Louquética

Incontinência verbal

domingo, 22 de junho de 2025

Problema seu!

 


Em uma conversa vaga, falei com o meu ex-ente-amado justamente sobre amor. Perguntei a ele sobre a consciência de que “o amor que sentimos é problema nosso” lhe veio desde quando, ao que ele respondeu que desde muito cedo.

Achei incrível isso.

O que sentimos é nosso, está em nós e o outro ser ao qual vertemos nossos sentimentos é só um outro ser, tal como nós. Ele não tem responsabilidade sobre o que a gente sente, ainda que invista nisso, que tente despertar interesse ou atue para a sedução. O sentimento da gente é da gente. O que você sente é problema seu!

A gente, de fato, não escolhe conscientemente a quem amar. Não amamos as pessoas de qualidades admiráveis, nem as mais bonitas ou as mais inteligentes...nem sequer as que nos fazem bem, que fazem de tudo por nós ou àquelas que, de fato, mereceriam um amor intenso, imenso e sublime.

A outra parte que me surpreendeu foi que ele me disse que as pessoas (obviamente, falava de si) comunicam um ‘eu te amo’ achando que estão oferecendo a oitava maravilha do mundo, entregando um tesouro nas mãos do outro. E aí eu discordo.

Acredito que, sim, se a pessoa ama, sabe o tamanho do que sente e tenta articular a aceitação do ser amado. É como dizer: “Eu te amo. Eis aqui a minha vida. Gostaria que você fizesse parte dela e me permitisse amar você bem de perto. Por favor, aceite, pois é verdadeiro e eu te darei o melhor de mim”.

A experiência de ser amado é enriquecedora, mesmo quando a gente não corresponde a quem nos ama – na aritmética da vida real, é bem improvável haver correspondência.

Até quando somos crianças e lemos o amor com que nos cuidam, crescemos seguros. O fato de nos sabermos amados nos ensina muito e, principalmente, nos ajuda a identificar e reconhecer o que é o amor, apesar de traços particulares da forma de cada um amar.

Muitas vezes amamos e não sabemos. Um dia a gente descobre. O oposto também: a gente acha que ama, até descobrir que aquilo era outra coisa.

Ser amado é uma dádiva, isto é, desde que quem nos ame não nos faça cobranças, nem chantagens emocionais, nem jogos idiotas de responsabilidades e culpas.

A persistência cansativa não resolve um amor não-correspondido. Dói em quem ama ser rejeitado. Fazemos cálculos morais e gritamos para nós que o outro ‘não sabe o que perdeu” ou que ‘quem perdeu foi ele (ou ela).

Forçar a barra, procurar receitas para chamar a atenção não converte indiferença em amor. Mas, há quem queira o outro a qualquer preço. Isso indica covardia. É a incapacidade de lidar com  a rejeição e com a autonomia do outro, que pode querer ou não, do mesmo modo que a gente já declinou de boas propostas de amor e já distribuiu ‘nãos’ ao longo da vida.

Em situações em que o outro ignora, não responde nem corresponde, quão baixo se pode descer ao se colocar à eterna espera e à disposição deste ser? É por isso que é preciso coragem, para sobreviver à dor da falta. E é preciso deixar a pessoa em paz e, pacientemente, esperar o amor passar – nessas fragilidades, quem ama pode ser manipulado, humilhado, explorado, abusado, a depender do que construiu ao redor daquilo que sente por alguém (não somente o ser amado pode se converter em um tirano, como cartomantes e trabalhadores das artes supostamente mágicas podem levar seu dinheiro embora em três dias).

À parte as mazelas, amor é isso mesmo: ambiguidades.

Ser amado é um aprendizado, se a gente tem respeito por quem nos ama.

Nesta altura de minha vida, a cota dos amores já se esgotou. Não procuro, não quero e se aparecer eu digo que não estou. Brincadeiras minhas, porque gosto da leveza de não amar ninguém, exceto os amores ágape de base amistosa.

Aprendi quando amei, aprendi quando fui amada. Já atravessei meu vale de sombras e, com uma vela na mão, senti medo, solidão, tristeza, mas cheguei ao outro lado sem tropeçar e sem me deixar tomar pela escuridão. Aliás, agora que estou aqui, vou aproveitar a paisagem.

 


sábado, 17 de maio de 2025

A tristeza dá trabalho e o trabalho dá tristeza


 

Até aqui, vivi muitos lutos recentes e ainda me surpreendo por, constantemente, sonhar que o meu tio está vivo. Não é simplesmente sonhar com alguém que já morreu: é sonhar que, como em um filme de mistérios, ao término do percurso a personagem estava viva e que tudo fazia parte da trama. Sempre assim: no final, meu tio está ali, foi tudo um engano, os médicos se enganaram, o hospital se equivocou, eu tirei conclusões apressadas. Isso indica que esse luto ainda está se processando em mim e, tudo bem, tem um ano e meio que ele morreu.

Por outras razões, das quais, a consciência de que vendo meus dias de vida a preço baixo a um trabalho numa escola horrorosa, de contexto horroroso, com capatazes em lugares de diretores, tenho me sentido triste além da conta.

Assim como qualquer um de vós, acompanhei gente que capitalizava sua suposta depressão. Gente invejosa, mal-amada, condoída, dentre uma tantas supostamente sensíveis, imitadoras de artistas, que gostavam de atenção e de obter indulgências para suas maldades porque, afinal, coitadinhas, sofrem tanto com depressão...especialmente no meio acadêmico, onde pululam esses estelionatários do psiquismo humano. Quem nunca encontrou um, revise a memória.

Ciente disso, não ouso dizer que estou deprimida, mas tive um predomínio pesado de sensação depressiva. Uma tristeza diferente, uma percepção igualmente diferente sobre a vida e seus elementos de sustentação material; dos laços que nos atam à vida e nos fazem levantar da cama e seguir um rumo.

Meus lutos se somaram: a analista, vítima de câncer; as duas amigas, vítimas de câncer; meu tio; meu amor que se acabou e que me trouxe a triste leveza de não amar ninguém, as diferenças físicas que o tempo vai desenhando em meu corpo são outra parte de lutos. Decerto, gosto da minha aparência e da minha vitalidade, mas muita coisa muda, sim, e me predispõe a restrições, a despeito da pressão alta, por exemplo

Não voltarei ao mesmo psicanalista. Acho que foi um percurso encerrado. Fiquei com ele por um ano. Não quero voltar.

Por falar em percurso, não sei o que me dá, que realmente não desejo voltar a certos caminhos. E quando eu puder largar a escola básica, para onde, aliás, eu jamais desejei voltar, vou saborear o ‘nunca mais’ como a mais intensa vitória que eu poderia ter.

Interessante: eu não quero amar mais ninguém. Já deu: tive dois grandes amores. Ponto final!

Quero encerrar minha carreira o mais rápido possível e viver de criatividade vaga, mexendo em plantas, lendo livros, avançando no balé, prosseguindo na academia, vendo o mar de vem quando, com a terna vontade de dançar, sem largar a mão dos meus amigos, sem renunciar ao bom sexo com o homem que eu não amo, mas com quem me entendo muito bem...e conhecer outras estradas.

 

domingo, 16 de março de 2025

Apagou-se? Acabou-se!

 


Eu quis tanto esquecer meu segundo amor – espero que tenha sido o último nesta existência. Quando, muito recentemente, percebi que esqueci, me senti muito estranha. Pior foi passar por isso estando ao lado dele, porque a gente se reaproximou em dezembro.

Realizei sonhos de uma vida toda à espera de que pudessem acontecer, com ele (viagens, réveillon, aniversários, filmes, músicas e livros compartilhados, dentre tantas outras coisas)

Agora, ao perceber que o amor passou (ficou um gostar), observei o vazio deixado. Era como um pedaço de mim, que ali faltasse.

Devo dizer que compreendi que mesmo um amor não-correspondido nos preenche, ocupa um lugar em nós. Um amor sem correspondência é uma falta, mas é uma falta que nos nutre de força para sonhar, esperar, desejar, projetar, ocupar nossa mente, ser uma parte de nossa vida.

A correspondência de que falo não é somente sinônimo de que a outra pessoa não nos ame, mas que não tenha sentimentos minimamente proporcionais aos que a ela dedicamos. Isso, sim, é ser mal-amado.

Depois de outro tempo, percebi que há mesmo várias manifestações do amar, vários modos de amar e, para a minha decepção, há quem nos ame e não tenha cuidado ou carinho por nós.

Amor é só um fator dentre muitos para sustentar uma relação. Um pai amoroso pode ser negligente; uma mãe amorosa pode ser individualista; um marido amoroso pode ser infiel; uma esposa amorosa pode ser egoísta...a gente é que superestima o amor. Amor é muito, mas não é tudo. Faltam afetos coadjuvantes, atitudes auxiliares, fatores complementares.

Quantas idiotices a gente faz por amor! Se você for uma pessoa normal, vai reconhecer que já fez papel de idiota, que fez besteiras e até se comportou como burro, quando amou – e não me venha com as idiotices de separar amor de paixão. Nada mais desanimador que um amor sem empolgação; E a empolgação é a paixão, é o desvario maravilhoso deste estado de amar.

Este luto de defunto vivo, que é deixar de amar e estar com o ser antes amado, é esquisito e doloroso. Eu me sinto como se estivesse voltando para a minha casa. A casa vazia, só minha – sem vozes ou sombras de ninguém.

Ele me disse: ‘você está diferente!’

Eu disse: ‘eu também achei!’

Tive vontade de esfregar este troféu do ‘eu não te amo mais’, na cara dele. Mas, eu não estava feliz com aquela vitória. Decerto, entre amar e não amar, eu opto por não amar. Não quero mais. É cansativo e desgastante.

Porém, não amar é também difícil e desafiador. Não ter um objeto amoroso é não ter em quem pensar antes de dormir; é como um desenho animado em que o protagonista vence o inimigo (E se o Coiote pegasse o Papa-Léguas? E se Tom matasse Jerry?). Daí a humanidade precisar pensar em um duelo final entre o Bem e o Mal, não é? Combustíveis da fé, elemento motivador.

Deixar de amar é voltar para a casa vazia, é voltar para si mesmo e voltar-se para si mesmo. Aquele tempo que eu gastei olhando para o outro, na direção do outro, agora me obriga a olhar para mim – e arrumar essa casa não é fácil. Cada cômodo, uns incômodos, até que tudo se acomode.


O tempo e as idades

 




O lado bom de ser novo é a disposição física e a aparência da pele. Há pessoas, como eu, que se achavam pouco atraentes quando jovem, embora não faltassem pistas em contrário.

Outro aspecto positivo de ser novo, é poder andar de patins e usar as roupas que mais se quer usar, sem passar pelos crivos do etarismo. Vivemos em sociedade, de modo que é sempre desagradável ouvir aquelas pessoas da vida comum e os vídeos no Youtube determinando o que uma pessoa de mais de 40, 50 ou 60 não pode fazer, não pode usar, não pode ter.

Não tenho saudades de minha juventude, excetuados os pontos que levantei.

Aos 17 anos eu era muito infeliz e insegura. Aos 19, tudo era triste, com cara de finitude e imprecisão. Antes dos 17 anos, não preciso sequer declarar a infelicidade de não mandar em mim mesma, de não arbitrar sobre mim mesma, sem sequer poder decidir a escola onde eu queria estudar ou a roupa que eu queria vestir. Talvez por isso eu veja no casamento a repetição dessas mesmas condições, porque é necessário acordo com o cônjuge. Seria preciso alguém ser muito importante para mim, a ponto de me fazer renunciar à minha liberdade. Tem quem goste, porque ter liberdade é arcar com o peso das escolhas, responder por si – nessas horas faz falta uma religião, porque é sempre conveniente colocar a culpa no Demônio e nas tentações.

Só me considerei livre quando tive meu primeiro emprego efetivo. Aí, sim, adulta e livre. Livre do olhar social, nunca estamos.

Por ter medo de cirurgias e pouco dinheiro disponível para elas, jamais fui sedentária, o que me poupa de experimentar tantos dissabores de estar envelhecendo. Acho fundamental conservar um aspecto jovial.

O relógio biológico não gira em sentido anti-horário. Mas, há várias formas de se vivenciar a realidade do cronômetro.

Sou a favor de preenchimento com ácido hialurônico, sou a favor de intervenções superficiais e de jato de plasma (é pouco usado, por ser barato, mas é como um maçarico que, em pontinhos, faz o equivalente uma queimadura leve na pele, forma uma casquinha, um hematoma; e sai, deixando a pele renovada em poucos dias). Acho botox uma péssima opção, de efeito cosmético, doloroso, de curtíssima duração, o que não quer dizer que eu seja contra a opção dos outros. Cada um faça o que bem entender, mas não se iluda.

Eu nunca faria uso, tanto pelo preço quanto pela dor e pelo pífio resultado, de bioestimulador de colágeno. Que negócio ilusório! Porém, parabenizo quem vende esses serviços e convence às pessoas de que vale a pena.

O rosto é fachada da gente, é o que vem primeiro, é o que se mostra primeiro. Num mundo etarista, quando a aparência da gente é jovem, somos bem acolhidos. Todavia, muita gente, ao descobrir que a idade daquela pessoa é bem maior do que o que o rosto indica, desiste do relacionamento. Isso justifica a preocupação em esconder a idade.

O tempo não traz rugas, mas não traz maturidade. Continuamos entre adultos infantilizados, temos medos infantis, somos imaturos com os sentimentos. Mas, não podemos, como crianças, simplesmente, ficarmos 'de mal' com os inimigos. Fazer as pazes consigo mesmo é fundamental.  


domingo, 23 de fevereiro de 2025

Goela abaixo

 


Pessoas apaixonadas são capazes de muitas loucuras. Desejar e ter é mesmo enlouquecedor!

Muitas pessoas entram em disputas ou ouvem e aceitam que “devem lutar por um amor”. Conselho mais inadequado não há. Se um amor precisa de luta, você já perdeu.

Se a promessa de ‘trago a pessoa amada de volta, em três dias” desse certo, que sensação horrorosa não despertaria esse artifício de forçar quem não lhe quer a estar com você. Já pensou no contrário? Imagine você, ao lado de quem não lhe interessa, de quem você não gosta?

Mas, quem ama não quer saber da vontade do ser amado. Quer é que a pessoa lhe corresponda à altura. E se não lhe corresponder, que seja forçada a ficar com quem não quer.

As lutas por amor se justificavam, sim, outrora, quando as famílias eram inimigas, quando um pai se interpunha contra um casamento de filha/filho por conta de castas, status quo, sobrenomes e posses. Era a luta de honra, para se provar a dignidade.

Luta em termos de disputar com outra pessoa o coração de alguém, além de descabido é ridículo. Se a coisa exige esforço, força, luta, não estamos tratando de sentimentos reais e espontâneos.

Para a mulher, a coisa é um tanto pior, devido à cultura e educação patriarcais. Entende-se muito mal o preceito bíblico de que ‘a mulher sábia edifica o seu lar’. Puxo aqui a música de Francisco, el hombre: “Você é seu próprio lar”

Essa suposta mulher sábia não é aquela que engole tudo para sustentar um casamento fracassado, para prender a si um homem que já não a quer; não é aquela que espera o marido cansar da amante. O lar vai além da casa.

Essa coitada é a que ouve e aceita que ‘o que o homem não encontra em casa, vai procurar na rua’, isto é, ela deve se submeter ao que não é o seu próprio gosto e desejo, se não, o maravilhoso marido vai procurar amantes. Coitada: não sabe que os desejos não cabem em um casamento. E vamos, pois, falar sobre isso, embora não se resuma às mulheres em um casamento.

Acredito eu que sexualidade é algo particular, privado e individual no sentido daquilo que agrada a cada um. Preferências, fantasias, fetiches, orientações sexuais, tudo isso é particular e não cabe julgamento, desde que não ponha a vida de ninguém em risco, nem represente violência que não seja ajustada em comum acordo, aqui me referindo àqueles tantos seres humanos chagados em práticas desse tipo. Em resumo, em termos de sexo, o que não é contra a lei, cada um tem plena liberdade de usufruir sem precisar pedir permissão ao vizinho.

Todavia, me causou triste perplexidade quando vi uma moça ensinando a fazer garganta profunda, em postagem replicada nos comentários de um blog que eu gosto e frequento, que, por seu turno, é blog de humor.

A moça ensina que, para a garganta profunda, se deve estar de estômago limpo, vazio, e procurar ficar relaxada (o), introduzindo o pênis lentamente na boca, até preencher a garganta, pois o normal seria ter ânsia de vômito.

Ela explicou minuciosamente o sacrifício incômodo. Eu só pensei que era impossível uma pessoa sentir prazer em estar com algo na garganta, a ponto de vomitar, só para agradar um parceiro.

Se fosse bom para ambos, se fosse uma fantasia compartilhada, com alguma contrapartida positiva, tudo bem.

O mesmo se aplica a qualquer outra prática que as pessoas em geral, mas as mulheres em particular, se permitem, apesar de desprazerosa ou incômoda, só para agradar o parceiro ou por achar que assim se fará amar. Não, são duas casas diferentes: a do amor e a do prazer.

Mulheres ficam com homens que não lhes dão prazer. Homens, ficam com as mulheres que amam e com as que lhes dão prazer. E não misturam as casas. Por isso, raramente eles desfazem o casamento para poderem ficar com as amantes. Não, eles ficam com as duas.

Mulheres renunciam ao prazer com maior facilidade.

Mulheres também traem, claro. O que mudam são contextos e causas.

A pessoa, quando bonita, terá maior facilidade de ser desejada sexualmente. Não têm garantia de amor – olha quanta gente feia você deve conhecer, que é amada, casada?

Aparência ajuda em muita coisa, é capital simbólico que abre portas. Porém, não define que gente bonita será gente amada.

Não me lembro de ter visto ou ouvido falar de homens querendo aperfeiçoar a si mesmo com vistas a agradar uma mulher. Isto indica o quanto somos dependentes deles, o quanto investimos para sermos amadas, preferidas, ou seja, de alguma forma, entramos em disputas não assumidas.

Para não perdemos a leveza do bom humor, repito o que aprendi com um chefe que tive, que costumava dizer que “sapiência é a capacidade de engolir sapos”. Não tenho nada a ver com as decisões de terceiros, mas tenho olhos abertos quanto a tantas coisas que nos querem fazer engolir goela abaixo - em qualquer sentido que vocês queiram entender. 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Afinal, a quem dirigir?

 


É preciso muita coragem para saber-se só, mesmo quando temos companhias.

É preciso ainda mais coragem para admitir que há coisas que cabe apenas a nós darmos conta.

É necessário reconhecer o que há em nós, identificarmos sentimentos e sensações, que muitas vezes traduzimos na simplificação do amar ou do odiar. Há outras tonalidades nesse interregno.

Mais uma vez, reiterando meu pavor de positividades tóxicas (não sou daquelas pessoas que se amparam em pensamentos positivos desarticulados com a realidade), não acho que caminhamos para evoluções benéficas, ressaltando que aprendi que nem toda evolução é positiva porque o meu ex-namorado me dizia isso e explicava que se a doença evoluiu, significa que o doente piorou.

Entretanto, não integro o rol dos desolados, aqueles outros tantos que defendem que não devemos criar expectativas, que não devemos sonhar, pois que manda continuará mandando; que tudo está dado e que ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Há outro intervalo aí, que precisa ser reparado e levado em conta.

Nenhuma mudança viria se assim pensássemos coletivamente. O que seria da civilização sem as revoltas dos subalternizados? E se o escravo acreditasse que nada mudaria, haveria quilombo? Haveria fim da escravidão? E se todas as mulheres achassem que não votariam nunca, porque as decisões são tomadas pelos homens e eles sempre serão mais fortes, haveria sufrágio universal?

Para o particular, pessoal, individual, assim como para o coletivo, é preciso ousar sonhar.

O que penso ser inviável é pensar positivo e jogar para o universo resolver o que cabe a cada um ter a ação para decidir e resolver.

Fazer tudo certo não lhe dará a certeza dos bons resultados, mas você irá recrutar meios para a sua vitória. Planejar e se munir de recursos vai lhe dar maiores chances de obter um resultado positivo. Significa que você cumpriu a sua parte num acordo tácito.

Confiar no improviso pode dar certo, mas sua probabilidade diminui a quase zero de alcançar o que deseja.

Há coisas totalmente fora de nosso poder de ação e decisão. Coisas gerais, como leis, por exemplo, ou circunstâncias de saúde, intempéries, acidentes, surpresas de todo tipo. Se somos crianças ou temos impedimentos de outra ordem, estamos sujeitos às decisões alheias, aos pais e responsáveis, ao voto da maioria, a aspectos distintos e múltiplos. Entretanto, na nossa quota de poder sobre nós mesmos, costumo me lembrar do filme Dormindo com o inimigo. Protagonizado por Júlia Roberts, o filme mostra uma dona de casa encarcerada no lar, com um marido abusivo e violento, que a transforma numa pessoa transtornada, subjugada e submissa.

Ele manipula os medos dela, já que moram numa ilha e ela não sabe nadar. Vive, portanto, numa prisão a céu aberto, falsamente paradisíaca.

Um dia, às escondidas, ela aprende a nadar.

Traça um planejamento de fuga, de modo que põe em prática seu plano particular de liberdade. Apaga as luzes da ilha numa noite e atravessa, da ilha ao continente, nadando na escuridão.

A protagonista poderia pensar que não havia saída. Poderia não criar expectativas, nem sonhar com rumos diferentes.

Exemplifica, portanto, o reconhecimento da opressão, da situação, dos sentimentos; e quebra com a situação de vítima passiva. Continua sendo a vítima, mas tendo o poder de reação necessário ara sair de tal condição.

Então, o que podemos concluir é que é preciso enxergar saídas. Se não as temos, é preciso construí-las. Para construí-las, não basta pensar positivo, é preciso trazer à baila elementos que ajudem aos resultados.

Então, se você acha que basta tomar água com limão para emagrecer, ajude o limão a agir e vá correndo ou caminhando comprá-lo todos os dias, em qualquer lugar a 2 km de onde você estiver; se você acha que o pensamento positivo vai fazer você passar no concurso, ajude o pensamento positivo e vá ler o conteúdo de cada disciplina, a fim de pensar melhor.

Até se você tiver uma Ferrari, é preciso saber que ela não vai sair do lugar sozinha: é preciso um motorista para colocá-la em movimento. O pensamento positivo, definitivamente, não dispensará a ação da parte interessada.

 


terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Vazios

 


O que nos falta? Cada um terá uma resposta própria, de seu foro particular. As faltas materiais costumam ser mais claras. Às vezes, a gente pensa que são somente elas. Ainda bem!

Passamos um tempo em busca de adquirir bens. Os necessários: casa, carro...o acesso àquele plano de saúde, as condições de ter acesso àqueles serviços, ou àquela seletiva festa... e, quiçá, a tranquilidade de uma poupança que traga segurança frente às reviravoltas que a vida traz consigo – das boas, que significam oportunidades irrecusáveis de um negócio; às péssimas, diante de doenças ou vicissitudes assemelhadas.

E prosseguimos, desejando e tendo. Presumimos que quando finalmente a conquista for alcançada, seremos preenchidos e curados da falta, daquele vazio inexplicável que só se revela quando temos muito.

Pode não parecer, mas isso é ótimo.

Muitas vezes eu disse que não é porque se tem tudo, que não se sente a falta de nada. Citei os invejáveis Chris Cornell, Amy Whinehouse, Kurt Cobain, etc., por serem jovens, ricos, bonitos, inteligente, amados, famosos, ou seja, não lhes faltava nada. Entretanto, preferiram se suicidar. Dá para presumir que quem se suicida quer acabar não consigo próprio, mas com a sua dor. Há os incautos, aqueles dos quais se costuma dizer que pensam: “Já que não tenho a vida que quero, não quero a vida que tenho”. A vida, para mudar para melhor, depende muito de nós e de um trabalho particular de reconhecimento de sentimentos (frustações, ódios, inveja, fracassos, incapacidades, etc.). Não conseguimos identificar sentimentos, sequer os mais simples – dá vergonha reconhecer que temos inveja, dá vergonha admitir que odiamos a quem teoricamente deveríamos amar, dá vergonha de si mesmo reconhecer quando nos sentimos menores, rebaixados, incapazes.

Nos tempos atuais é muito estimulado o desligar dos sentimentos, a frieza que facilita a objetividade. Aprendemos a ter vergonha de sentir pena, como se fossem humilhantes a compaixão e a piedade que nos toca diante de certas situações. Sempre haverá um cretino para dizer que é feio sentir pena. E ainda por cima, um cretino deste tipo fará o coração piedoso soar como se quisesse ser superior àquele que sofre.

Até aqui, não sei se ficou óbvio, mas eu quis indicar que nossas subjetividades são moldadas e induzidas. A verdade do que você sente é inacessível até a você mesmo, mas não por ser secreta e, sim, porque há camadas por cima dela e o contexto lhe empurra para desvios.

Aquelas pessoas que defendem o pensar positivo também estão no mesmo caminho: você é estimulado a subestimar a realidade, a não avaliar a si mesmo e ao contexto. Portanto, tudo advém de fora, segundo esse povo do pensar positivo. Vai ser difícil não estudar para um concurso, pensar positivo e passar. Vai ser difícil não fazer exercícios físicos, pensar positivo e emagrecer; vai ser difícil não comprar o bilhete de loteria e ganhar um grande prêmio, embora você possa pensar positivo. A culpa sempre é do outro, neste caso. Zero responsabilidade da pessoa envolvida.

Achamos bonita a objetividade de quem é produtivo e precisa tomar decisões: ser seco, frio e impassível é muito bem aceito. Sensibilidade zero, porque precisamos ser competitivos e se a gente não for, alguém será conosco, passando por cima e nos esmagando.

Mas, de falta em falta, supostamente preenchida, quando conquistamos os sonhos materiais e até quando surpreendentemente pensamos que agora, sim, só me falta um grande amor para eu me sentir um ser completo, finalmente, conquistamos um grande amor e a falta aparece de novo. Ora, mas pode ser que me falte apenas um filho para a falta desaparecer. Eis o filho, eis a falta.

Esgotados todos os elementos supostamente desejados e pensados enquanto preenchedores do vazio, voltamos os olhos para dentro e na viagem por paisagens da memória, vemos as outras faltas e iniciamos outros processos de reconhecimento. Talvez, aí apareça sua revolta silenciada por anos sobre sua família negligente, ou surja seu ódio por sua mãe e seu pai indiferentes, talvez a sua inveja por sua irmã bonita e bem casada ou por seu irmão tão sortudo e bem-sucedido se deixem entrever. Resultado: a bola volta para os seus pés, o espelho sai do retrovisor e fixa na sua cara. Vai encarar? Coragem! O vazio é buraco sem fundo, é próprio da existência, impossível de preencher. A gente coloca uns tapumes, tipo a religião, por exemplo, ou outras causas coletivas – para mim, são providências válidas, ainda mais se a gente considerar que muitas pessoas recorrem aos vícios. Seria ótimo curar dores existenciais com cerveja e drinks, ou sexo em abundância ou aquele remedinho tarja preta, que lhe deixa leve e feliz...Porém, não há solução.

Em alguns dias, isso tudo sobre vazios nem se passará por sua cabeça – a gente se ocupa é para isso também. Em outros dias, a visita das questões interiores lhe convidará a pensar nas faltas. Não, não é falta para cartão – nem cartão de crédito em compras para preencher o tédio, nem cartão vermelho para lhe expulsar do jogo da vida. Resista: isso passa. Depois, continua. E assim será até que a gente passe pela vida.