Louquética

Incontinência verbal

domingo, 13 de agosto de 2017

Filhos do pai


Alegria pura, sem gelo e açúcar. Nunca fui de misturar alegria e álcool. Não gosto de álcool e nada em minha vida combina com ele, por mais que eu ache vinho e champanhe coisas deveras elegantes de se degustar.
Ratifico: não é por moralismo, mas por sabores e efeitos. Gosto da vida pura. Nas tristezas e angústias, também. Se muito misturo, é um chá. Gosto de café para pensar. Minha droga é café, uma xícara de manhã e outra à noite – raramente coisas que ultrapassem 160 ml. em cada turno.
Hoje é dia dos pais. Também não coloco aditivos onde não há e, verdade seja dita, cumpri meu ritual hipócrita: telefonei para o meu pai e felicitei pela passagem da data comemorativa.
Amo meu pai, mas é um amor com mágoas – o coração, cheio de manchas roxas. A distância emocional, uns 34455km.
Meu pai não foi provedor de forma alguma: nem material nem emocionalmente. Ele não se enxerga. Não digo isso no sentido usual da palavra, mas literal: ele não olha para si, ele não sabe que é negligente e monstruoso comigo, ele se acha uma das melhores pessoas da Terra e o melhor pai que alguém poderia ter.
Meu pai me rendeu muita terapia.
Hoje, rende muita introspecção espiritual, no difícil exercício do perdão, da admissão da coerência da lei de causa e efeito.
Há famílias felizes. Há pais que são bons, porque se não proveem materialmente, são afetuosos, divertidos, interessados, presentes. Posso dizer que a pior orfandade é essa, de saber que se tem um pai vivo, geograficamente próximo, saudável e lúcido, que não dá a mínima à prole. Em meu caso, então, que sou filha única, isso pesa mais. Antes, quando eu entendia pouco das coisas, achava que meu pai não tinha obrigação de me amar e ponto final, porque as pessoas são como são e talvez ele simplesmente não soubesse amar.
Com o tempo, vi o amor imenso que ele tem pelas filhas de minha madrasta, pelos filhos delas, seus netos afetivos mas não consanguíneos.
Mas eu sou assim: tomo os venenos da vida sem anestesia. Acho que é uma covardia atroz alguém transferir para os neurotransmissores, isto é, jogar sobre um Rivotril e seus congêneres a responsabilidade de causar alegrias, de bloquear as dores...exceto quando se pode enlouquecer, perder o rumo, toda dor deve ser processada, sentida, admitida, para que passe. O ex-Grande-Amor-da-Minha-Vida, ainda que não seja dado a remédios, é extremamente covarde com as dores e com a realidade. Está sempre colorindo tudo de ilusão e fantasias de satisfação. Juro que tenho piedade – por sinal, contei que não escrevia mais para ele, como outrora, porque, de fato, aquele amor passou e hoje eu gosto de outra pessoa. Ele não digeriu bem, enciumou-se e fez um silêncio de sepulcro. Eu já tinha enterrado essa história há tempos. 

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