Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 6 de março de 2017

Despreparo emocional


Para matar a curiosidade discreta de muitos, esclareço que continuo com o mesmo poeta de sempre, agora sem saber se gosto muito ou se amo um pouco. Bicho complexo, aquele ser humano. Mas, importa é que ele remexe minhas fibras emocionais e reabilita minha capacidade de sentir, coisa que somos desencorajados hoje em dia.
A propósito, não sei onde vamos parar com estas políticas culturais do viver que, ao estimularem o pegue e não se apegue, cria seres neuróticos incapazes de viver experiências completas de afeto. O resultado a gente vê nos jornais: rebanhos de gente que não aceita o fim dos relacionamentos e se converte em assassino, suicida, sequestrador, matador dos próprios filhos. Aliás, nesse tocante vi dois casos recentes: no primeiro, um homem pobre, jovem, pouco escolarizado, que fez dois filhos pequenos reféns, sob a ameaça de uma faca. Desse, eu confesso, tive uma piedade infinita, porque ele chorava, falando coisas incompreensíveis, mas por contexto, desesperadoras. De personalidade ciumenta, via-se o claro adoecimento emocional dele...Só cabia ter piedade. No fim, ele não matou ninguém, foi recolhido à cadeia, mas era caso de psiquiatria, psicologia, psicanálise...
Num segundo caso, o escroto assassino premeditou tudo, deixou carta de vingança contra a ex-mulher, afirmando que ela não teria a guarda (já concedida pela Justiça) das crianças, nem o colocaria jamais na cadeia. E esfaqueou as crianças, jogando os corpos pela janela; suicidando-se em seguida.
Claro, são casos extremos, mas muito recorrentes.
Numa escala global, o mundo assiste aos adolescentes e adultos jovens incapazes de lidarem com perdas, decepções, frustrações...Não tiveram liberdade de vivência emocional, porque o povo estava pregando o desapego, isso que chamam desapego. Assim, a cultura geral incentiva o coração frio, a superficialidade dos contatos e estimula as pessoas a se esquivarem de emoções reais a fim de também se desviarem das dores dos amores rompidos, das separações, das angústias, como se realmente houvesse a possibilidade de escolhas, bastando acionar um dispositivo interior de garantia de não-envolvimento.
Quando o sistema é burlado, paciência: ninguém sabe lidar com aquilo, nem tem maturidade emocional para atravessar as tempestades. Ótimo para a indústria farmacológica, que ensina a curar dores com Rivotril e desatenção com Ritalina.
Mundinho doente. Doentio.
Também fiquei com GP por um ano, sem sentir nada por ele, mas não por conta desses impositivos da cultura. Meu exemplo reitera o fato de que não temos escolhas: acontece de a gente gostar e acontece de a gente não gostar de alguém. Fosse por deliberada vontade, sempre escolheria os melhores amores potenciais.
Ensinam, porém, isso, de que ‘pegue e não se apegue’ ou, como disse uma despeitada ‘amiga’ minha, ‘madeirou, largou’, como se pudéssemos abreviar o significado das experiências ou subestimássemos o lugar das pessoas em nossas vidas, dizendo de antemão que não há vagas, que nunca passará daquilo, do instante, do momento...e se o momento for bom e alguém quiser prolongar ou repetir? – porque, por caminhos cruzados nas relações sociais, um amigo dela se interessou por mim e eu correspondi, Foi um encontro social sem maiores consequência. Não obstante, não dei estímulo ao flerte porque estou com o poeta, sem que quero e de quem eu gosto e se um relacionamento está bom, não vou jogar fora a menos que o desgaste seja natural. Deixei, pois, no plano das tentações – e nos acostumamos a ouvir e crer que não se pode criar expectativa. Bem, se é para viver sem expectativa, morra logo, porque até a expectativa de vida anda sendo mensurada estatisticamente há anos.
Acho tudo isso de uma burrice espantosa.
Querer controlar tudo.
Medo de perder o controle.
No fim, adultos despreparados emocionalmente é o quociente dessa divisão.
A vida dói tanto. Vai pensando que sara quando casar...Vai pensando que estabilidade no emprego e relação estável conferem imediata garantia de vida estável...Não funciona assim não. Ajudam, lógico. São preferíveis, lógico. Mas não há como se desviar de angústias, de realidades próprias ao existir.


Nenhum comentário:

Postar um comentário