Já pensou se você tivesse a beleza daquela linda jovem atriz ou do ator de novela das nove? E se você tivesse a fortuna de Neymar Jr? E se você tivesse o talento artístico dos grandes gênios? E se você tivesse uma inteligência acima do comum? E se você fosse um grande atleta de qualquer esporte? E se você tivesse reconhecimento social por suas obras e por sua profissão? E se você fosse plenamente saudável?
E se quem você ama
te amasse? E se em sua vida não houvesse nenhum trauma? E se sua família fosse
amorosa, incrível e acolhedora? E se, no meio da vida você conseguisse se
orgulhar de cada decisão tomada ao longo do tempo? E se tudo isso se reunisse de
uma só vez em sua vida?
A condição de ser
humano nos faz olhar a grama do vizinho e se colocar positivamente no lugar
dele, dizendo mentalmente em silencioso diálogo interior que se tivesse o que
ele tem, seria mais feliz.
Acreditamos muito
nisso, de olho em nosso primo rico, que nossa felicidade estará naquilo que nos
falta.
A atriz jovem, rica,
inteligente, talentosa, amada e linda é feliz? Não lhe faltará nada?
O que será que falta
a quem já tem tudo? Eu posso lhe responder: falta o mesmo que a você ou a mim,
isto é, sempre há uma falta e a esta falta a gente dará um nome: fortuna,
filho, casa própria, beleza, amor, equilíbrio psíquico, título, poder, fama,
talento... Tanto faz o nome: a conquista de um desejo nunca será o bastante
para fechar o vazio da falta.
Todo mundo tem
angústia, todo mundo tem faltas.
Em certos momentos
isso se torna agudo e evidente e, em outros, passamos a vida em paz sem olhar
para o abismo permanente que ocupa uma grande porção de quem nós somos.
Vamos ao outro lado
das causas mortas, agora falo biográfica e particularmente: Estou num trabalho
horrível, num lugar terrível, com gente realmente repugnante do ponto de vista
do convívio e do ponto de vista moral.
Para mais somar:
estou num trabalho desses porque, antes de tudo, preciso do dinheiro para
prover materialmente a minha vida. E paga-se pouco.
Vendo o meu sono,
acordando cedo e dormindo pouco.
Vendo o meu tempo –
e tempo é vida – a verdadeiros capitães do mato que, ganhando melhor que eu,
não desconfiam que também são escravos.
Não quero mais
voltar lá.
“Todo dia eu só
penso em poder parar
Meio-dia eu só penso
em dizer não
Depois, penso na
vida para levar
E me calo com a boca
de feijão.”
Tristemente, me vejo
refém.
Por outro lado,
preciso temporariamente desta angústia, porque ela me desvia de outras
angústias, talvez da angústia maior que cerca a existência.
Talvez, agora
possamos coletivamente cogitar uma resposta para certas situações ruins de onde
não saímos, como passarinhos que ignoram a porta da gaiola aberta. Há um
condicionamento que nos prende, de modo que alimentar a situação vigente produz
uma sensação de que não está ao nosso alcance resolver a nossa vida; ou o
contrário: isso aqui eu posso resolver, eu controlo, basta mudar de emprego (
de casamento, de cidade, do que quer que seja). Teremos boas desculpas pra
delongar situações ruins.
As angústias mudas,
sim, com a idade. Elas só não acabam.
Experimento felicidades
construídas com o sonho de sair do tal emprego. Pequenas fugas para fazer freelancer
na função que gosto, isto é, na literatura. Meu Deus, como eu gosto de literatura!
Como o ensino superior é um campo de trabalho incrível, fascinante, diferente!
Por enquanto, minha
felicidade virá quando eu puder deixar o emprego atual. Depois, ela vai embora.
E, finalmente, estarei de novo com minhas faltas, as eternas faltas que sempre irão
deslocar o que me falta.