Alegria
pura, sem gelo e açúcar. Nunca fui de misturar alegria e álcool. Não gosto de
álcool e nada em minha vida combina com ele, por mais que eu ache vinho e
champanhe coisas deveras elegantes de se degustar.
Ratifico:
não é por moralismo, mas por sabores e efeitos. Gosto da vida pura. Nas
tristezas e angústias, também. Se muito misturo, é um chá. Gosto de café para
pensar. Minha droga é café, uma xícara de manhã e outra à noite – raramente coisas
que ultrapassem 160 ml. em cada turno.
Hoje
é dia dos pais. Também não coloco aditivos onde não há e, verdade seja dita,
cumpri meu ritual hipócrita: telefonei para o meu pai e felicitei pela passagem
da data comemorativa.
Amo
meu pai, mas é um amor com mágoas – o coração, cheio de manchas roxas. A
distância emocional, uns 34455km.
Meu
pai não foi provedor de forma alguma: nem material nem emocionalmente. Ele não
se enxerga. Não digo isso no sentido usual da palavra, mas literal: ele não
olha para si, ele não sabe que é negligente e monstruoso comigo, ele se acha
uma das melhores pessoas da Terra e o melhor pai que alguém poderia ter.
Meu
pai me rendeu muita terapia.
Hoje,
rende muita introspecção espiritual, no difícil exercício do perdão, da
admissão da coerência da lei de causa e efeito.
Há
famílias felizes. Há pais que são bons, porque se não proveem materialmente,
são afetuosos, divertidos, interessados, presentes. Posso dizer que a pior
orfandade é essa, de saber que se tem um pai vivo, geograficamente próximo,
saudável e lúcido, que não dá a mínima à prole. Em meu caso, então, que sou
filha única, isso pesa mais. Antes, quando eu entendia pouco das coisas, achava
que meu pai não tinha obrigação de me amar e ponto final, porque as pessoas são
como são e talvez ele simplesmente não soubesse amar.
Com
o tempo, vi o amor imenso que ele tem pelas filhas de minha madrasta, pelos
filhos delas, seus netos afetivos mas não consanguíneos.
Mas
eu sou assim: tomo os venenos da vida sem anestesia. Acho que é uma covardia
atroz alguém transferir para os neurotransmissores, isto é, jogar sobre um
Rivotril e seus congêneres a responsabilidade de causar alegrias, de bloquear as
dores...exceto quando se pode enlouquecer, perder o rumo, toda dor deve ser
processada, sentida, admitida, para que passe. O ex-Grande-Amor-da-Minha-Vida,
ainda que não seja dado a remédios, é extremamente covarde com as dores e com a
realidade. Está sempre colorindo tudo de ilusão e fantasias de satisfação. Juro
que tenho piedade – por sinal, contei que não escrevia mais para ele, como
outrora, porque, de fato, aquele amor passou e hoje eu gosto de outra pessoa.
Ele não digeriu bem, enciumou-se e fez um silêncio de sepulcro. Eu já tinha
enterrado essa história há tempos.
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