Não sei de onde saem
os absurdos de meu tempo, mas me sinto como se estivesse em transe, num
pesadelo. Nunca pensei que o pensamento político e histórico do brasileiro
chegasse a este ponto atual de bestialidade.
Hoje, por exemplo, foi vetado o reconhecimento do ofício de historiador enquanto profissão.
Gostaria de saber
qual foi o presidente comunista que o Brasil já teve, como isso aconteceu, se
ele foi eleito pelo povo ou se deu um golpe de Estado e assaltou o poder.
Gostaria de saber de
onde as pessoas tiram uma coisa dessas e o que há com a cabeça das pessoas para
sustentarem tantos delírios.
Acho válido que o
povo faça suas apostas naquilo que eles julgam novo – o Estado Novo não tinha
nada de novo; Fernando Collor já foi o novo e a cada vez que os mesmo
políticos, cujos sobrenomes conhecemos desde a infância, são eternamente
eleitos e reeleitos pelo povo, passo a desacreditar da maioria numérica.
Se aquele povo
iludido com Educação, uns coitados sonhadores, que acham que Educação é tudo,
viu a ascensão de indivíduos provenientes da periferia, das minorias, das
camadas pobres, à universidade (pública e privada) nos últimos 12 ou 10 anos,
cadê esses frutos? Não estão em lugar algum. Sou professora, defendo a Educação
e sei os limites dela.
Cito isso porque as
escolhas políticas não são frutos da ignorância, da falta de educação formal.
Sem educação, pior
ainda. Mas, educação, sozinha, não dá tudo. Há processos mais sérios e mais
profundos, de ordem psicológica, por exemplo, que faz com que a massa se
identifique com um perfil e com um discurso, especialmente no nosso país, que
se preocupa mais em criminalizar os atos de preconceito do que em erradicar
preconceitos, por meio justamente de recursos de educação extraescolar; há a
falta de auto-reconhecimento, porque nem sempre o negro sabe que é negro, nem o
pobre sabe que é pobre, nem o gay sabe que é gay, então, costumam fechar
questão aderindo às causas alheias, muitas vezes favorecendo seu próprio
opressor, como ocorre às mulheres que defendem posturas machistas. Acho tudo
compreensível. Acho que o brasileiro sonha tanto, que delira.
O que é assustador é
que os sonhos atuais, coletivos, não incluam o bem-estar coletivo. Não vejo
mais o povo brasileiro querer que o seu compatriota não passe fome; nem se
importar em diminuir a violência, nem torcer para que o analfabetismo acabe.
Não querem dividir o
pão, não querem que existam índios (logo eles, os donos da terra; os que
habitavam o país antes disso aqui ser invadido pelos portugueses e gerar os
monstro que somos). Somos, cada vez mais, seres do ódio. Seres impiedosos.
Achamos que o pobre
tem culpa por ser pobre; que o desempregado é apenas um preguiçoso, que o
diferente é o inimigo e que há uma maneira padronizada e reta de ser cidadão,
como se a vida fosse uma conta exata e como se as pessoas pudessem ser seres
programados.
Para arrematar, uns
que se pensam nacionalistas pregam a submissão e a subserviência total aos
Estados Unidos, acham que tudo que pertence à nação deve ser vendido – as
companhias estatais que geram lucros foram todas torradas, vendidas a poucos
centavos.
Há um parcela de
pessoas que para justificar suas escolhas equivocadas toda hora chama o
passado. Pior era o governo anterior; ah, ele também roubou; ele acabou com o
Brasil – e cá para nós, nas eleições de ultimamente, tudo é equívoco, apenas
varia em maior ou em menor grau. E quem, está no poder está detonando e
destruindo o que pode, proporcionalmente ao seu tempo de poder- mas, este ser
iludido é muito preocupado em ter razão, seja porque meios for. E ainda culpa
as forças etéreas de quem ‘torce contra’, como se torcer contra mudasse algo.
Se mudasse, o eleito nem seria quem ocupa o cargo hoje em dia, O cidadão que
vota errado, que segue a onda sem medir a corrente e sem se ver enquanto
nadador, se afoga e vai feliz.
Sendo objetivos,
vamos lá: com esta onda de COVID-19, a vida só se normalizará em agosto ou
setembro, quando tudo que puder acontecer já tiver acontecido.
Eu, por exemplo,
caso o shopping abrisse amanhã e a academia também, não iria nem por decreto.
Aliás, não é por causa do decreto de ninguém que eu iria, mas por meu bom
senso. Acredito que prefeitos e governadores não têm o poder de fazer o vírus
obedecer às suas ordens, ou seja, não me sinto segura. E a cidade em que moro
nem sequer tem 50 casos confirmados ou, se passou disso, foi na estatística de
hoje, que eu não acompanhei.
Acontece que entre
assintomáticos e portadores com sintomas, há a distância dos testes, que não
são feitos.
Não vou na roleta
russa.
Provavelmente, se eu
tivesse que dar aulas em maio, eu não iria de forma alguma.
Não é que a reclusão
me proteja, uma vez que furo a quarentena para receber delivery, abastecer o
carro, comprar comida, ainda que o faça raramente e no momento crítico.
Junta, aqui no
Brasil, uma crise de saúde e uma crise política, comandada por um presidente
que se acha o rei absolutista e uns eleitores que se sentem súditos e têm
postura de verdadeira adoração e submissão a ele, pelo qual, renunciam a
qualquer exercício de criticidade, porque se é para pensar em discordância
com as afirmações do grande ídolo, melhor nem pensar.
Todo pensamento
contrário é severamente punido, projetam redes de ódio, ataques morais, mas isso não
vale uma pauta. Na verdade, acho que ele nem é o problema. O problema é o povo
brasileiro mesmo. Se somos nós quem fazemos escolhas, quem elegemos...
Certamente que a
insegurança chegará ao festejos natalinos, mas aposto que a partir de setembro,
com a primavera e o sol, tudo será feito para apagar a memória dos dias atuais,
com vistas a alimentar o consumo, o turismo e à própria política - ponto fraco do brasileiro.
Devo, porém,
acrescentar um atenuante para nossas culpas: em certos pleitos, as opções horríveis de políticos também fizeram com que nosso cálculo moral ficasse na berlinda. Era isso: o ruim e o pior, lado a lado...Para evitar mal maior, fomos para determinado lado...
Continuamos um povo crédulo, acreditando em político limpo, de boa intenção; acreditamos em futuro - o tempo passa e ficamos para trás e somos passados para trás, sempre e ad eternum.