campo de trabalho incrível, fascinante, diferente!

Por enquanto, minha felicidade virá quando eu puder deixar o emprego atual. Depois, ela vai embora. E, finalmente, estarei de novo com minhas faltas, as eternas faltas que sempre irão deslocar o que me falta.