Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Para todo mal, a cura


Atribuem a Nietzsche um comentário segundo o qual ele teria dito: "Aquilo que não me destrói, me fortalece." Sou desconfiada das fontes, das popularizações que transformaram isso em mote e em epígrafes, mas admito que me deixo seduzir pela idéia expressa.
É também Nietzsche, em O nascimento da tragédia, que afirma:
" Também a arte dionisíaca quer nos convencer da eterna alegria da existência: só que não devemos procurar essa alegria nos fenômenos, mas atrás dos fenômenos. Deveomos reconhecer que aquilo que nasce deve estar preparado para um doloroso declínio, somos obrigados a mergulhar nosso olhar nos horrores da existência individual - e, contudo, não devemos ficar congelados pelo terror: um consolo metafísico nos tira momentaneamente da engrenagem das figuras mutáveis. Somos verdadeiramente, por poucos momentos, a própria essência primordial e sentimos a apetência e a alegria desenfreada pela existência; a luta, a tortura, o aniquilamento dos fenômenos já nos parecem necessários, diante da exagerada profusão de inumeráveis formas de vida que se pressionam e se acotovelam perante a fecundidade superabundante da vontade universal".
Acontece que isto está escrito na parte XVII do livro, mas não se pode esquecer a totalidade do título: O nascimento da tragédia ou Grécia e Pessimismo.
É que a noção de tragédia se confunde mesmo com a noção de vida. Para alguns, viver é muito trágico.
Já comentei, outrora, que ao lado do medo da morte, as pessoas tarja-preta têm um infinito medo da vida.
Falar da tribo dos tarja-preta é um ato antropológico, para mim. Sei que parece uma discriminação descabida e um desrespeito a quem depende de fármacos e de psicofármacos. Aliás, em alguns casos, se o sujeito não adere ao sistema tarja-preta de vida, ele nem consegue sair de casa para ir ao analista ou para qualquer atividade.
O fato é que a vida é assustadora - costumamos até dizer: "morreu, acabou!". Mas estar vivo é ser propenso à existência em seus altos preços: a frustação, a castração, as faltas, os vazios, as decepções, as feridas, as mágoas, as memórias afetivas das coisas ruins, os riscos, as falências...que por outro lado coabitam com as posssibilidades positivas de ser feliz, de ter satisfações, de ter prazer, de ter amor...mas estas duas partes não são equalizadas, não apresentam razão direta nem razão inversa: são aleatoriamente desproporcionais.
Eu gostaria de integrar a tribo dos tarja-preta como quem experimenta o pó de Pirlimpimpim da Emília do Sítio do Pica-Pau Amarelo dos meus tempos de infância.
Uma pílula que transforma um ser inanimado em gente e lhe confere a linguagem. Não é fantástico?
Se numa farmácia qualquer pudesse estar (Ih, lembrei da Farmácia de Platão!)a solução dos meus problemas, a felicidade e o prazer, poxa, como seria bom! A cura para todas as angústias...Oh, meu Deus, quão boa é a Ciência!
Por outro lado, será que eu estaria imune à angústia mesmo? e o que seria de mim sem ela? o que seria de mim sem esse confronto comigo mesma? se o encontro comigo e o distanciamento de mim?
"Estou vendendo ervas/que curam e acalmam/estou vendendo ervas que aliviam e temperam", canta o Rappa em suA Feira. Como é que os tarja-preta podem condenar os viciados em qualquer coisa? entendo todos os vícios e entendo o tempo presente, tão doente, tão desconfiado, tão inseguro, tão competitivo e enclausurado em verdades inconsistentes.
Correr de si mesmo para evitar os confrontos! Penso nos meus amigos gays se escondendo nos armários e fugindo da família, nas minhas amigas depressivas, naquelas que sustentam seus casamentos falidos, nas outras que vivem eternas insatisfações sexuais, nos meus amigos profissionalmente frustrados, nos vazios que eu vivencio e na minha incapacidade de pôr um ponto final nas coisas que me fazem mal, nas dores compartilhadas com os amigos, na falência dos afetos familiares meus e dos outros, na incompreensão das individualidades, na artificialidade das alegrias de fim de ano, nas perdas e nos desgastes emocionais que passamos cotidianamente e até no modo como trabalhamos para consumir e nos consumimos em trabalhar, sacrificando o sono, o bem-estar, o lazer, a paciência.
Se aquilo que não me destrói, me fortalece, será que nós desenvolvemos uma imunidade a certas coisas a partir do sofrimento? será que saimos mais fortes das derrotas sofridas?
Ah, eu mais do que qualquer outra pessoa, desejaria um remédio para tudo isso. Mas, o que podemos fazer? a vida não tem remédio.

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