Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Afinal, a quem dirigir?

 


É preciso muita coragem para saber-se só, mesmo quando temos companhias.

É preciso ainda mais coragem para admitir que há coisas que cabe apenas a nós darmos conta.

É necessário reconhecer o que há em nós, identificarmos sentimentos e sensações, que muitas vezes traduzimos na simplificação do amar ou do odiar. Há outras tonalidades nesse interregno.

Mais uma vez, reiterando meu pavor de positividades tóxicas (não sou daquelas pessoas que se amparam em pensamentos positivos desarticulados com a realidade), não acho que caminhamos para evoluções benéficas, ressaltando que aprendi que nem toda evolução é positiva porque o meu ex-namorado me dizia isso e explicava que se a doença evoluiu, significa que o doente piorou.

Entretanto, não integro o rol dos desolados, aqueles outros tantos que defendem que não devemos criar expectativas, que não devemos sonhar, pois que manda continuará mandando; que tudo está dado e que ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Há outro intervalo aí, que precisa ser reparado e levado em conta.

Nenhuma mudança viria se assim pensássemos coletivamente. O que seria da civilização sem as revoltas dos subalternizados? E se o escravo acreditasse que nada mudaria, haveria quilombo? Haveria fim da escravidão? E se todas as mulheres achassem que não votariam nunca, porque as decisões são tomadas pelos homens e eles sempre serão mais fortes, haveria sufrágio universal?

Para o particular, pessoal, individual, assim como para o coletivo, é preciso ousar sonhar.

O que penso ser inviável é pensar positivo e jogar para o universo resolver o que cabe a cada um ter a ação para decidir e resolver.

Fazer tudo certo não lhe dará a certeza dos bons resultados, mas você irá recrutar meios para a sua vitória. Planejar e se munir de recursos vai lhe dar maiores chances de obter um resultado positivo. Significa que você cumpriu a sua parte num acordo tácito.

Confiar no improviso pode dar certo, mas sua probabilidade diminui a quase zero de alcançar o que deseja.

Há coisas totalmente fora de nosso poder de ação e decisão. Coisas gerais, como leis, por exemplo, ou circunstâncias de saúde, intempéries, acidentes, surpresas de todo tipo. Se somos crianças ou temos impedimentos de outra ordem, estamos sujeitos às decisões alheias, aos pais e responsáveis, ao voto da maioria, a aspectos distintos e múltiplos. Entretanto, na nossa quota de poder sobre nós mesmos, costumo me lembrar do filme Dormindo com o inimigo. Protagonizado por Júlia Roberts, o filme mostra uma dona de casa encarcerada no lar, com um marido abusivo e violento, que a transforma numa pessoa transtornada, subjugada e submissa.

Ele manipula os medos dela, já que moram numa ilha e ela não sabe nadar. Vive, portanto, numa prisão a céu aberto, falsamente paradisíaca.

Um dia, às escondidas, ela aprende a nadar.

Traça um planejamento de fuga, de modo que põe em prática seu plano particular de liberdade. Apaga as luzes da ilha numa noite e atravessa, da ilha ao continente, nadando na escuridão.

A protagonista poderia pensar que não havia saída. Poderia não criar expectativas, nem sonhar com rumos diferentes.

Exemplifica, portanto, o reconhecimento da opressão, da situação, dos sentimentos; e quebra com a situação de vítima passiva. Continua sendo a vítima, mas tendo o poder de reação necessário ara sair de tal condição.

Então, o que podemos concluir é que é preciso enxergar saídas. Se não as temos, é preciso construí-las. Para construí-las, não basta pensar positivo, é preciso trazer à baila elementos que ajudem aos resultados.

Então, se você acha que basta tomar água com limão para emagrecer, ajude o limão a agir e vá correndo ou caminhando comprá-lo todos os dias, em qualquer lugar a 2 km de onde você estiver; se você acha que o pensamento positivo vai fazer você passar no concurso, ajude o pensamento positivo e vá ler o conteúdo de cada disciplina, a fim de pensar melhor.

Até se você tiver uma Ferrari, é preciso saber que ela não vai sair do lugar sozinha: é preciso um motorista para colocá-la em movimento. O pensamento positivo, definitivamente, não dispensará a ação da parte interessada.