Louquética

Incontinência verbal

sábado, 9 de dezembro de 2017

Do amor à covardia


Como costumo dizer, as coisas mais simples e mais óbvias nos passam despercebidas, mas é lá que estão as melhores respostas. Assim foi que eu prestei atenção numa fala do Leandro Karnal, numa das palestras dele, e fiquei intrigada.
Dizia ele que as pessoas que ouvem vozes, só ouvem comandos para matar, atirar, destruir, se suicidar...E que ninguém ouve vozes dizendo “vá lavar suas roupas”, “vá aprender inglês”, “vá ler romances”. Não era subestima com relação aos esquizofrênicos, não. Era uma constatação sagaz.
Tá aí: fiquei pensando nisso, nessa coerência maravilhosa que ele traz.
Eu, que tenho amigas que ouvem ou já ouviram vozes, que nem sei contar quantos amigos suicidas tenho (e se tenho é porque fracassaram nas tentativas de morrer ou aprenderam a administrar a angústia de viver), que igualmente tenho um rebanho de amigos (homens) gays em constante crise de identidade sexual, trancados em armários blindados de segurança máxima, só posso me alegrar em constatar, mediante a observação do citado historiador, que essas pessoas podem ser orientadas a ouvir vozes melhores e melhorar a si mesmas.
Quem disse que viver é fácil?
Mas o povo quer resolver a vida com Rivotril, com Ritalina, com Risperidona, com vodka...
A vida nunca se resolve por completo. Porém, podemos construir um ponto de estabilidade e seguir em frente.
A segunda coisa óbvia que descobri nesta semana, foi na academia, ao encontrar um amigo queixoso do amor mal terminado com um namorado.
Por contexto geral, ele observou que as pessoas não terminavam suas relações ruins porque não aguentavam conviver com a tristeza que vem após o término.
Ele se referiu a outro amigo infeliz no amor, que preferiu manter o casamento com um rapaz que ele não amava mais, alegando que não suportava a tristeza da separação. Logo, concluímos que é assim mesmo: as pessoas preferem um relacionamento ruim à tristeza do término.
Não somos adeptos de carregar dores. O problema é que a dor existe.
Um amiga também chorosa por ter terminado com a namorada dela, escreveu mil laudas para externar a dor da separação. Até esse ponto, desceu muito baixo, interferiu na vida da ex, rastejou, tentou de tudo... E também disso eu concluí que as pessoas realmente acreditam que possa haver amor eterno.
Amor duradouro há. Amor eterno, jamais. Isso é coisa construída pela filosofia, pela literatura, pelo cinema, pela cultura em geral...Não daria para haver esse amor infinito.
As relações podem continuar, mas amor, amor sempre acaba.
Como diz uma outra amiga, a gente briga com pai, com mãe, com irmãos, com os filhos, com os seres mais amados, quanto mais com os que veem como adjuntos?
Somos covardes, isso sim..
As pessoas ficam se agredindo, desfazendo um do outro, brigando em público, sem reconhecer que se tornaram inimigas, que não se amam. Trocam ofensas num dia e presentes nas datas comemorativas, para tentar remendar o que não tem conserto. Tantos sinais e, ainda assim, as pessoas esperam os hematomas afetivos desaparecerem para fazer de conta que a relação sobreviveu. Ora, sobreviveu com a ajuda de aparelhos, artificialmente
Terminar, ficar só por tempo indeterminado, procurar outra pessoa e reiniciar outro ciclo é bastante cansativo e incerto.
Viver a eterna pressão dos ciúmes, a vigilância, a desconfiança, as inseguranças, é para quem aguenta a carga.
Meu primo hipócrita, aquele respeitável pai de família que gastava uma boa grana com prostitutas, admitiu que o casamento ele é um porre, mas que dá a ele estabilidade emocional.
Esse caso é bem engraçado, porque ela, a esposa, também enjoou dele, mas nunca terminaria o casamento porque não seria bem vista na família.
Todo mundo tem problema. Tenho muitos. Parte do que exponho, já vivi ou acompanhei quem viveu.
Contei da minha covardia em terminar uma relação ruim; o que mudou foi que eu passei a ver isso. Daí que vi e resolvi, mas levou tempo.
Tem um lado muito bom na conquista dessa paz: resolver um problema é acabar com o problema. O remédio alivia o sintoma. Os amantes aliviam os sintomas. A cura é um processo, mas não é para preguiçosos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário