Louquética

Incontinência verbal

sábado, 5 de janeiro de 2019

Toda forma de paz ou a paz de qualquer forma



Tem uma filosofia de para-choque de caminhão, que diz que “amigo não é aquele que enxuga uma lágrima e, sim, aquele que não a deixa cair.
Ora, já declarei minha chateação contra quem persegue nosso direito ao choro. Odeio explicar as razões de minhas tristezas, engolir minhas lágrimas ou ter que adiá-las para evitar testemunhas.
Agora, a perseguição é outra: não posso ficar em paz, quietinha, muda, fora de redes sociais, longe do telefone celular, porque toda hora tenho que explicar meu sumiço.
Gostei de meu réveillon. Gostei ainda mais de não ativar dados móveis e ir para uma área onde o sinal era quase inexistente.
Está tudo bem: sem confusões, sem tristezas, sem desesperos. Acho que as pessoas se acostumaram com ostentação de felicidade. Não: a felicidade pode ser muda, silenciosa, contemplativa.
Não tenho uma vida excitante a ponto de justificar o grude nos aparelhos. Odeio saudar quem eu não gosto e formalizar votos de feliz ano novo a gente cretina ou insignificante.
Claro, tem gente ruim, escrota e cretina que eu gosto, apesar dos péssimos adjetivos. Mas, entre gostar e querer contato, vai uma distância incomensurável.
Fica a mesma dica: se você precisa perdoar uma pessoa escrota, faça o seu possível. Se conseguir, não esqueça que vocês não precisam manter o convívio contínuo.
Hoje em dia eu me sinto uma total imbecil por ter arrastado uns contatos assim, ad eternum.
Nuns casos, por piedade, porque a pessoa já não tinha amigos e poucos eram os próximos que queriam proximidade com ela.
Em outro caso, a pessoa viveu um verdadeiro ostracismo familiar, com todo mundo guardando distância e com justa razão: trata-se de um ser humano péssimo e venenoso que, se não ferir diretamente quem chegar perto, vai articular situações e plantar a discórdia, de modo a fazer ferver a dissensão, as brigas, as calúnias. Para dar um exemplo, essa figura convenceu uma pessoa de que havia outra a tramar ardis e atentados contra a vida do ‘visitante’.
Mas, lá fui eu, atender ao “setenta vezes sete” perdões que devemos dar.
Voltei envenenada, não porque não estivesse imune ao veneno ou desconhecesse onde estava o antídoto, mas por notar que foi, de fato, a última vez em que fui visitá-la. Nunca mais volto lá.
Pareço e sou uma pessoa de “nunca mais”. Nunca mais, em minha vida, é muito verdadeiro e mais constante que “para sempre”. Pouco sei sobre ‘para sempre’.
Não precisamos disso. Ninguém precisa. Decerto, obrigações sociais nos submetem ao contato com quem não queremos. Basta não prolongar. E se pudermos romper o laço, melhor ainda.
Outro ponto é evitar repetir más experiências. Se não foi bom sair com tal pessoa ou realizar qualquer atividade com ela, não é necessário passar por tudo de novo, a menos que se dê o benefício da segunda chance.
Também não vale ir onde não se deseja, comer aquilo de que não gosta, só para não causar desconforto nos outros.
Já entrei nessa: no fim das contas, almocei arroz e alface, para não declinar do almoço oferecido coletivamente (um cardápio horroroso e pesado que me obrigou a me servir apenas do que era possível comer, em meio a tanta porcaria sem sabor). Saí com fome para não sofrer linchamento social e parecer metida a besta. Não faço isso nunca mais.
Quem quiser que venha me obrigar a gostar de açaí, a gostar do Rio de Janeiro, a achar calça sarouel bonita, a usar espadrilles, a querer ter filhos, a ouvir pagode! De igual maneira, nunca obriguei ninguém a ter os mesmos gostos que eu. Contudo, é difícil que me deixem em paz: há sempre alguém querendo me converter.
Bicho com vontade própria é fogo!
Então, não quero atender a ligação apenas porque não quero conversar. O povo faz um alarido, mesmo eu previamente tendo feito a advertência de que quero ficar quieta e sozinha. Não há nada de errado nisso. É a paz do encontro comigo mesma.
O poeta pouco entende disso – ele, pelo menos, subestima. Coloca a etiqueta da frescura ou de algo depreciativo, mas me deixa em paz.
O que há de errado em querer ficar sozinha?

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