Sempre vou admirar
quem tem o coração tranquilo o bastante para casar – casar é se unir,
independentemente do documento de oficialização.
Que relação pode ser
estável se o ser humano é cheio de instabilidades?
Mas, no meu caso,
quando digo que o amor, para mim, é constância – e esta foi uma resposta que
dei a FJ sem a menor elaboração. Saiu, foi espontâneo, não pensei em teorias,
detalhes, causas, respondi com a mais absoluta (e talvez irresponsável)
espontaneidade -, digo que constância é diferente de estabilidade. Impossível
ter estabilidade num relacionamento, porque não há garantias, não há terra
firme, ainda que as pessoas nem sempre vivam sob terremotos e por mais que
abundem os ‘para sempre’.
Sou um ser de
tédios. Tenho tédios assumidos, me movo por paixões e por intensidades. Se
estou com alguém que me satisfaz, estabilizo a busca, retribuo ao que me
proporcionam, inclusive costumo ser fiel. Mas logo vem o tédio. E olha que sou
alegre por natureza. Talvez, por isso mesmo, a mesmice me entedie e o que
parece estabilidade para uns, pode ser a completa falta de aventuras, emoções e
novidades para mim.
A sorte de um amor
tranquilo é desejável. Um amor entediante, não. Eu olho para os lados sem virar
a cara, sem fixar os olhos...Mas, olho: vejo meu vizinho delicioso criar
barriguinha; vejo que o menino de certo lugar que frequento (que de menino não
tem nada, isso aqui é meu modo hipocorístico de falar, de me expressar) espera
a minha chegada. Também espero a dele. Tenho medo que ele não vá. Crio rituais
para que ele veja e saiba onde me encontrar, onde meu carro vai estar, quero
que ele me perceba sozinha...Quero que ele note que saio por último, para que
possamos sair juntos, para que ele tome uma iniciativa. Mas ali meus olhos
baixos já viram tudo que ele nem deve supor. Mulher tem disso, do olhar atento
e disfarçado.
Imagino quem casa e
aposta que seus desejos vão girar sempre em torno daquela pessoa escolhida.
Imagino que essas pessoas não sabem que uma hora os desejos pulam à cara, dizem que ali
estão...E, então, a fidelidade será obra e graça da vigilância moral da pessoa
consigo mesma, da falta de oportunidade ou de coragem; do medo de trocar o
certo pelo duvidoso...E eu vos direi que isso não é fidelidade e será pior se a
pessoa trair a si mesma, como eu mesma já fiz, ao renunciar a quem eu desejava,
por achar que o cara que estava comigo não merecia passar por uma traição. Mas eu merecia realizar meu
desejo. Não com culpa.
Queria mesmo ser
dessas pessoas que escolhem um lar, filhos, casa e cachorro, emprego estável e
ritos de passagem, com tudo determinado.
Minha vida, não:
cheia de maremotos e indecisões, mescladas à base de decisões erradas, dúvidas
e um orgulho que pode ser medido em hectares. Olha, se me ofendo em defesa de
um amigo que amo, imagine em defesa de mim mesma? Eu, que tanto amo a mim, lá
vou ser condescendente com quem me magoa? Vou lá baixar a cabeça para alguém que
feriu meu orgulho, meu ego? Vou lá me submeter a perdoar uma calúnia ou uma
negligência pesada? Não tem jeito: tenho um orgulho imenso, proporcional às
mágoas que vivi.
Não me ofendo por
tudo, porque tem coisas e pessoas que não têm a menor relevância e cuja opinião
a meu respeito é tão importante em minha vida quanto os rumos da economia da
Antuérpia ou a coloração do Mar Vermelho... Mas tem gente que incomoda a minha
paz.
Bem, acho que gosto
de flertes e de namoros.
Toda vez que o nó
aperta, numa relação, eu fico na berlinda. O orgulho e a vaidade (oh, ego!) me
dizem que, sim, eu quero ser a escolhida. Que lindo, que bom contar com a
certeza de um amor, de alguém que dentre tantas outras pessoas me olha à cara e
diz de um futuro infinito ao meu lado, por gostar de mim. Lindo isso de
escolher uma pessoa de quem nunca se quer se separar e para a qual a gente
dedica especial atenção a ponto de destinar o resto de nossa vida a uma vida compartilhada,
com todos os riscos dessa empreitada.
Mas, que pena que
isso signifique abdicar de minha perigosa liberdade.
O que seria de mim
sem o pleno domínio de meus passos? Sem a minha liberdade? Sem poder isso ou
aquilo, atropelando meus desejos, renunciando ao que desejo, pois que nem tudo
é desejo por homem, mas as muitas vontades de que se reveste a alma humana
comum?
E o tempo, esse vilão malvado, a desfigurar a beleza do amor, a atacar a fisionomia do amado e do
amor, porque com o passar dos dias tudo pode ser oxidado e a ferrugem vai
corroendo o que fazia o lado bom das coisas...
Depois, as
conveniências: medo de ficar só. Nunca vou entender isso: ficar só seria pior
que ficar com quem não se quer? Que preços horríveis e altos, esses de um amor
supostamente estável.
Passei muitos
apertos profissionais e sempre temi o emprego estável. Por três vezes, pedi
exoneração de empregos públicos. Sofri. Pindaíba e dívidas. Inseguranças e
privações. Valeu a pena. Sempre valerá. Pior é se enterrar num emprego, num
casamento, numa relação, esperando que a aposentadoria coloque um fim no
calvário; que a morte os separe...E tanto tempo perdido para se conformar às
conveniências.
Há casamentos
felizes. Poucos. Mas há. Isso depende dos outros. Aqui, o problema sou eu. Eu
tenho a alma inquieta...Eu aceito a alma que tenho. Não sei se ele sabe que
tudo que posso dar não está à altura das necessidades que eu sei que ele tem.
Por isso me vigio e vou devagar...Se ele me faltar, será exatamente uma falta,
será muito mais que uma ausência...Também temo que a verdade dele seja mais
forte que a minha...Mas, no fundo, admiro o homem que me convence de verdades
contrárias àquelas que carrego.
O problema sou eu.
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