Louquética

Incontinência verbal

domingo, 21 de fevereiro de 2016

Gato e sapato


Ele me perguntou sobre o nome do gato, se era por causa do poeta Vinícius de Moraes. Eu lhe disse que sim, e o que o resto era coincidência, pois que já havia tido dois gatos Vinícius, por serem iguais e que a outra ponta da coincidência nem valia um verso.
Ele reparou nos meus sapatos vermelhos de veludo, macios como pelos de gato, ao toque. Gosta de saltos e é mais um que pensa que eu 'visto' os sapatos (e não apenas eles me calçam).
Quando, no carro, estava tocando uma música internacional de corno, a que eu comentei, rindo, ele me perguntou se eu era cornofóbica. Dei muita risada do termo e disse-lhe que não, porque eu mesma já havia integrado as fileiras daquela corporação e que, contudo, a única mudança fora que eu passei de consumidora a fornecedora. E ri mais, afirmando que os outros nos tornam um pouco do que fomos. Ele, inteligente, disse que essa era uma resposta e uma postura cômoda.
Por isso gosto de homens inteligentes. E como ontem ele estava particularmente doce, eu amansei meu coração, porque de vez em quando me dá um tédio pesado e eu só penso em terminar.
Ele me põe laços leves, me trancafia na delicadeza e nem parece o mesmo homem com quem eu conflitava face aos laivos de misoginia.
Sexualmente também foi um excelente encontro: rumino, mas sou a ovelha que se deixa prender mais pelo pasto que pela cerca. No fundo, entre palavra e outra, ele sabe que sou uma boa velha moça revoltada e descrente das relações. Citei o poema de Drummond para ele, "Os homens preferem duas" (nem loira, nem morena, nem negra, nem branca, nem oriental, nem ruiva...) claramente dando a entender que sempre espero pela traição, pela vida dupla e que meu coração prevenido e duro assim se tornou para se antecipar aos fatos.
Afirmei que acho que ninguém tem o poder de fazer o outro se apaixonar por si. Admito, porém, que ele sabe me fazer gostar dele, sabe me cativar e eu tenho paixão por aquele corpo/templo para onde peregrino em procissões noturnas em louvor à sagrada escritura apócrifa cravada no pergaminho doce daquela pele, daquela carne.
O jogo segue pesado: eu sempre preocupada se ele acredita que eu acredito nele; ele sempre preocupado em se fazer crível, em provar que não é mais um igual aos outros. Pode ser. E pode nem ser, já que ele é ele; e se fosse outro, seria pouco.

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