Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 17 de abril de 2014

O pior da aula


Discutia com meu amigo, há pouco, sobre minha sensação de ter fracassado como professora, com um certo aluno meu, de segundo semestre.
Quando senti isso, me lembrei do personagem de Kevin Klein, no filme, "O Clube do Imperador". Ele diz que fracassou com um certo aluno, que vem a ser um político mau caráter, hipócrita, demagogo. Sinal de que o ensinamento moral, paralelo à disciplina ministrada, não funcionou.
Meu referido aluno, que vou chamar de G., se aproveitou de um encontro fortuito comigo, numa praia de Salvador, para ajustar contas do passado acadêmico, me fazer perguntas, inquirições e se posicionar em certas questões.
Minha primeira decepção foi ver a pouca capacidade de abstração do menino. Ele começou falando que ele e um amigo me chamavam de professora louca, afirmando, ainda, que eu dizia palavrões na sala. Contra-argumentei, mostrando que os palavrões são uma pertença do autor que os profere. Deste modo, caberia a Gregório de Matos se explicar, mas também a ele, G., fazer um esforço para compreender a emergência estética da palavra chula que acompanhava aqueles poemas satíricos. Bem se diz por aí: "Inteligência tem limites. Ignorância, não". Compreendi que ele não sabia o limite entre as coisas.
Ainda sob esta mesma querela, comentou que um certo aluno, que vou chamar de A., era psicopata, pois sabia de tudo, era inteligente demais, fora do comum e anormal. Perguntei o que ele tinha contra as pessoas inteligentes. Ele disse que quando as pessoas inteligentes eram normais, ele não tinha nada. mas as anormais são psicopatas.
Ele comentou do meu short na praia: "A senhora, toda chique na Universidade, tem à praia com uma roupa dessa, parecendo irmã de pagodeiro" (acho que ele disse irmã de Igor Canário, ou nome parecido, que eu desconhecia, mas perguntei quem era e obtive a resposta correspondente). Poxa, fiquei sem graça: cara conservador.
Em mais meia dúzia de palavras trocadas, ele se afirmou homofóbico, disse que apenas não iria bater em homossexual, mas que eles morrendo, ganharia a humanidade, seria um favor à humanidade.
Disse que as mulheres são iguais, fáceis e falsas.
Perguntou para mim:
'-Você acredita em Deus?", respondi que sim
'- Qual seu conceito de deus?", respondi à minha maneira.
E ouvi um sermão absurdo sobre minha aversão ao matrimônio, ouvi mil argumentos a favor do casamento, ouvi a dúvida: "A senhora nunca se casou porque não quis ou porque ninguém nunca lhe quis?".
E assim foi, numa infinidade de perguntas e posicionamentos que, ao invés de me provocar ira, me provocou estupefação.
Aquele ali era um estudante universitário (misógino, homofóbico, machista, preconceituoso, ignorante)!
Devo ter falhado na minha missão de professora, como todos outros professores falharam nas missões deles: o sujeito, aos 29 anos, continua ignorante.
Eu poderia não me importar, mas me importo: um dia ele vai se formar. E formará outras pessoas que, certamente, serão influenciadas por um pensamento e uma personalidade daquelas.
De nossa conversa ele apenas se convenceu de que há um núcleo em cada área do Curso para eleger os textos teóricos e literários trabalhados nas disciplinas. Assim sendo,Gregório de Matos estava no programa da disciplina por causa de outras pessoas além de mim.
Coitado do Gregório de Matos:não merecia um leitor desses. Ainda bem que ele abandonou minha disciplina: barra pesada para um conservador extremista.
Mas eu não estava disputando com ele. Não, ao contrário, eu perdi para a ignorância dele - ela que venceu, que dominou, que prevaleceu.
Dia de luto, para mim: perdi para a ignorância.

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