Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Incomodados e Tolerantes


Eu acho que tolerância é bem diferente de respeito. Tolerar é suportar, calado, algo que nos incomoda. Respeitar é mais que isso, muito mais que isso e tem a ver com uma dimensão humana difícil de explicar, mas que aglutina vários valores, sentimentos e sentidos.. Mas, escorregando essa conversa que em muito parece circunscrita às questões de todo tipo de preconceito - e sim, caberia, porque tolerância é bem pouco, é quase um rito de educação burocrática, quase uma solicitude com a 'visita na sala' - vou aqui, confessar, que tenho sido tolerante.
Tenho sido tolerante com um indivíduo que está na minha sala, no meu sofá, conversando com a novela e me interceptando, no caminho da minha quietude, para cobrar minha opinião, para partilhar as tensões da novela das oito...E eu o tolero, porque devo ser anuente com  o contexto dele e sacrificar meu bem-estar, exaurir minha paciência para suportar o incômodo.
Isso é tolerar. Tolerar não anula minha raiva, minha vontade de dar um grito e mandar aquela peste calar a boca, porque eu gosto de ficar sozinha, em minha casa...que ele se comporte como visita.
Tolero minha amiga esquizofrênica Cyda. Sim, são muitas as amigas esquizofrênicas e suicidas. Mas esta frequenta o mesmo Centro Espírita que eu, faz curso no mesmo turno que eu...E na entrada e na saída tenho que tolerar o papo louco e repetitivo; e sou forçada a emitir opiniões sobre coisas que não me interessam; sou forçada a esboçar memórias de nosso tempo de UEFS, que eu já não tenho...
Esquizofrênica, louca: são os quinze minutos mais enfadonhos e torturantes do mundo...Um desgosto do qual não posso me desfazer por causa da boa educação e do dever de causa de ser espírita. Foi por isso que eu vi que tenho feito mal a minha lição: tolerar não é ser bom. Não o faço por hipocrisia, mas por covardia social...Dá vontade, também nesse caso, se dizer claramente: eu não quero te dar carona porque além de me forçar um caminho que eu odeio, também odeio a sua companhia chata, sua loucura inconveniente, essa sua mania de colar na minha existência e, aliás, você é um verdadeiro obsessor encarnado.
Mas a gente dá um desconto e engole o sapo. Eu rezo para que ela não vá ao Centro Espírita no momento em que lá estou...e nas raríssimas vezes em que isso acontece, ela me pergunta se eu senti a falta dela, se eu percebi que ela não foi.
Se eu pudesse, diria: "Claro que eu percebi que você não foi! a noite foi tão boa por isso!". Mas não dá.
Fico na meditação, antes do curso, pedindo a Deus para ela me deixar em paz, para ir perturbar outra...E até que ela vai, pois perturba a presidente do Centro.
Tem coisas que eu pensei que perdoei...Fiz todo esforço para isso...E não foi por hipocrisia que declarei meu perdão: eu acreditei que perdoei, até ser contestada pela razão.
Como espírita, eu tento. Eu penso que consegui o que tentei. No fundo sei que a sinceridade é louvável. Não aquela sinceridade que se confunde com a má educação e a inconveniência, mas esta de que me revisto para admitir que preciso perdoar, mas que minha vontade não se concretizou na realidade. Não foi por querer, não é deliberado. É muito sincero, sim, admitir que certas coisas e pessoas são toleráveis - como uma dor suportável, um desprazer temporário e outros termos comparativos àquilo que não nos dá satisfação.

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