Louquética

Incontinência verbal

domingo, 26 de abril de 2015

Mentiras sem remédio


Eu nunca entendi direito a compulsão que elas têm por contar mentiras.
Numa, o caso é patológico e ao mesmo tempo gratuito: constrói narrativas dramáticas e chorosas a respeito da própria vida, de modo a garantir afagos caridosos na conta bancária e algum carinho correlato.
Já a outra é fantasiosa: distorce, exagera, acrescenta...É quase um talento literário para recompor a realidade a seu modo, a pintar um verossímil moralmente torto, sempre com acréscimo e acréscimo vantajoso, cheio de glamour, paisagens, brilhos, status.
Minto para me salvar. Geralmente é um recurso defensivo e na maior parte das vezes, são meras omissões, para evitar que o povo do trabalho migre para minha vida pessoal; para evitar que minha vida familiar invada minha vida pública; para evitar bisbilhotices de alunos e de colegas de departamento; para evitar que namorados e candidatos a namorados adentrem ao que eu penso de verdade ou o que eu andei fazendo. Da mesma forma que não gosto de gente socada em minha casa, vendo, medindo, avaliando, testemunhando, presumindo.
A gente escolhe o recorte a ser dado na nossa vida social. Nesse processo de edição, nem tudo vai ao ar. Para mim, isso é diferente dessa compulsão pela mentira.
Mentir para quê?
Em meu caso, não venço sempre, não sou feliz todos os dias, tenho angústias, decepções, derrotas, passo por rejeição, por amores não correspondidos ou inadequados...E também há coisas dignas de orgulho, mas que a gente omite, como os parentes socialmente importantes, os ganhos, os elogios na área de nossa atuação, o brilho profissional, os convencimentos internalizados que temos sobre a capacidade intelectual, caridade e generosidade, dentre outras tantas coisas boas que por educação, prudência e tudo o mais, não precisa ser dito.
Segredo eu tenho, aos monte, nunca neguei que os tenho. E são segredos. Não quero que caiam no ventilador e se espalhem. Tenho segredos de todos os tipos: graves, leves, engraçados, incompreensíveis, traumáticos... E são meus.
A compulsão pela mentira que tem a minha amiga 02 já a deixou em enrascada e me puxou junto: um amigo em comum me perguntou de um assunto. Pluft! falei a verdade. Ele sabia que era verdade e confessou ter ouvido uma versão vantajosa, vencedora e toda glamourosa da minha amiga 02. Descoberta a mentira, ele apenas me pediu para que eu não tocasse no assunto, de modo a que ela jamais soubesse que a mentira houvera sido descoberta. Traduzindo: ele teve pena dela.
Certos mentirosos são dignos de pena.
Os fantasiosos gostariam que a vida fosse aquele filme perfeito que eles descrevem. Não, " a vida não é filme,/ você não entendeu!"

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