Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

Corpos e delitos


Eu não julgo o que cada um faz de sua identidade sexual, mas preciso dizer que um certo ex-namorado meu me surpreende.
A esta altura da vida, já quarentando, lá vem ele com crise de identidade sexual, se agarrando a pretextos para terminar com a namorada pela qual ele, assumidamente, não tem desejo sexual e da qual foge.
Para piorar, a moça quer forçar o casamento e, apesar de reclamar da falta de sexo, nem desconfia que o inimigo dela é outro e não outra.
Depois de ter tido longas relações sexuais com dois ou três homens diferentes, ele, que se acha heterossexual, vem me dizer que, na verdade, tem apenas curiosidade pelo sexo com homens.
Se a curiosidade não é satisfeita depois de seis a oito anos de sexo passivo com outros homens, eu que pergunto que curiosidade é essa.
Então, ele veio me perguntar como saber. Ora, quem sabe é ele. Eu só pude responder por mim, porque, de fato, eu nunca tive curiosidade sexual por mulheres nem vivi qualquer coisa que me fizesse questionar minhas tendências e preferências. Eu não sei ao certo onde e quando isso se cria, mas sei que se um homem transa com outros homens, gosta e prefere, heterossexual ele não pode ser.
Pulemos as classificações: como é difícil para um ser humano lidar com a própria sexualidade.
Pior ainda é se perceber diferente, contrariando o machismo, a orientação da família, os ditames da religião, a ordem estabelecida para os papéis de homem e de mulher...
Desde os 13 anos eu sabia que não queria ser mãe. Desde que me percebi um ser sexuado, nunca tive dúvidas de ser heterossexual – se foi a força da cultura, da família ou da sociedade quem determinou, eu acho que não. Se assim fosse, não haveria tanto padre gay, tanto evangélico gay, tanto gay casado, tantas lésbicas enrustidas em casamentos formais. Acho que a pessoa pode blindar o próprio armário como for, mas um dia algo escapa e deixa entrever o que há de verdade lá dentro.
Assumir que é gay iria causar muito rebuliço na vida dele. Mais para ele do que para a família: desde já me dá pena. Poxa, coitado, não se aceita! Acho que se olha e não se vê.
Recentemente eu mandei um meme para ele. Ele admitiu que ficou excitado ao olhar o volumoso pau do sujeito da imagem. E ainda assim, não sabe que é gay.
Agora, invocou que quer tirar a dúvida ( e que eu apresentasse um dos meus muitos e tantos amigos gays). Ele quer é tirar a roupa.
Tati e eu, certa vez, falávamos que nem a pior solidão do mundo nos faria ter um relacionamento com uma mulher. E repito: se não tenho desejo, nem curiosidade, muito menos o desespero me faria forçar essa barra. Não dá. Seria uma agressão tão grande contra mim mesma quanto é uma agressão um ser humano gay se forçar a uma relação heterossexual.
Sem essa de normatividade: a gente percebe, sim, o que quer e do que gosta. Viver a verdade de sua sexualidade também é um exercício de amor próprio.
Fico pensando no que me prende ao poeta e vejo que realmente o corpo do homem me atrai e me excita. Nunca houve dúvidas. Nunca. A menor atração por uma mulher, eu jamais tive. Adoro corpo de homem, sexo com homem e coisas que só vejo neles. Claro que há outras coisas, mas o corpo responde melhor as questões intrínsecas à sexualidade.
Quando eu escrevo aqui o quanto tenho sintonia sexual com o poeta. de um modo implícito teço louvores ao que me atrai num homem. Se reparo na delícia que é o meu vizinho, é meu corpo quem deseja com os olhos, quem atribui gostosuras e sabores ao que é desejado. Adoro mesmo a pele, a boca, a temperatura, o toque, o corpo inteiro do homem. Sei claramente isso.
Decerto que há mulheres que gostam de homens, mesmo sem nunca gozar com eles. Ainda assim, são heterossexuais e sabem disso. Por mais que a pessoa relute, ela sabe.

Mas me causa certa compaixão essa dor psíquica de quem não se reconhece e não se aceita...Se não se reconhece, está perdido, perdeu-se de si. Tomara que ele não desista da busca e, finalmente, se encontre.

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