Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 24 de junho de 2022

Ciúme Retroativo

 



Meu namorado tem me atormentado com perguntas e referências descabidas sobre minha iniciação sexual. Mais de uma vez me perguntou quando eu deixei de ser virgem. Respondi a verdade: aos 19 anos – ou seja, há bem mais de duas décadas. Na hora do sexo, vez por outra, ele tem me perguntado como seria se ele houvesse me encontrado quando eu tinha 20 anos. Também respondo a verdade: seria ruim, porque eu era babaca.

E era mesmo: uma moça insegura, que não sabia o que era orgasmo, que teve uma primeira vez ruim e todas as relações sexuais até os 27 anos sem o menor prazer, sem a menor graça, sempre como um dever a cumprir junto a quem eu namorava. Tinha outros prazeres, é certo, mas nada genital.

Aí foi o tempo de encontrar um amor que não assumi, com L.; e, depois, aos 33, o Ex-Grande Amor da minha vida. E, enfim, por conta de pressões deste tipo, declarei para os devidos fins que foi com o poeta que eu atingi minha maturidade sexual e que, por isso, tanto fazia minhas experiências pregressas, que não era coisa quantificável.

Sexualmente, sou feliz com ele (ele, o homem de agora, o Rei de Espadas). Combinamos em muitas coisas, mas, no fundo, eu que chamo de namorado, mas não temos essa assunção, apesar de atendermos à cenografia social de ser casal e aparecer juntos.

Não mudo meu status de Facebook nunca. Não acho justo que o status de um relacionamento dependa apenas do homem, que ele determine a natureza da relação, contudo sei que é a prática comum, é o patriarcalismo que nos guia.

Mudamos muito, em nossos altos e baixos, na ambivalência do relacionamento. Na hora das reivindicações dele, vem a assunção de que não dá para dizer que não sejamos nada um do outro; na hora de alguma questão minha, há a insinuação de que eu quero que ele cumpra papéis.

Assumidamente, sou uma pessoa de bom orgulho, em termos de ter vergonha na cara. Eu tenho vergonha na cara. Não retorno aonde não sou bem recebida; não mantenho contato com quem não gosta de mim, exceto se forças maiores – como trabalho, burocracias e acasos sociais e formais – impuserem. Portanto, não me humilharia jamais para estar com quem não me quer, não gostaria que alguém forçasse uma barra para estar comigo e demonstrações de apreço que não sejam espontâneas, a mim não interessam.

Sofro, choro e me desespero como qualquer outra pessoa, mas a vergonha na cara me impede de muitas coisas. Forçar a barra, seja forçando coincidências ou se aproveitando de situações de vulnerabilidade da pessoa (fragilidades, dores, lutos, carências financeiras, afetivas, etc) é um negócio tão artificial e, ao mesmo, tempo é uma desonestidade que retira todo o sabor do desejo realizado, porque a gente sabe que a pessoa não está com a gente por escolha, por querer naturalmente. Então, entendo quem não quer se comprometer porque não quer pagar o preço da responsabilidade, quer receber sem ter que dar, mas esquece de que poderá obter apenas o que tem a dar.

Acho que, em situações assim, não há vítimas nem inocentes: a gente vê e a gente escolhe compactuar ou não com tudo.

Vejo, então, no meu namorado atual, o desenho de um ciúme retroativo absurdo, incabível. Todo mundo tem passado – eu, sem o meu, não teria história, não seria quem sou.


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