Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 14 de junho de 2017

O Mal que se fez e o bem que se deixou de fazer


Assim na vida como nos Evangelhos sérios, responde-se 'pelo mal que se fez e pelo bem que se deixou de fazer'. Deveríamos nunca nos esquecer disso, seja para o que for. É horrível a omissão, ainda que nos seja cômoda, a pretexto de 'não metermos a colher' e de não 'trocar nossa paz pela guerra dos outros'.
O conceito de 'se meter' se distancia muito do comodismo da omissão, diga-se de passagem.
Recentemente, perdi completamente o vínculo com essas máximas do pensamento comum. No caso, foi em defesa dos animais: tive vergonha de sair da academia com as sobras das melancias consumidas naquela manhã, com vistas a dá-las como alimento aos cavalos que ficavam ali próximo. Segui direto. Depois, voltei: qual era mais importante, afinal? a minha vergonha ou o bem-estar dos bichos? Nem deixei o pensamento se completar. Voltei e fiz o que tinha que ser feito.
Depois temi que os transeuntes pensassem que eu queria aparecer. Então, uns dias depois, tirei de minhas próprias compras umas frutas para outro cavalo, que estava numa rua sem movimento...Quando me virei, um tremendo gato estava me olhando, admirado. E eu nem fiz o favor aos bichos na intenção de tal recompensa.
Essas bobagens eu posso falar, porque nem houve a intenção de obter 'pontos no céu', nem fazer marketing pessoal. A gente nunca deve divulgar o Bem que faz. O melhor é não deixar de fazer. É não ser o vizinho escroto que corta as árvores do passeio, apenas para não fornecer sombra aos carros estacionados. Perder, ele não perde. Mas, como nada ganha, prefere evitar que o bem chegue gratuitamente a quem ele sequer conhece. Isso, sim, é egoísmo.
A pessoa não é egoísta porque sai sozinha, nem porque não quer ter filhos e, tampouco, porque antes de convidar aos outros, determina a si mesma que vai fazer isso ou aquilo com ou sem a companhia dos convidados. Ser independente é diferente de ser egoísta.
Ficar em cima do muro só traz o conforto aparente. Não imagino com que cara tranquila uma pessoa persegue à outra, ou traça calúnias, ou dá falsos testemunhos... Assim na vida como na política, porque eu não comento o caos que o Brasil atravessa, mas acho tudo uma extensão do que somos no social: um rebanho de gente egoísta, querendo se dar bem, seja como for, mentindo para defender os aliados, fazendo conchavos e alianças suspeitas, ignorando a verdade...
Aqui, desde que um político odiado, como nossa ex-presidente, se dê mal, o que vier está bom... O ódio funciona melhor que a coerência, no caso.
As pessoas não sabem como é difícil pedir. A gente deveria ter o mínimo de respeito pelo pedinte, que abdica de sua dignidade, que se submete às caras fechadas e às desconfianças, quando pede um dinheiro, uma comida, um favor... Mas e os bichos, que nem sabem como pedir nem podem expressar do que necessitam?
Também defendo que a gente deve saciar primeiro e perguntar depois. Quem tem fome tem pressa e, antes ser um otário que perdeu um real para um drogado ou um alcoólatra, a ser um coração metálico, que fez questão de um real por duvidar da fome, da necessidade e da idoneidade de um necessitado.
Dentre os amigos próximos, quantas vezes a gente pode dar um pouco, mas não damos nada, à espera de que ele peça?
Faz muito tempo que não sou assim, mas já fui.
Tudo que escrevo aqui, como parte da defesa de uma ideia, também o faço no meu círculo íntimo, inclusive com meu poeta amado. A esta altura, já posso dizer que nos conhecemos reciprocamente o bastante em muitos aspectos.
O Bem que a gente pode fazer não deve ser moeda de troca com o plano sagrado. Dê de graça. Dê sem esperar o retorno. Quantos ateus bons eu conheci, tipo o Oscar Niemeyer, o famoso arquiteto que tantas vezes doou apartamentos aos perseguidos políticos durante a Ditadura;assim como meu amigo Zacarias, que tinha, sim, muito dinheiro e muita piedade de quem não tinha e dava, sim, comida e meios de transporte a quem precisava. E nem era para ganhar a simpatia de Deus.
E tantos bons religiosos, gente de fé verdadeira, por obrigação moral e por respeito às causas cristãs e à consciência própria, faz a caridade e divide o pão!
Já outros amigos meus e ex-amigas, com emprego estável, casa e carro próprios, é incapaz de dar um real de pão a um necessitado, alegando que não têm, que o salário não dá, que os boletos estão atrasados...Como se não pudessem tirar um real, um real do salário que têm, para aliviar a fome de outrem?
Quantos outros não fazem o Bem sequer ao parente próximo, alegando que não têm a obrigação? Ora, é justamente sem a menor obrigação que a gente deve dar a um necessitado. Espontaneidade e verdade interior, né?
Essas mesmas pessoas gostam de pedir a Deus. Gostam de ganhar favores. Mas o egoísmo verdadeiro está nelas que , quase sempre, são também sovinas - e se derem algo, será como quem atende ao pedido de socorro de alguém que grita muito, e a quem, antes de socorrer, cabe calar, porque o barulho da necessidade incomoda. Faça o bem em silêncio!
Dizem que "O Bem que se faz, anula o Mal que se fez"...mas nem precisa a troca, basta a vontade, a consciência.

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