Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 23 de junho de 2009

Todas que eu sou


Um dia certo professor comentou a respeito do autor que eu pesquisava durante o mestrado: "Ele é um menino triste. Um velho menino triste".
Durante minha fase de escrita, cometi o lapso de me confundir com meu autor - nossa decepção com o mundo, nosso pavio curto, nossa pouca paciência com a simulação, com os falsos "bom-dia", nossa eventual misantropia é realmente isso: nossa.
Também eu sou uma menina triste. Sou uma velha menina triste.
Desmancho-me nos risos que quero dar, nos gozos que a ironia me dá, nas felicidades instantâneas e sem a menor garantia, nas festas, na comunhão do corpo, no prazer de comer o que gosto, nas delícias do sol da Reserva da Sapiranga, no mar gostoso de Guarajuba e naquela estrada por onde gosto de dirigir na volta, enquanto o sol está se despedindo e que me avisa que minha tia me espera em casa com boas porções de arroz doce
Nas horas vadias, gosto de peregrinar nas lojas, nas livrarias, de me perder num rosto bonito de homem ou num romance que me conquiste, numa música e num videoclipe, em tudo que me revela humana.
Mas, sou, sim, uma menina triste.
Sou aquela que não sabe perdoar e remói ressentimentos.
Sou quem não esquece as feridas e não consegue conceder indultos.
Meu autor dizia em um dos seus poemas algo como "não pise no rabo da onça". Sou a onça.
Lamento as perdas em longos e caudalosos queixumes.
Sou intensa. Prefiro as cacetadas aos falsos bom-dia, conforme meu autor também escreveu.
Tenho prazo de validade, sou geniosa, sou independente, tenho pouca paciência, sou generosa, procuro não ser injusta, tenho apego a quem amo, sei passar e só duro nos lugares o tempo em que sou útil. Tenho pouca paciência para conviver com quem eu não gosto. Sei ser grata. Acredito no que faço. Faço o melhor que posso. Considero meus sonhos, Gosto de mim. Sei dividir o pão. Não gosto de pedir.
Não gosto de permanecer na casa dos outros. Não gosto de permanecer longe de minha casa. Não gosto de beijos de saudações. Gosto dos abraços reais. Gosto de vermelho, de branco e de preto. odeio verde. Odeio listradas. Adoro bolinhas. Odeio saltos plataforma. Odeio macacão. Adoro banhos. Adoro perfumes e sapatos. Amo a quem eu não devia amar. Magoei um homem que não merecia mágoas. Muitos homens me magoaram.
Sou a Tigresa de Caetano Veloso que "Com alguns homens foi feliz/ com outros foi mulher."
Sou a Vaca profana e digo que "Respeito muito minhas lágrimas, mas ainda mais minha risada"
Sou quem não quer vivenciar o Salmo 23 todos os dias: "Preparas uma mesa para mim diante de meus inimigos. O meu cálice transborda".
Sou a outra, a do Salmo 70, que diz: "Apressa-te, oh, Senhor!"
Sou essa, sim. E sou muitas outras. Mas não tenho várias cara e várias personalidades.
Dizem que a frase do ariano é "Eu sou". Sim eu sou. E não quero ser outra coisa além do que as circunstâncias e o tempo possam me transformar.

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