Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Climas e instabilidades


Sempre vou admirar quem tem o coração tranquilo o bastante para casar – casar é se unir, independentemente do documento de oficialização.
Que relação pode ser estável se o ser humano é cheio de instabilidades?
Mas, no meu caso, quando digo que o amor, para mim, é constância – e esta foi uma resposta que dei a FJ sem a menor elaboração. Saiu, foi espontâneo, não pensei em teorias, detalhes, causas, respondi com a mais absoluta (e talvez irresponsável) espontaneidade -, digo que constância é diferente de estabilidade. Impossível ter estabilidade num relacionamento, porque não há garantias, não há terra firme, ainda que as pessoas nem sempre vivam sob terremotos e por mais que abundem os ‘para sempre’.
Sou um ser de tédios. Tenho tédios assumidos, me movo por paixões e por intensidades. Se estou com alguém que me satisfaz, estabilizo a busca, retribuo ao que me proporcionam, inclusive costumo ser fiel. Mas logo vem o tédio. E olha que sou alegre por natureza. Talvez, por isso mesmo, a mesmice me entedie e o que parece estabilidade para uns, pode ser a completa falta de aventuras, emoções e novidades para mim.
A sorte de um amor tranquilo é desejável. Um amor entediante, não. Eu olho para os lados sem virar a cara, sem fixar os olhos...Mas, olho: vejo meu vizinho delicioso criar barriguinha; vejo que o menino de certo lugar que frequento (que de menino não tem nada, isso aqui é meu modo hipocorístico de falar, de me expressar) espera a minha chegada. Também espero a dele. Tenho medo que ele não vá. Crio rituais para que ele veja e saiba onde me encontrar, onde meu carro vai estar, quero que ele me perceba sozinha...Quero que ele note que saio por último, para que possamos sair juntos, para que ele tome uma iniciativa. Mas ali meus olhos baixos já viram tudo que ele nem deve supor. Mulher tem disso, do olhar atento e disfarçado.
Imagino quem casa e aposta que seus desejos vão girar sempre em torno daquela pessoa escolhida. Imagino que essas pessoas não sabem que uma hora os desejos pulam à cara, dizem que ali estão...E, então, a fidelidade será obra e graça da vigilância moral da pessoa consigo mesma, da falta de oportunidade ou de coragem; do medo de trocar o certo pelo duvidoso...E eu vos direi que isso não é fidelidade e será pior se a pessoa trair a si mesma, como eu mesma já fiz, ao renunciar a quem eu desejava, por achar que o cara que estava comigo não merecia passar por uma traição. Mas eu merecia realizar meu desejo. Não com culpa.
Queria mesmo ser dessas pessoas que escolhem um lar, filhos, casa e cachorro, emprego estável e ritos de passagem, com tudo determinado.
Minha vida, não: cheia de maremotos e indecisões, mescladas à base de decisões erradas, dúvidas e um orgulho que pode ser medido em hectares. Olha, se me ofendo em defesa de um amigo que amo, imagine em defesa de mim mesma? Eu, que tanto amo a mim, lá vou ser condescendente com quem me magoa? Vou lá baixar a cabeça para alguém que feriu meu orgulho, meu ego? Vou lá me submeter a perdoar uma calúnia ou uma negligência pesada? Não tem jeito: tenho um orgulho imenso, proporcional às mágoas que vivi.
Não me ofendo por tudo, porque tem coisas e pessoas que não têm a menor relevância e cuja opinião a meu respeito é tão importante em minha vida quanto os rumos da economia da Antuérpia ou a coloração do Mar Vermelho... Mas tem gente que incomoda a minha paz.
Bem, acho que gosto de flertes e de namoros.
Toda vez que o nó aperta, numa relação, eu fico na berlinda. O orgulho e a vaidade (oh, ego!) me dizem que, sim, eu quero ser a escolhida. Que lindo, que bom contar com a certeza de um amor, de alguém que dentre tantas outras pessoas me olha à cara e diz de um futuro infinito ao meu lado, por gostar de mim. Lindo isso de escolher uma pessoa de quem nunca se quer se separar e para a qual a gente dedica especial atenção a ponto de destinar o resto de nossa vida a uma vida compartilhada, com todos os riscos dessa empreitada.
Mas, que pena que isso signifique abdicar de minha perigosa liberdade.
O que seria de mim sem o pleno domínio de meus passos? Sem a minha liberdade? Sem poder isso ou aquilo, atropelando meus desejos, renunciando ao que desejo, pois que nem tudo é desejo por homem, mas as muitas vontades de que se reveste a alma humana comum?
E o tempo, esse vilão malvado, a desfigurar a beleza do amor, a atacar a fisionomia do amado e do amor, porque com o passar dos dias tudo pode ser oxidado e a ferrugem vai corroendo o que fazia o lado bom das coisas...
Depois, as conveniências: medo de ficar só. Nunca vou entender isso: ficar só seria pior que ficar com quem não se quer? Que preços horríveis e altos, esses de um amor supostamente estável.
Passei muitos apertos profissionais e sempre temi o emprego estável. Por três vezes, pedi exoneração de empregos públicos. Sofri. Pindaíba e dívidas. Inseguranças e privações. Valeu a pena. Sempre valerá. Pior é se enterrar num emprego, num casamento, numa relação, esperando que a aposentadoria coloque um fim no calvário; que a morte os separe...E tanto tempo perdido para se conformar às conveniências.
Há casamentos felizes. Poucos. Mas há. Isso depende dos outros. Aqui, o problema sou eu. Eu tenho a alma inquieta...Eu aceito a alma que tenho. Não sei se ele sabe que tudo que posso dar não está à altura das necessidades que eu sei que ele tem. Por isso me vigio e vou devagar...Se ele me faltar, será exatamente uma falta, será muito mais que uma ausência...Também temo que a verdade dele seja mais forte que a minha...Mas, no fundo, admiro o homem que me convence de verdades contrárias àquelas que carrego.

O problema sou eu.

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