Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

O lado B do estereótipo


Não será surpresa constatarmos o imenso número de pessoas a lamentar, na nossa época, a ascensão da idiotia. Pena é notar que ela não se faz apenas de "lepo,lepos", "gordinhos gostosos" e "muriçocas que picam" a disputar terrenos sonoros com funks aeróbicos ("eu vou, eu vou, sentar agora eu vou"), só para citar exemplos da indústria cultural contemporânea.
E é claro que todo mundo sabe do que se trata: como evento comercial, está em toda parte, toca em todo canto e é partilhado independentemente da vontade de cada um. No meu caso, na academia, no camarote e no comércio é o onde se socializam tais músicas. Mas a gente que tem escolha e sabe o que faz, seja porque se ancorou no pedestal da boa formação escolar; seja porque optou por entrar na brincadeira apenas para brincar e driblar a angústia de ser racional e comedido sempre, é bem diferente do pobre alienadinho para o qual a música é empurrada ouvido "adentro" e ele se sente identificado.
Perdoa-se sempre uns mais que outros.
Não perdoo gente letrada ignorante. Gente letrada ignorante adora se apegar a estereótipos e acredita neles, sejam quais forem.
Já trabalhei em terras que eu detestei. Todavia, procurei não ser desrespeitosa com o lugar, É assim até hoje: sou paulistana; e se tem uma coisa que eu respeito é a terra onde moro e os lugares de onde tiro o meu pão.
Já fui a cidades em que o cliente que aparece no estabelecimento é incômodo, porque o comerciante preferia dormir a ser incomodado por um consumidor; já vi malandragens no troco dado; já vi gente chata e preguiçosa em muitos cantos da terra, mas devo dizer que me deixa estarrecida ouvir ou ver alguém repetir e acreditar que o povo baiano é preguiçoso.
Num só carnaval você pode ver um bando de gente pulando nos blocos; na corda dos blocos, os chamados cordeiros, isto é, gente que trabalha no corpo-a-corpo com a multidão interna e externa ao espaço do bloco, a fim de fazer o bloco passar, seguir; quem tem olhos vê os pobres catando latinhas e outros vendendo cervejas, churrasco, queijo...uns tantos catando o que se possa reciclar;
Quem está no camarote vê gente limpando banheiros, outros consertando coisas, cozinhando coisas... E nos patamares mais alto da escala social, o empresário controlando coisas e fechando acordo; e em cima do trio, tem cantores, trabalhando. Todo trio elétrico tem motorista e pessoal de apoio. E do lado de fora de tudo tem um bando de folião que, em sua maioria, trabalhou para ter dinheiro para usufruir da festa.
Nem sempre existiu Bolsa-Não-Sei-O-Quê para nordestinos, para baianos, para brasileiros...e por aqui, eles sempre se viraram.
Herança escravista persistente isso de acreditar que determinados lugares sociais precisam permanecer os mesmos: aos negros, a cozinha; aos pobres, a subalternidade.
Sou daquelas que acham que não existe classe C coisa nenhuma. O acesso a determinados bens não significa mudança real no patamar socioeconômico; tudo é balela estatística. Mas sei que algo mudou para melhor, em algum grau.
Não na consciência do brasileiro em geral, que adora um pretexto para discriminar.
Você já foi à Bahia?Não? Então vá e se decepcione: aqui se trabalha, e muito.
E se você vir rebolations nessas ruas, é isso mesmo: baiano rebola para ganhar seu pão. Tire suas próprias conclusões ou repita as frases estereotipadas...vai que dê preguiça de pensar?

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