Louquética

Incontinência verbal

domingo, 2 de novembro de 2014

Ouvinte oculto


Depois que a casa cai, não adianta chamar engenheiro credenciado no CREA. Estava eu falando ao telefone com uma amiga, contando das aventuras amorosas, eróticas e intelectuais que vivi há uma semana, quando fui a um congresso em Pernambuco, quando o meu querido Zero Um, distante e descartado de minha história entrou sorrateiramente em minha casa e pegou setenta por cento da parte mais pesada da história.
A verdade é que mandei ele pastar há um tempo. Aí ele começou a aparecer, estava doente e carente. Como eu pouco fico em casa ultimamente, parei de brigar. ah, quer aparecer, apareça. Quer ficar, fique. Ele, então, um cadáver ambulante, mais sono do que gente, uma presença muda consumida pelo abuso cumulativo do álcool. Desperta mais piedade do que ódio.
Acontece que as concessões feitas fizeram com que ele presumisse meu interesse e reconciliação. Nada feito!ms eu jamais tripudiaria sobre o cadáver de quem gosta de mim...E ele ficou arrasado ao saber que eu estava de flerte maciço com Vítor.
Outro dilema: Vítor é hiper-mega-maxi-plus inteligente. Formado em Direito, Letras, Filosofia e sei lá mais o quê, doutor e professor efetivo de uma universidade federal badaladíssima. E eu me sinto rasa como um pires, perto dele.
O menino tem conteúdo, é lindo, gentil e cavalheiro. Por conta disso tudo, meu amigo de quem partiu o convite para o congresso, ficou sugerindo que Vítor era gay. Tal manobra foi feita para que eu ficasse com quem meu amigo queria que eu ficasse, isto é, com um amigo dele, que vou chamar de N.
O tempo passou e se tem uma coisa difícil, durante um evento acadêmico, é conseguir ficar a sós com alguém: igual a quando estou na universidade em que dou aula. Não tem chance de privacidade, onde quer que você vá, no banheiro, no pátio, no estacionamento, há sempre um aluno, um chefe, um conhecido, um parente do amigo do vizinho do funcionário da universidade ou seja lá que porcaria seja, para empatar os planos de ter um interregno secreto com alguém. E assim foi!
Umas vezes eu não entendia N., nem os olhares, nem a sugestão para que eu voltasse com parte do grupo antes de concluída alguma atividade coletiva, como os passeios; ora ele se exasperava e me olhava como se eu fosse um bife com batata frita, apetitoso e suculento. Era assim uma cara de desejo de comer.
Nestas ocasiões, eu e Vítor meio distantes. Suponho que ele tenha sido, também, envenenado para ficar longe de mim...
E nos distanciamos na véspera de eu ir embora.
E N veio com tudo e ficamos juntos. Eu sei lá o que me deu... Mas tudo secreto, arranjadinho arrumadinho. E quando eu digo que ele veio com tudo preciso explicar: eu estava indo com o amigo JP ao salão, dar um trato no cabelo. Passei no hotel para pegar um Bepantol e coisas pessoais para tomar banho na casa do JP que é vizinha ao salão.
Ao descer com as tralhas, JP falou que N queria falar comigo e blablabá. Dez minutos depois ele chegou, numa pressa, num desespero, numa fúria, cantando os pneus do carro - e nem eram 18 horas ainda, sendo que uma hora depois teríamos que estar no evento. Talvez esse cronometro explique tudo.
Acho que eu nem disse nada e partimos para o beijo.
Depois juntei A com B e fiquei virada nas setecentas com os dois: ora, JP e N, amigos de Vítor de longa data, me induzirem a pensar que o cara era gay, só por interesses particulares deles. poxa, que traidores!
Acabou que Vítor veio falar comigo, fugimos do evento para tomar um café gelado e desta parte em diante da narrativa do vivido e do relatado para minha amiga, Zero um ouviu e sabe de tudo.
Magoadíssimo: ouviu que Vítor me deu chocolates, que tínhamos muitas coisas em comum, que eu fiquei impressionada e etc. O problema é o 'etc' das coisas.
Gostei muito da viagem e já fazia um tempo que eu não namorava em congressos. Valeu a pena. Infelizmente, o dano colateral foi magoar Zero Um, que não merecia tomar conhecimento de coisas deste tipo.
Fui, vi e vivi.

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