Louquética

Incontinência verbal

domingo, 28 de janeiro de 2018

A mulher dos outros


As pessoas às vezes se queixam da vida virtual, do Facebook que anda chato, das salas de bate-papo cheias de gente vazia, da falta de verdade nesse universo todo...
Alimentar um blog, um vlog, o Facebook, o Instagram, é coisa que dispende tempo. As pessoas se queixam de falta de tempo, mas vivem penduradas em smarthphones remexendo essas coisas aí.
Minha escrita nunca dependeu do meu número de leitores. Depende de minha disposição, principalmente. Depende de meu bem-estar e da ordem de minhas prioridades. Claro que eu me preocupo se as coisas estão a morrer...
Já disse isso antes: ao contrário desse povo que se diz visitado por deuses de inspiração e cuja escrita melhora com a dor, com as angústias e frustrações, a minha depende unicamente de meu bem-estar e de tempo livre real para isso. Então, se preciso ler um livro ou encontrar pessoas, se tenho alguma ocupação com o trabalho, deixo tudo para depois, embora eu saiba que muitos textos irão fugir.
Parei de escrever diários, queimei cada um deles, de modo que se um dia minha memória precisar ser reconstituída, vão ter que abraças essas minhas palavras difusas e saber filtrar o que é efeito literário e o que é a verdade empírica – coisa que pouco me preocupa porque, mesmo quando falo coisas fictícias, sou sincera.
Os sonhos são ficções. Ficções, às vezes, perigosas. Nesta noite passada sonhei que estava num relacionamento sério socialmente assumido.
No contexto, havia uma situação em que precisávamos dormir na rua e lá estava T.P. sob meu lençol, me protegendo. Eu sentia frio, ele me acolhia em confortável abraço.
A rua era a da padaria, lugar público, de muita circulação.
Meu pai passava e via.
Meu tio passava e via.
Meu ex passava e via.
Meu poeta passava e via.
De repente, todos comentavam, felizes (os meus ficantes, nem tanto) o quanto era incrível eu estar assumindo uma relação e o quanto TP me protegia.
Em meu coração, uma angústia crescente excedeu o mundo dos sonhos e eu fui tomada por um mal-estar digno de angústia de morte. Naturalmente, acordei no maior sufoco e num mesmo mal-estar.
A verdade psíquica disso é que meu ex-cunhado está se separando. Não gosto deste gerúndio besta ‘separando’, mas tenho que usá-lo em respeito ao fato de que separação é processo.
Veja, bem: ele se separou de um relacionamento de sete anos, com uma moça incrível, bonita, inteligente e chata, à qual traía com a atual esposa – igualmente bonita, inteligente, chata, com o acréscimo de ser submissa e dominada a ponto de ter filho na hora que ele decidiu, isto é, imediatamente; trocar sua cidade natal, distante uns 350 km daqui, pedir transferência do emprego público e vir para cá. Três anos depois, está de volta à casa da mamãe (e do meu ex).
Então, dormi pensando no preço que ninguém quer pagar. Nenhum relacionamento é ‘de graça’ e não falo aqui de valores monetários. Falo das renúncias, da necessária fidelidade, dos investimentos no bem-estar mútuo, no acerto de contas com os deslizes cotidianos, na suportabilidade dos defeitos e no compartilhamento das agruras da via doméstica...
Lembrei de quando namorei o irmão dele e que foi meu último relacionamento socialmente assumido. Todo mundo via, todo mundo sabia...
Pensei em T.P., que não é um cara com quem eu ficaria por brincadeira, sem me comprometer a honrar a pessoa boa e honrosa que ele é...
Hoje até orei falando disso, que tanto a gente costuma pedir a Deus – eu já pedi – um bom relaciinamento, com uma boa pessoa, mas não verificamos se somos uma ‘boa pessoa’ para esse ser ao qual ansiamos. Eu, que me olho, vi que não.
Gosto muito do meu poeta. Gosto que as coisas sejam como são. Não quero mais que isso, nem mais do que eu tenho. Não por falta de ambição nesse campo, mas porque não tenho contrapartida a dar.
Não consigo ser a namorada 'de', a esposa 'de', a mulher dos outros...Tenho um problema sério com isso, como se a cada ensaio de pronome possessivo subliminar a isso (dele, minha), eu deixasse de me pertencer. Na minha cabeça, a mulher dos outros nunca é dona de si mesma...Na minha cabeça!
Adoro a busca. Não a caça, mas a busca. Aceito que sou incompleta e que todo mundo é, de modo que seria muito pedir uma só pessoa que acalmasse minha busca...viraria tédio – e tédio é minha kriptonita.


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