Se você acha que comportamento abusivo
dentro de um relacionamento diz respeito
apenas a situações injuriosas, humilhações, subestima, dominância psicológica,
controle e retirada da autonomia financeira e outras situações mais explícitas, por favor, acrescente
mais um item, porque quando uma pessoa coloca o sofrimento do Outro sob o
rótulo de drama ou ridiculariza a dor de que esse Outro se queixa, manifesta,
sim, uma conduta abusiva.
A dor de cada pessoa é a maior dor do
mundo. Não interessa as causas. Dor não se mede por critérios objetivos.
Costumamos até perguntar a alguém, por exemplo, se ‘depilação com cera, dói?” e
obter como resposta que: “Sim, mas é uma dor suportável” ou dar dimensões
metafóricas sobre dores. Faz parte da conduta humana dizer que dores de perdas,
de lutos, são dores maiores que outras. Isso se volta ao critério de que há
dores temporárias e outras que são reversíveis, especialmente as de cunho material.
Em contrapartida, as dores existenciais ou a dor pela perda de um parente,
tanto não têm cura, quanto não têm tamanho. Porém, são formas de falar. Qualquer
dor é legítima se é reconhecida enquanto tal. Não se pode subestimar a dor do
fim do primeiro amor de um adolescente; nem dizer que a dor de uma mulher é um
drama.
Há quem grite de dor, assim como há quem
silencie e viva sua dor calado, num canto. Há até quem transforme dor em canto
(em poesia, em arte)...Mas, nem todo mundo é Fernando Pessoa; e cada pessoa
precisa ser respeitada em sua dor.
Os amigos dizem logo: “Não sofra por uma
pessoa dessas!” – já ouvi tanto isso! – e sabemos que esse imperativo, essa ordem,
esse conselho, é um gesto de amor e solidariedade de quem gosta da gente.
Assim como não se pode determinar a quem
iremos amar ou não, não podemos escolher que algo não vá doer. A dor não é
opcional. A maneira de encarar a dor, sim. Gente madura emocionalmente sabe
disso: quem não quer anestesia ou analgésico na hora da dor? Quem não reza para
uma dor passar? A gente quer se livrar, mas sabe que a dor passará...E outras
dores virão e também passarão.
E se a gente aprende o que faz doer e onde
dói, estaremos prevenidos de despertar certas dores.
As falácias mais absurdas são tomadas como
grandes verdades – citei essa aqui, sobre ‘a dor ser opcional’ e reitero o
absurdo da outra, amplamente aceita, a de que ‘não se deve criar expectativas’.
Ora, sem imaginação, sem expectativa; sem expectativa, sem esperança. Não dá
para viver sem sonhos, sem transcender, sem ultrapassar o presente. A vida não é
um filme de ação e aventura que a cada cena traz grandes novidades. A vida tem
é muita repetição e tédio. E se a gente não puder nem sonhar, não ter sequer
expectativas de que haja diferenças no amanhã, que a dor de hoje passe; que o
amor de agora melhore; que ao estudo se sucedam boas oportunidades de emprego;
que a cura venha, que algo melhore, como será viver? Não falo da positividade
tóxica, que ignora a realidade ou coloca elementos mágicos em coisas que
dependem de nossa condição de agente e coisas do tipo. Falo do crer, do querer,
do esperar...
Onde é que dói na minha vida,
para que eu me sinta tão mal?
quem foi que me deixou ferida
de ferimento tão mortal?
(Fragmento do poema de Cecília Meireles, "Rimance"
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