O que nos falta?
Cada um terá uma resposta própria, de seu foro particular. As faltas materiais
costumam ser mais claras. Às vezes, a gente pensa que são somente elas. Ainda
bem!
Passamos um tempo em
busca de adquirir bens. Os necessários: casa, carro...o acesso àquele plano de
saúde, as condições de ter acesso àqueles serviços, ou àquela seletiva festa...
e, quiçá, a tranquilidade de uma poupança que traga segurança frente às
reviravoltas que a vida traz consigo – das boas, que significam oportunidades
irrecusáveis de um negócio; às péssimas, diante de doenças ou vicissitudes assemelhadas.
E prosseguimos,
desejando e tendo. Presumimos que quando finalmente a conquista for alcançada,
seremos preenchidos e curados da falta, daquele vazio inexplicável que só se
revela quando temos muito.
Pode não parecer,
mas isso é ótimo.
Muitas vezes eu
disse que não é porque se tem tudo, que não se sente a falta de nada. Citei os
invejáveis Chris Cornell, Amy Whinehouse, Kurt Cobain, etc., por serem jovens, ricos, bonitos, inteligente, amados, famosos, ou seja, não lhes faltava nada.
Entretanto, preferiram se suicidar. Dá para presumir que quem se suicida quer
acabar não consigo próprio, mas com a sua dor. Há os incautos, aqueles dos
quais se costuma dizer que pensam: “Já que não tenho a vida que quero, não quero a vida
que tenho”. A vida, para mudar para melhor, depende muito de nós e de um
trabalho particular de reconhecimento de sentimentos (frustações, ódios,
inveja, fracassos, incapacidades, etc.). Não conseguimos identificar
sentimentos, sequer os mais simples – dá vergonha reconhecer que temos inveja,
dá vergonha admitir que odiamos a quem teoricamente deveríamos amar, dá vergonha
de si mesmo reconhecer quando nos sentimos menores, rebaixados, incapazes.
Nos tempos atuais é
muito estimulado o desligar dos sentimentos, a frieza que facilita a
objetividade. Aprendemos a ter vergonha de sentir pena, como se fossem
humilhantes a compaixão e a piedade que nos toca diante de certas situações.
Sempre haverá um cretino para dizer que é feio sentir pena. E ainda por cima,
um cretino deste tipo fará o coração piedoso soar como se quisesse ser superior
àquele que sofre.
Até aqui, não sei se
ficou óbvio, mas eu quis indicar que nossas subjetividades são moldadas e
induzidas. A verdade do que você sente é inacessível até a você mesmo, mas não
por ser secreta e, sim, porque há camadas por cima dela e o contexto lhe
empurra para desvios.
Aquelas pessoas que
defendem o pensar positivo também estão no mesmo caminho: você é estimulado a
subestimar a realidade, a não avaliar a si mesmo e ao contexto. Portanto, tudo
advém de fora, segundo esse povo do pensar positivo. Vai ser difícil não estudar
para um concurso, pensar positivo e passar. Vai ser difícil não fazer
exercícios físicos, pensar positivo e emagrecer; vai ser difícil não comprar o
bilhete de loteria e ganhar um grande prêmio, embora você possa pensar positivo. A culpa sempre é do outro, neste
caso. Zero responsabilidade da pessoa envolvida.
Achamos bonita a objetividade
de quem é produtivo e precisa tomar decisões: ser seco, frio e impassível é
muito bem aceito. Sensibilidade zero, porque precisamos ser competitivos e se a
gente não for, alguém será conosco, passando por cima e nos esmagando.
Mas, de falta em
falta, supostamente preenchida, quando conquistamos os sonhos materiais e até quando
surpreendentemente pensamos que agora, sim, só me falta um grande amor para eu
me sentir um ser completo, finalmente, conquistamos um grande amor e a falta
aparece de novo. Ora, mas pode ser que me falte apenas um filho para a falta desaparecer.
Eis o filho, eis a falta.
Esgotados todos os
elementos supostamente desejados e pensados enquanto preenchedores do vazio,
voltamos os olhos para dentro e na viagem por paisagens da memória, vemos as
outras faltas e iniciamos outros processos de reconhecimento. Talvez, aí
apareça sua revolta silenciada por anos sobre sua família negligente, ou surja
seu ódio por sua mãe e seu pai indiferentes, talvez a sua inveja por sua irmã
bonita e bem casada ou por seu irmão tão sortudo e bem-sucedido se deixem
entrever. Resultado: a bola volta para os seus pés, o espelho sai do retrovisor
e fixa na sua cara. Vai encarar? Coragem! O vazio é buraco sem fundo, é próprio
da existência, impossível de preencher. A gente coloca uns tapumes, tipo a
religião, por exemplo, ou outras causas coletivas – para mim, são providências
válidas, ainda mais se a gente considerar que muitas pessoas recorrem aos
vícios. Seria ótimo curar dores existenciais com cerveja e drinks, ou sexo em
abundância ou aquele remedinho tarja preta, que lhe deixa leve e feliz...Porém, não há solução.
Em alguns dias, isso
tudo sobre vazios nem se passará por sua cabeça – a gente se ocupa é para isso
também. Em outros dias, a visita das questões interiores lhe convidará a pensar
nas faltas. Não, não é falta para cartão – nem cartão de crédito em compras
para preencher o tédio, nem cartão vermelho para lhe expulsar do jogo da vida.
Resista: isso passa. Depois, continua. E assim será até que a gente passe pela
vida.
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