Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 23 de junho de 2009

A persistência da memória


Os contos de fada que nos encantaram na infância e que viram teoria na fase adulta sempre começam por "era uma vez".
Era uma vez uma grande amizade.
Era uma vez minhas parcas certezas.
Era uma vez todos os clichês que eu já ouvi nesta vida e suas subentendidas convicções.
Era uma vez e uma vez é nunca, é passado.
Mas, que bom que as águas rolam, por maior que seja nosso apego ao passado.
Um dia tudo se torna lembrança.
Que bom quando vemos o passado como passado e não deixamos que ele nos afete!
Que bom quando ele se torna uma inofensiva saudade.
Que pena, quando temos saudades do passado em demasia.
Que ódio eu tenho de quando ele queimou todas as minhas fotografias com alguém do meu passado, do meu pretérito-mais-que-perfeito.
Que ódio por ele ter fuçado meus diários, meu passado por mim escrito.
Era uma vez ele.
Em uma carta que ainda guardo, um outro "ele" me disse que "o tempo só serve para amarelar papéis e vender relógios"... o tempo amarelou o papel, o acaso me jogou de volta no caminho dele e estamos flexionando o verbo ficar.
Cada amizade que morre é, para mim, uma experiência de luto.
Choro o meu morto, hoje.
Cada lugar de que me desapego me diz que não sei trabalhar no inferno e que o Inferno não depende da presença do Diabo.
Mexo-me, infeliz por enxergar o que ninguém quer ver, em seus mundinhos cor-de-rosa, em que as pessoas se amam, onde o Céu é mais azul e onde reina a harmonia.
Sim, Dra. Gilka estava certa: a gente só dura num lugar o tempo suficiente para ser útil.
Em breve, aquela estrada será passado.
Meu sono curto naquela casa será passado.
As gordas sextas-feiras serão passado.
Os risos e as brincadeiras, os ridículos, as piadas e as festas, serão passado.
Minha gratidão às pessoas não será passado.
As decepções, as perplexidades que sofri e que causei, não serão só passado.
Ainda assim, que bom que tudo passa!
Sai da frente: sou eu quem estou passando.

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