Louquética

Incontinência verbal

sábado, 20 de janeiro de 2018

Íntimas partituras


Não é somente o amor que acaba que me leva a perguntar, bastante perplexa, ‘como foi que isso aconteceu?”, mas quando o tesão acaba, o desejo acaba, quando aquela pessoa que nos era apetitosa passa a não ter o poder de nos excitar.
Não me refiro ao meu poeta, mas a todos os meus ex que deixaram de ter esse significado, esse poder.
Quantos relacionamentos meus acabaram justamente quando meu então namorado deixou de ser alvo de meus desejos – suponho que o oposto ocorra em demasia, mas os homens resolvem esses problemas adicionando mais mulheres ao relacionamento.
Na maioria dos casos, os meus ex-namorados continuaram com a mesma aparência, a mesma forma física, mas nada era o que foi antes.
Sinceramente, tenho muito medo desse momento da declaração do óbito dos desejos.
Já falei aqui, protestando, contra esse povo que fica de mal de ex-namorado, que tem ódio, que não quer citar o nome...Ora, já senti e já fiz isso, mas não aprovo. Acho brutal você converter um ser, outrora amado e digno de elogios, à repulsa, insignificância ou ao desprezo, salvo os casos em que houve uma boa razão construída. Em meu caso, quando trato de FJ, por exemplo, tenho ódio é de mim, que fui idiota o bastante para projetar coisas inexistentes num sujeito pouco interessante, movida pela adrenalina da vingança.
A beleza já segurou relacionamentos meus: nem sempre a moeda de troca é o amor. Porém, as doses de afinidade, respeito, admiração e afeto não garantem a correspondência no mundo dos desejos.
Reconheço que há pessoas que a gente deseja e que, na horizontal, decepcionam, tipo aquela comida exposta na vitrine, aparentemente apetitosa, mas, quando comida, sem sabor.
Há outras pessoas que não têm nada de especial, nada de mais, mas emanam sensualidade, mexem com nossos instintos...
Falo agora de uma amiga, mas também me reporto a mim mesma, que já vivi isso: ela ficou desesperada, julgando estar com a libido baixa...se sentiu um lixo de mulher, porque não tinha o menor desejo sexual por um certo namorado e isso veio a se repetir com outros parceiros.
O analista disse que o problema era com ela. Eu, que não sou analista nem de sistemas, disse que o problema eram os parceiros - esse mesmo analista disse que sexo anal não dói, que nós, mulheres, inventamos isso, criamos isso como mecanismo de defesa. Eu refutei: sexo anal não dói no homem, não dói no analista, que por tal declaração merecia tomar no...olha, deixa para lá.
Finalmente, ela trocou de parceiro: sexo bom, desejo normalizado, todas as funções do corpo dela respondendo a qualquer estímulo...e aí é que está: se houver sintonia entre as partes, se o homem for afinado com a mulher, com a situação, até os desejos mudam, porque ele sabe conduzir – isso não é técnica, é jeito.
Quando isso ocorre, respondendo por minha amiga e por mim mesma, é como se devolvessem para nós uma peça que nos faltava, uma parte ausente do corpo e da existência, um sentido de que fomos privadas. Não obstante, dizem que ‘amor de...quando bate fica” porque, sim, gera uma espécie de gratidão sexualizada.
Um bom parceiro sexual lê o corpo da mulher como uma partitura, decifra todas as notas, conhece todos os tons (contraltos, sopranos, tenores, pouco ou muito líricos...). Embora não seja fácil achar um maestro hábil.
Tratei disso tudo por pensar que eu não conseguiria manter um relacionamento sem sexo, sem sintonia sexual real, por mais que o amor fosse grande.
Já tive sexo bom que era movido pela intensidade do amor. Logo, eu amava e era o amor que me causava a excitação – afirmo que realmente é um sexo ímpar e sublime. Como sou uma pessoa com inclinação forte às vulnerabilidades das sensações, costumo ter sensações de amor também movidas pelo bom sexo.
Sem falsa moral, porque eu sou tímida mas nunca fui puritana, não tive muitos parceiros (fora que hoje em dia há uma escassez mais explícita de heterossexuais) e sou lenta em minhas escolhas. Não por mal: sexo om requer confiança, segurança para partilhar as próprias vulnerabilidades do corpo, ficar à vontade, ter entrega real...Sexo aeróbico, circense, ginasta, maratonista ou malabarístico, não gosto. Odeio clichês, por sinal.

Agora estou aqui a pensar se já mantive relacionamentos cujo amo acabou, mas o desejo prosseguiu. Achei a resposta: já. Se não, não teria transado com ex. Ou seja, finalizando essa equação: se o sexo acabar, o amor vai junto; se o amor acabar, o sexo pode continuar por tempo indeterminado.  

2 comentários:

  1. Gostei muito do teu texto, eu ja havia refletivo sobre esses assuntos tempo atras, ja tive um relacionamento em que determinado momento aquela chama se apagou e no final das contas era so sexo, eu não a via como antes, a impressão que dá que o estimulo acabou, e com isso fiquei pensando sobre o futuro, pensei que o problema podia ser comigo, mas hoje penso que certas pessoas tem sincronia corporal onde o amor envolve o sexo simultaneamente transformando em algo especial e unico, fazendo com que ambas partes se entreguem totalmente, estarei acompanhando seus escritos! :]

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    1. Obrigada, Alexandre, pela visita e pela generosa leitura.
      "Sincronia corporal" é algo interessante de pensar e resume bem a questão, né? Abraços!

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