Sou filha única. Não vivi certas competições entre irmãos, mas testemunhei muitas e vivi as minhas próprias, ainda que eu não me dispusesse a isso.
Prevalecem competições que dizem
respeito à disputa pelo amor do pais – por sinal, a mais inválida e estúpida,
porque os pais têm preferências mesmo. Hoje em dia, pais e mães já podem
assumir com palavras o desamor que, outrora era desconfiado mediante atitudes –
e as disputas internas, entre irmãos, para provar quem é o melhor, quem está
melhor, quem tem mais, quem ganha mais são regra. O exemplo bíblico de Caim e Abel é mera
ilustração.
Um colega meu de
curso de graduação assumiu que na mesa da ceia do Natal, a pauta era sempre
essa, a de quem tinha o melhor emprego.
Meus ex-namorados
viveram a mesma disputa, inclusive com a participação ativa do pai, que não
tinha postura apassivadora. Ao contrário, exercia tirânica função comparativa,
parcial, tendenciosa, injusta.
Não há a menor necessidade
disso. Eles já se invejam, já concorrem, já disputam. Fora da família a gente
já faz nossa parte: faz comparações, presume as relações, criticando como pode
uma irmã ser tão bonita em detrimento da outra; ou de um irmão ser exemplar,
bem-sucedido em relação a outro; de quem fez bom casamento e quem se deu mal. E
toda família tem seus desníveis.
Acho tudo muito
cruel. Já basta o mundo, a ensinar que todos somos concorrentes ou adversários –
é uma desleitura malévola da irmandade, da fraternidade, dos princípios básicos
da afabilidade. Talvez, por eu ser professora, vejo com concessão a
concorrência por notas, porque joga os alunos para frente, para além, tem
efeito construtivo. Enquanto crianças, pelo menos e até à adolescência. Já para
adultos de universidade, fica uma coisa estranha e arrogante – decerto, acho
bom que os alunos se cuidem para manter respaldo de bons estudantes.
Fora dessas
circunstâncias, a gente sabe que vencer na vida é, às vezes, vencer à própria
família, às toxicidades de convívios ruins...Se eu for, por exemplo, colocar
isso em minha situação particular, vou concluir que para meu pai, não venci na
vida, porque não quis continuar a ser militar. O critério de triunfo, para ele,
é esse: ser militar, ter poder de polícia. Para mim, que pude prescindir e
exercer uma escolha consciente, sou vencedora porque fiz à minha própria
vontade – e venci por ter feito meus cursos, lido meus livros, feito minhas viagens;
ter feito minha vontade e não me dobrar às determinações coletivas de ser mãe
(eu nunca desejei); às tantas imposições...E terá quem ache o contrário. Na
minha concepção, vencer a si mesmo, vencer medos e desafios interiores; pagar
preços por uma escolha, é vencer na vida.
Mas, vencer é vencer
quem? Quem é o adversário? Na acepção comum, vencer na vida é ter dinheiro,
poder e fama; é ter carro e casa; emprego fixo bem remunerado; coisas similares
entram neste rol...Ora, que desafio é maior do que o de não se prontificar a
entrar neste embate? Que venham troféus, medalhas, prêmios, porque é preciso ter certas coisas para sobreviver com dignidade, mas o que define vencer na vida não são essas coisas externas que, aliás, são consequência. Se, entretanto, a unidade de medida de nossos valores, das nossas batalhas, forem contabilizados de maneira distorcida, seremos sempre desqualificados e desclassificados por quem não sabe o que está em disputa e qual o ganho que nos interessa. Vence na vida quem larga o casamento estável mas infeliz; quem abre mão de algum dinheiro em troca da paz; quem opta pelo menos e pelo menor, para priorizar ganhos secundários que lhe sejam mais importantes...São julgamentos particulares, questões particulares e específicas. Cada um que avalie melhor o que deseja para si.
Bem disseram Los Hermanos, em O vencedor:
"Eu que já não quero mais
Ser um vencedor
Levo a vida devagar
Pra não faltar amor..."
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