Louquética

Incontinência verbal

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Ode à Amiga Fura-Olho


Ontem andei falando com uma amiga que eu não via há anos. Eu e minha cabeça sempre cheia de mágoas, fiquei menos empolgada que ela. Não era para menos: eu deixei que ela morasse em minha casa, sem qualquer contribuição pela hospedagem de nove meses, enquanto coisas de uso coletivo (um ferro de passar roupas, por exemplo; ou carregadores de baterias) eram trancadas por ela no guarda-roupa particular que ela pôs em meu quarto.
Isso foi há mais de uma década, eu era estudante da UEFS, vivia uma baita pindaíba e era sustentada por meu pai. Mas acolhi a pessoa que foi banida da própria família por estar de caso com o marido da irmã. Independentemente das questões morais, não iria ser eu a fazer julgamentos e por caridade, prestei o que ela mesma chamou de asilo político.
Depois ela se reestruturou, nem sempre por meios lícitos  (desviava cheques do patrão, mas nada de valores escandalosos), arranjou-se com outro homem e começou a me tratar com um imenso ar de superioridade.
Como eu era insegura e burra, acatei o mau tratamento e, numa única vez em que passei um final de semana na casa alugada por ela, discretamente recebi as indiretas para não demorar ali. Acreditei no convite, aceitei, fui e lá chegando descobri que o convite era só verbal, ela não queria me ver de jeito algum por perto.
Eu fui uma adolescente muito cabisbaixa e estava me tornando uma adulta extremamente auto-inferiorizada - talvez reflexo do exercício familiar com minha madrasta, a me depreciar e a me mostrar que eu não era ninguém nem merecia respeito.
Passaram-se uns três ou quatro anos depois disso, eu me tornei militar e não tinha muito o que fazer com o dinheiro que ganhava, embora não fosse muito.
Ela soube das mudanças, me visitou, pegou cheques emprestados - claro que esta idiota que vos fala emprestou...
Tempos depois, eis o rombo na conta, não porque ela não pagasse, mas porque cobria os cheques quando bem entendia, de modo que gerava um efeito dominó que começou a deixar os meus próprios cheques sem fundos. E fui eu quem fui ao fundo...do poço.
De lá para cá, nestes mais de dez anos, a gente se viu bem esporadicamente, graças a Deus.
Ela mudou de cidade, veio a ganhar mundos e fundos, juntar patrimônio.
Mas agora voltou. Falida! lembrou-se de mim, me catou no Facebook e me achou.
Ontem me interpelou, pediu que eu a visitasse, mas tenho minha desculpas de trabalhar em Salvador, ter o que fazer e etc.
Recebi o número dela por mil e um amigos em comum a quem ela pediu o favor. Quando ela me perguntou, confirmei que sim, tinha o número.
Ela quis saber por que eu nunca liguei. Dei uma desculpa besta, qualquer, de modo a que ela visse que se eu não liguei é porque aquela amizade não me interessava.
Não é que eu odeie ela: é que eu mudei, não quero ser feita de idiota e não há nada na nossa relação que tenha me deixado saudades ou que justifique uma atitude tão masoquista quanto 'passar a mão na cabeça de quem me sacaneia', como diz a música do Barão vermelho.
Ela escrutinou a memória dos tempos idos e eu dei graças a Deus por minhas narrativas de universidade, da graduação, não terem sido compartilhada por ela.
Na memória dela, só os momentos felizes, os arroubos de amizade, as festas no Feira Tênis Clube e os outros shows a que fomos. As vezes em que ela me sacaneou, as mediocridades que ela fez, as atitudes escrotas (e para quê buscar palavras elegantes para me referir a alguém que me fodeu o quanto pôde?), tudo isso foi arrancado dos arquivos da memória.
Perguntou dos meus namorados e do destinos dos ex que ela chegou a conhecer, especialmente de Robson.
Amiga fura-olho: eis a definição do que ela é.
Fiquei temerosa devido ao fato de que uns tempos atrás outra amiga veio à minha casa, louvou minha solteirice, minha opção por não ter filhos, abriu meu guarda-roupa e despencou-se de chorar ante perfumes, sapatos e roupas, porque ela argumentava que fez as piores escolhas para a própria vida, que poderia estar como eu e que minha maior riqueza era pertencer a mim mesma e não carregar os fardos da responsabilidade com família, marido e filhos.
A amiga Fura-olho me fez o mesmo, lastimando a vida de casada, os filhos, as escolhas...E isso ela deduziu a partir de fotos do Facebook e coisas de contexto.
Não tenho a melhor vida do mundo. Tenho faltas, angústias, carências, mas amo a minha vida. Assumo minhas escolhas e nunca neguei que preciso de minha solidão em casa, que não quero morar com ninguém, que depois de poucos dias de convívio coletivo quero sair correndo para bem longe de quem me cerca.
Adoro minha liberdade, minha vida, meus altos e baixos...Aceito a vida como ela é e procuro modificar o que  não me agrada...
Depreendi, mediante esta troca de palavras com a suposta amiga, que a memória de quem bate é muito diferente da memória de quem apanha. Quem bate, realmente, trabalha pelo esquecimento e para dar outro significado àquilo que se resume à maldade cometida contra outrem.
Claro que há os que suspeitam dos relatos de memória, sempre querendo defender que a outra versão, a versão da outra parte tende a ser mais importante. Fosse em caso comum, diríamos o de sempre: desqualificar a vítima para favorecer o réu. Contudo, não sou vítima: sou sobrevivente, como costumo dizer.
Fica difícil distorcer os fatos quando há coisas concretas como o fato da figura ter ido morar comigo e ter sido medíocre e cruel, alimentando a suposta amizades em momentos de conveniência e quando lhe era útil.
Não sei quanto uma pessoa pode ser tão sem noção a ponto de não saber que a gente percebe ou descobre pelos relatos de terceiros quando somos indesejados na casa alheia.
A Fura-Olho me explorou porque eu era idiota, me sentia inferior, achava que precisava dela, não ela de mim.
Condicionei um bando de gente a achar que eu seria eternamente idiota, porque perdoei demais, relevei demais e minha postura só se corrigiu na psicanálise.
Já fiz coisa parecida com a plena idiotice de outrora, recentemente, mas apenas para dar uma lição: emprestei uma grana preta a um pessoa que ao me ver na pindaíba, sendo minha íntima, jamais me forneceu um empréstimo, uma ajuda mínima que fosse, nem em consideração à amizade, nem por caridade ante meu quadro de penúria material. Emprestei  a quem jamais me ajudou, apenas para mostrar a mediocridade da pessoa, para demonstrar que a recíproca nunca seria verdadeira porque em hipótese algum tal pessoa me ajudaria.
Acho que o ódio não me vem porque gente medíocre me causa piedade. E esse povo que quer levar vantagem em cima da gente, que quer ludibriar nossa boa-fé sofre deveras com o nosso sucesso.
Emprestei o dinheiro para ensinar a lição mais óbvia: a fé, sem as obras, é inútil.
Tudo que é meu, é meu por trabalho, por conquista e mesmo o que herdei foi presente e reconhecimento, nada foi obtido de forma ilícita, minha felicidade descontínua como é, não se fez da infelicidade alheia.
Dei aulas em lugares que ficam a 08, 10 horas de onde moro...Não precisei recorrer a jogos de interesse, não me vendi, não quis comprar ninguém.
O Bem a gente pratica. Ponto Final.
E para a amiga Fura-Olho, a porta sempre estará fechada.

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