É preciso muita
coragem para saber-se só, mesmo quando temos companhias.
É preciso ainda mais coragem para admitir que há coisas que cabe apenas a nós darmos conta.
É necessário
reconhecer o que há em nós, identificarmos sentimentos e sensações, que muitas
vezes traduzimos na simplificação do amar ou do odiar. Há outras tonalidades
nesse interregno.
Mais uma vez,
reiterando meu pavor de positividades tóxicas (não sou daquelas pessoas que se
amparam em pensamentos positivos desarticulados com a realidade), não acho que
caminhamos para evoluções benéficas, ressaltando que aprendi que nem toda
evolução é positiva porque o meu ex-namorado me dizia isso e explicava que se a
doença evoluiu, significa que o doente piorou.
Entretanto, não
integro o rol dos desolados, aqueles outros tantos que defendem que não devemos
criar expectativas, que não devemos sonhar, pois que manda continuará mandando;
que tudo está dado e que ‘manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Há outro
intervalo aí, que precisa ser reparado e levado em conta.
Nenhuma mudança
viria se assim pensássemos coletivamente. O que seria da civilização sem as
revoltas dos subalternizados? E se o escravo acreditasse que nada mudaria,
haveria quilombo? Haveria fim da escravidão? E se todas as mulheres achassem
que não votariam nunca, porque as decisões são tomadas pelos homens e eles
sempre serão mais fortes, haveria sufrágio universal?
Para o particular,
pessoal, individual, assim como para o coletivo, é preciso ousar sonhar.
O que penso ser
inviável é pensar positivo e jogar para o universo resolver o que cabe a cada
um ter a ação para decidir e resolver.
Fazer tudo certo não
lhe dará a certeza dos bons resultados, mas você irá recrutar meios para a sua
vitória. Planejar e se munir de recursos vai lhe dar maiores chances de obter
um resultado positivo. Significa que você cumpriu a sua parte num acordo
tácito.
Confiar no improviso
pode dar certo, mas sua probabilidade diminui a quase zero de alcançar o que
deseja.
Há coisas totalmente
fora de nosso poder de ação e decisão. Coisas gerais, como leis, por exemplo,
ou circunstâncias de saúde, intempéries, acidentes, surpresas de todo tipo. Se
somos crianças ou temos impedimentos de outra ordem, estamos sujeitos às
decisões alheias, aos pais e responsáveis, ao voto da maioria, a aspectos
distintos e múltiplos. Entretanto, na nossa quota de poder sobre nós mesmos,
costumo me lembrar do filme Dormindo com
o inimigo. Protagonizado por Júlia Roberts, o filme mostra uma dona de casa
encarcerada no lar, com um marido abusivo e violento, que a transforma numa
pessoa transtornada, subjugada e submissa.
Ele manipula os
medos dela, já que moram numa ilha e ela não sabe nadar. Vive, portanto, numa
prisão a céu aberto, falsamente paradisíaca.
Um dia, às
escondidas, ela aprende a nadar.
Traça um
planejamento de fuga, de modo que põe em prática seu plano particular de
liberdade. Apaga as luzes da ilha numa noite e atravessa, da ilha ao
continente, nadando na escuridão.
A protagonista
poderia pensar que não havia saída. Poderia não criar expectativas, nem sonhar
com rumos diferentes.
Exemplifica,
portanto, o reconhecimento da opressão, da situação, dos sentimentos; e quebra
com a situação de vítima passiva. Continua sendo a vítima, mas tendo o poder de
reação necessário ara sair de tal condição.
Então, o que podemos
concluir é que é preciso enxergar saídas. Se não as temos, é preciso
construí-las. Para construí-las, não basta pensar positivo, é preciso trazer à
baila elementos que ajudem aos resultados.
Então, se você acha
que basta tomar água com limão para emagrecer, ajude o limão a agir e vá
correndo ou caminhando comprá-lo todos os dias, em qualquer lugar a 2 km de
onde você estiver; se você acha que o pensamento positivo vai fazer você passar
no concurso, ajude o pensamento positivo e vá ler o conteúdo de cada
disciplina, a fim de pensar melhor.
Até se você tiver
uma Ferrari, é preciso saber que ela não vai sair do lugar sozinha: é preciso
um motorista para colocá-la em movimento. O pensamento positivo,
definitivamente, não dispensará a ação da parte interessada.