Minha amiga afirmou: “Parece
que você nunca esteve lá, que o Corpo de Bombeiros nunca existiu, que a escola
nunca existiu”. Aí eu vi que sim, que tomo decisões definitivas e ai de mim
quando o ‘nunca mais’ impera.
Tantas vezes decidi e
voltei atrás num amor e quantas vezes adiei a saída de um emprego? Infinitas.
Sabe quando a gente
pensa que o relacionamento dos outro acabou e um dos dois saiu ileso? É tudo
mentira: é que esse que parece inabalável realizou o luto de separação antes de
tomar a iniciativa de se separar. Acontece. Acaba primeiro para uma das partes.
E sabe por que as pessoas voltam? Porque não estão preparadas para se separar,
seja do que for... Querem se separar sem dor, deixar o emprego e pronto! Não há
como pular etapas. A intempestividade de um preço altíssimo.
Não sei se a idade me
deixou pior, porque não me acho uma pessoa fria, mas o que passou, passou mesmo.
Nem consigo corresponder às gentilezas de ex-colegas de trabalho ou de
ex-namorados, porque quebrou-se o vínculo imediato e eles se tornaram uma
imagem desbotada nos quadros de minhas vivências.
Os homens que amei
perderam a importância, as cidades se transformaram em recordações e pouco
lembro de episódios que as pessoas vivificam ao me encontrarem nas festas.
Talvez seja só velhice, seja somente o fato de eu estar passando.
Ultimamente estou com
uma coragem triste, com uma coragem revoltada, com a cabeça aturdida porque há
também o que eu não esqueci, das coisas da madrasta, dos muros que foram ao
chão e da influência dessa gente chata que impõe que perdoemos tudo, Assim
pensei ter perdoado e superado. Até que vi uma foto de minha madrasta, com as
filhas, netas e meu pai, numa postagem de uma das filhas, que meu pai obrigou
reciprocamente a uma relação no Facebook.
Olhei os elogios
àqueles olhos cruéis, àquela fisionomia tão fria quanto ruim. Não reagi. Na
curti. Não comentei. Compartilhei o choque comigo mesma e concluí que trauma é
trauma e não há educação ou moral cristã que consiga derrubar os sentimentos
espontâneos, ainda que o verniz da polidez me faça sustentar o ‘convívio social’.
Quero distância deles, de todos eles. Nunca forma minha família. Nunca foram
dos meus afetos bons, senão pelo convívio saudável para evitar a histeria de meu
pai e o burburinho deles, de que sou metida, nada humilde, arrogante e
enfatiotada.
Nunca nos parecemos.
Sequer pareço com minha família consanguínea, oxalá poderia ter qualquer
paridade com a família de minha madrasta, apesar das investidas de meu pai irem
(pasmem, não é piada) em forçar meu exame de glaucoma porque se minha madrasta
tinha, eu poderia ter.
Disse-lhe eu: “não sou
filha de minha madrasta”. Mas ele retrucou. Dez anos depois, arranjou uma alta
pressão ocular para si mesmo, para não deixar minha madrasta sozinha com a
enfermidade.
Nunca me pareci em nada
com nenhum deles: somos tão diferentes e opostos quanto se possa imaginar e
polarizar.
Esses tempos têm sido
traumáticos, em termos de me trazerem lembranças psicanalíticas. Até com o
poeta: juntei as pontas discursivas de um comentário meu a um confidente, com
um momento libertador posterior. É que falei, após a primeira vez em que eu e o
poeta tivemos relações sexuais, que no dia seguinte eu me senti como se tivesse
sido estuprada – não por qualquer forma de imposição ou violência físicas, mas
por certa emanação de ódio e machismo, de misoginia mesmo, que os gestos dele
emanavam e que o contexto firmava. Ainda bem que passou e por causa dele e de
tudo isso eu pude sepultar um trauma muito pesado.
Anteontem conheci
alguém igual ao poeta. Sim, também poeta, também dos sonetos, também do
ocultismo, do budismo, do ego imenso...Graças a Deus que sem a mesma beleza,
para não me subornar.
Talvez eu esteja numa
fase de atrair certos tipos de lembranças, de situações, de pessoas...Fase
crescente.
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