Para
matar a curiosidade discreta de muitos, esclareço que continuo com o mesmo
poeta de sempre, agora sem saber se gosto muito ou se amo um pouco. Bicho
complexo, aquele ser humano. Mas, importa é que ele remexe minhas fibras
emocionais e reabilita minha capacidade de sentir, coisa que somos
desencorajados hoje em dia.
A
propósito, não sei onde vamos parar com estas políticas culturais do viver que,
ao estimularem o pegue e não se apegue, cria seres neuróticos incapazes de
viver experiências completas de afeto. O resultado a gente vê nos jornais:
rebanhos de gente que não aceita o fim dos relacionamentos e se converte em
assassino, suicida, sequestrador, matador dos próprios filhos. Aliás, nesse
tocante vi dois casos recentes: no primeiro, um homem pobre, jovem, pouco
escolarizado, que fez dois filhos pequenos reféns, sob a ameaça de uma faca.
Desse, eu confesso, tive uma piedade infinita, porque ele chorava, falando
coisas incompreensíveis, mas por contexto, desesperadoras. De personalidade
ciumenta, via-se o claro adoecimento emocional dele...Só cabia ter piedade. No
fim, ele não matou ninguém, foi recolhido à cadeia, mas era caso de
psiquiatria, psicologia, psicanálise...
Num
segundo caso, o escroto assassino premeditou tudo, deixou carta de vingança
contra a ex-mulher, afirmando que ela não teria a guarda (já concedida pela
Justiça) das crianças, nem o colocaria jamais na cadeia. E esfaqueou as
crianças, jogando os corpos pela janela; suicidando-se em seguida.
Claro,
são casos extremos, mas muito recorrentes.
Numa
escala global, o mundo assiste aos adolescentes e adultos jovens incapazes de lidarem
com perdas, decepções, frustrações...Não tiveram liberdade de vivência
emocional, porque o povo estava pregando o desapego, isso que chamam desapego.
Assim, a cultura geral incentiva o coração frio, a superficialidade dos
contatos e estimula as pessoas a se esquivarem de emoções reais a fim de também
se desviarem das dores dos amores rompidos, das separações, das angústias, como
se realmente houvesse a possibilidade de escolhas, bastando acionar um
dispositivo interior de garantia de não-envolvimento.
Quando
o sistema é burlado, paciência: ninguém sabe lidar com aquilo, nem tem
maturidade emocional para atravessar as tempestades. Ótimo para a indústria
farmacológica, que ensina a curar dores com Rivotril e desatenção com Ritalina.
Mundinho
doente. Doentio.
Também
fiquei com GP por um ano, sem sentir nada por ele, mas não por conta desses impositivos
da cultura. Meu exemplo reitera o fato de que não temos escolhas: acontece de a
gente gostar e acontece de a gente não gostar de alguém. Fosse por deliberada
vontade, sempre escolheria os melhores amores potenciais.
Ensinam,
porém, isso, de que ‘pegue e não se apegue’ ou, como disse uma despeitada ‘amiga’
minha, ‘madeirou, largou’, como se pudéssemos abreviar o significado das
experiências ou subestimássemos o lugar das pessoas em nossas vidas, dizendo de
antemão que não há vagas, que nunca passará daquilo, do instante, do
momento...e se o momento for bom e alguém quiser prolongar ou repetir? –
porque, por caminhos cruzados nas relações sociais, um amigo dela se interessou
por mim e eu correspondi, Foi um encontro social sem maiores consequência. Não
obstante, não dei estímulo ao flerte porque estou com o poeta, sem que quero e
de quem eu gosto e se um relacionamento está bom, não vou jogar fora a menos
que o desgaste seja natural. Deixei, pois, no plano das tentações – e nos
acostumamos a ouvir e crer que não se pode criar expectativa. Bem, se é para
viver sem expectativa, morra logo, porque até a expectativa de vida anda sendo
mensurada estatisticamente há anos.
Acho
tudo isso de uma burrice espantosa.
Querer
controlar tudo.
Medo
de perder o controle.
No
fim, adultos despreparados emocionalmente é o quociente dessa divisão.
A
vida dói tanto. Vai pensando que sara quando casar...Vai pensando que
estabilidade no emprego e relação estável conferem imediata garantia de vida
estável...Não funciona assim não. Ajudam, lógico. São preferíveis, lógico. Mas
não há como se desviar de angústias, de realidades próprias ao existir.
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