Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 2 de abril de 2021

Com as vestes que viestes


 

Muitas são as identidades que nos atravessam, por isso não me prendo à postura glamourizante de minha formação acadêmica.

Acho que posso ficar discutindo coisas e temas que realmente gosto, diretamente ligados à minha formação, como a representação literária e narrativa; e também brincar com os temas de meu tempo.

Em meu tempo de formação e mesmo agora, já consolidada minha experiência no Ensino Superior, as pessoas esperam certos estereótipos. Já se foi o tempo em que o intelectual respeitado precisava ser básico ou desleixado, porque o cuidar da aparência era futilidade, era marca de aburguesamento.

Nos cursos de pós-graduação, sim, segue valendo: quem pesquisa cultura popular precisa adotar um visual mais Bráulio Bessa, algo mais Mercado de Arte Popular, sem dispensar chapéus ou sandálias de couro, que é para dar mais credibilidade a si mesmo; quem pesquisa África ou temas étnicos ou correlatos, precisa usar batas, uns dreadlocks, uns cabelos temáticos (sim, é ironia minha, mas acontece com frequência), assim como o público de Bacharelados Interdisciplinares em Humanas precisam ostentar tatuagens e indumentárias de religiosidade identificável, tanto quanto os de Direito precisam de ternos; e os de Saúde, de roupas branca.

É claro que eu estou rindo, bem mais da realidade palpável do que de minha ironia. Isto porque acho engraçado as pessoas estranharem que professor possa, queira ou goste de andar arrumado. O tema voltou aqui porque exatamente um colega professor, de Direito, brincou com um meme que trazia um gato todo desgrenhado na hora da aula quando a transmissão era apenas por áudio; e todo penteadinho e arrumado, quando a aula era com vídeo e áudio. Ele retrucou, disse que eu era constantemente arrumadinha; e depois admitiu que ele também era. A gente riu muito porque, no fim das contas, é claro que a aparência é um texto lido pelos outros em conformidade com parâmetros determinados; mas como as pessoas depositam nisso suas leituras sobre quem é humilde, quem é metido, quem é convencido e etc.

Diminui a credibilidade intelectual se você é arrumado, se é bem-humorado, se esboça simplicidade em alguns outros gostos – fica aquilo, do preconceito, de que intelectual não tem tempo para cuidar do exterior; que a aparência é algo supérfluo; que mulher bonita ou arrumada só pode ser fútil...

Prossigo achando engraçado. E, mal comparado, até no supermercado, eu não escolheria uma embalagem amassada, danificada. Escolheria um item simples e higiênico, desde que qualificado, mas antes de tudo, escolheria por rótulo, conteúdo e qualidade. 

Analogia desproporcional? Talvez, mas não injusta.


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