Não sei como as pessoas,
hoje em dia, não têm o menor escrúpulo de pegar o título “neurociência”
para meter nas propostas mais abjetas, descabidas ou incongruentes. Há um processo de hipnose coletiva em curso, de que já tivemos exemplo paralelo quando se multiplicaram os empregos aleatórios de 'psico' qualquer coisa; ou o qualquer coisa "Quântico/Quântica". Certamente, isso concorre para atrair credibilidade, agregar valor científico a modas e picaretagens discursivas em geral.
Onde iremos parar com um
rebanho de pretensos preparadores, que lançam mão de artimanhas de
convencimento falsamente enaltecedoras de fracos, inseguros e de portadores de
autoestima minúsculas? Esse povo que vende terreno na lua quer convencer às
massas de que basta pensar da forma certa, que o Bem vem. O pensamento
positivo, é aquele pensamento irresponsável que dá a entender que se você souber
pedir, mentalizar, as coisas vão tomar corpo e se materializar em sua frente, e isso basta. Aí, quem não foi avisado acredita que há milagres e mágicas, que bons
deuses se compadecem de quem pede com afinco. Seria bom se nossa vida se
resolvesse somente com atitudes mentais. Não teríamos nenhuma responsabilidade
e tudo estaria definitivamente resolvido sem o menor esforço. Assim são as
propostas.
Por termos ego e
precisarmos de reforços positivos, afagos, elogios, acreditamos que o
autoconvencimento resolverá a vida. Não há processo que seja assim, porque tudo
precisar ser bem elaborado. Logo, o domínio sobre uma situação (qualificação
para o trabalho; coragem para encerrar um relacionamento; impetuosidade para aceitar
propostas novas, etc.) passa pela lenta conscientização a respeito dela, como
se fôssemos conhecer o objeto. Conhecer, pegar, medir, ver, pensar a respeito
para distinguir e identificar, como se fôssemos crianças de cinco anos diante
de uma caixa fechada. Às vezes, a caixa é a gente.
Então, conquistar coisas,
alcançar metas, não é uma linha reta, não tem mapa, não tem receita, não tem
tempo determinado. Tantas vezes, com planejamento e cronograma na cabeça, a
gente se sente perdido? Quantas vezes o tempo nos faz duvidar da pertinência da
decisão de outrora? Se nessas horas a gente lembrar que pode fazer as coisas
diferentes, ótimo. Se a pessoa pode tomar outras decisões, ainda que não anulem
as anteriores, eis um retrocesso que vale a pena.
Se seu casamento
funcionou por 25 anos, mas ultimamente é puro tédio, não adianta aprender dança
do ventre, nem tentar colar o que rasgou. Mas, se houver amor, ainda se pode
negociar (negociar pode ser cada um morar em uma casa ou separar afeto e sexo,
de modo a que cada um possa ter parceiros paralelos, se assim quiserem – há várias
formas de amor e várias formas de amar); se seu emprego lhe causa náuseas, mas
você fica ali porque acha que é o preço da estabilidade, você pode engolir os
sapos e esperar a aposentadoria; mas você pode ir fazer outros concursos e
cursos. Tem gente que diz: “imagine! Eu já vou fazer 40 anos! Se eu for começar
algo agora, só me estabilizo com 50!’ – e perde de vista que terá 50 anos um
dia, de todo modo, com o sem cursos novos, com ou sem concursos novos.
Dois momentos em que os
seres humanos são frágeis: ao começar algo e para encerrar/concluir algo. É
clássico, praticamente ninguém escapa. Porém, concluir é mais difícil que
começar – quantos livros começados, que ficaram por ler? E os regimes? E os
planos? E as decisões? “Deixa como está para ver como é que fica!”
Entre começos e fins, o fim das férias me traz
uma melancolia diferente: não é porque interrompe meu relativo ócio, mas porque
já sobrecarrega minha mente, que antecipa o peso das ocupações.
Trabalho porque preciso,
mas nunca é apenas uma questão de sustento. Tem sempre mais. Tem sempre aquele
peso do bem-estar, dos relacionamentos interpessoais, mesmo que essas pessoas não
sejam tão ‘inter’ assim... Tem uma má relação com o tempo, que parece tomar o
calendário todo, em semanas e meses. Porém, se tem algo que o trabalho faz é
segurar questões existenciais mais densas – porque, afinal, não dá nem tempo
para sofrer; e quando a gente quer mergulhar em si, para elaborar aquela
questão profundamente, nunca consegue ficar sozinha, porque sempre aparece alguém
grudando na gente. Em meu caso, tenho a dor adicional de precisar me meter num
ônibus, viajar por três horas e ficar em contato com as vulnerabilidades e
dissabores da trilha pelas rodovias; e a hospedagem, que seja como for, é um
foco de perigos no meio de uma pandemia. Mas, é como se o ano estivesse
começando agora, para mim: ajustado pelo calendário letivo; pelas imposições da
vida prática, em um período que eu ainda não soube o que são férias no sentido
lúdico. Trabalhar, então, passa a ter outro peso, diante do contexto em que
estamos – não, não consigo achar normal; nem acredito em novo normal...e será que ainda existe gente normal?
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