Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Casos de Família (e outros traumas)


Minha amiga afirmou: “Parece que você nunca esteve lá, que o Corpo de Bombeiros nunca existiu, que a escola nunca existiu”. Aí eu vi que sim, que tomo decisões definitivas e ai de mim quando o ‘nunca mais’ impera.
Tantas vezes decidi e voltei atrás num amor e quantas vezes adiei a saída de um emprego? Infinitas.
Sabe quando a gente pensa que o relacionamento dos outro acabou e um dos dois saiu ileso? É tudo mentira: é que esse que parece inabalável realizou o luto de separação antes de tomar a iniciativa de se separar. Acontece. Acaba primeiro para uma das partes. E sabe por que as pessoas voltam? Porque não estão preparadas para se separar, seja do que for... Querem se separar sem dor, deixar o emprego e pronto! Não há como pular etapas. A intempestividade de um preço altíssimo.
Não sei se a idade me deixou pior, porque não me acho uma pessoa fria, mas o que passou, passou mesmo. Nem consigo corresponder às gentilezas de ex-colegas de trabalho ou de ex-namorados, porque quebrou-se o vínculo imediato e eles se tornaram uma imagem desbotada nos quadros de minhas vivências.
Os homens que amei perderam a importância, as cidades se transformaram em recordações e pouco lembro de episódios que as pessoas vivificam ao me encontrarem nas festas. Talvez seja só velhice, seja somente o fato de eu estar passando.
Ultimamente estou com uma coragem triste, com uma coragem revoltada, com a cabeça aturdida porque há também o que eu não esqueci, das coisas da madrasta, dos muros que foram ao chão e da influência dessa gente chata que impõe que perdoemos tudo, Assim pensei ter perdoado e superado. Até que vi uma foto de minha madrasta, com as filhas, netas e meu pai, numa postagem de uma das filhas, que meu pai obrigou reciprocamente a uma relação no Facebook.
Olhei os elogios àqueles olhos cruéis, àquela fisionomia tão fria quanto ruim. Não reagi. Na curti. Não comentei. Compartilhei o choque comigo mesma e concluí que trauma é trauma e não há educação ou moral cristã que consiga derrubar os sentimentos espontâneos, ainda que o verniz da polidez me faça sustentar o ‘convívio social’. Quero distância deles, de todos eles. Nunca forma minha família. Nunca foram dos meus afetos bons, senão pelo convívio saudável para evitar a histeria de meu pai e o burburinho deles, de que sou metida, nada humilde, arrogante e enfatiotada.
Nunca nos parecemos. Sequer pareço com minha família consanguínea, oxalá poderia ter qualquer paridade com a família de minha madrasta, apesar das investidas de meu pai irem (pasmem, não é piada) em forçar meu exame de glaucoma porque se minha madrasta tinha, eu poderia ter.   
Disse-lhe eu: “não sou filha de minha madrasta”. Mas ele retrucou. Dez anos depois, arranjou uma alta pressão ocular para si mesmo, para não deixar minha madrasta sozinha com a enfermidade.
Nunca me pareci em nada com nenhum deles: somos tão diferentes e opostos quanto se possa imaginar e polarizar.
Esses tempos têm sido traumáticos, em termos de me trazerem lembranças psicanalíticas. Até com o poeta: juntei as pontas discursivas de um comentário meu a um confidente, com um momento libertador posterior. É que falei, após a primeira vez em que eu e o poeta tivemos relações sexuais, que no dia seguinte eu me senti como se tivesse sido estuprada – não por qualquer forma de imposição ou violência físicas, mas por certa emanação de ódio e machismo, de misoginia mesmo, que os gestos dele emanavam e que o contexto firmava. Ainda bem que passou e por causa dele e de tudo isso eu pude sepultar um trauma muito pesado.
Anteontem conheci alguém igual ao poeta. Sim, também poeta, também dos sonetos, também do ocultismo, do budismo, do ego imenso...Graças a Deus que sem a mesma beleza, para não me subornar.
Talvez eu esteja numa fase de atrair certos tipos de lembranças, de situações, de pessoas...Fase crescente.




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