Às vezes pego o
ritmo dos concursos e parece que não sei mais me reintegrar à vida ao sair
deles.
Sei lá, altera a
rotina, vivo para aquilo...Comemoro cada etapa vencida, sem alegria eufórica, apenas com
o cansaço da batalha, mas já com o pé em outra...
Também não sei o
que seria de minha vida sem minhas batalhas, já que não sou uma pessoa que
fique tranquilamente parada à espera do próximo capítulo, do próximo
desafio...Reitero a Odisseia: a vida é batalha e é jornada.
De vez em quando
o desafio é comigo mesma, nas decisões. Odeio tomar decisões porque elas se
enroscam no meu orgulho e se tornam coisas petrificadas, fixas e eu não sei
voltar atrás – salvo, é, claro, se a decisão me gerar dor ou prejuízo...Aí eu
pego o rumo de volta e reinicio em outra alternativa.
Ainda me vejo
esquisita por gostar de ficar sozinha. Nada é mais gostoso que a solidão que me
permite orar em voz alta, tomar banho por longos minutos, ouvir minha música
preferida, cantar e dançar; dormir até quando o sono for embora; tirar fotos de
mim mesma para o meu próprio deleite; ver ou rever um filme; cuidar dos meus
cabelos sem ninguém para contabilizar o tempo.
Tem uma parte em
A paixão segundo GH, de Clarice
Lispector (ora e tem um episódio de Todo
mundo odeia o Chris, em que Rochelle também o faz), em que a personagem
principal comemora o fato de estar sozinha em casa.
Finalmente, as
crianças na escola, o marido no trabalho, a casa sem empregada... “Eram quase
dez da manhã, e há muito tempo meu apartamento não me pertencia tanto.”
(LISPECTOR, 1998, p. 24).
Gosto dessa boa
solidão. Para ser exata (juro: com sinceridade), até o natal de cada ano eu
faço questão de passar em minha casa, sozinha. Sem falsos cumprimentos, sem
amigo-secreto mala, mas com enfeite e boa comida.
Já o réveillon, tudo
bem: gosto de gente, de turma, de festa.
Tenho prazo de
validade de tolerância para o convívio coletivo: não aguento ninguém
continuamente comigo por mais de cinco dias.
Se as viagens obrigarem
a isso, vou dar um jeito e sair sozinha para estar comigo.
Isso vale para
os concursos: gosto de estudar sozinha e ficar sozinha e isolada.
Gosto de ensaiar
minha aula pública sozinha. Se eu não ensaiar, com certeza serei reprovada.
Há coisas que só
sei fazer a dois; e outras que são só minhas – de igual maneira, há segredos só
nossos. Mas, reconheço: oh, troço ruim é respeitar a privacidade dos outros.
O povo tem mania
de vasculhar, de travar escuta de telefonema e família, de amigos, de catar coisas
do passado.
Eis uma coisa
que eu odeio e odeio tanto quanto não faço: encontrar gente que não vejo há
anos e ficar perguntando sobre o contexto daquela época ou, ainda, expor
situações do passado, sejam boas ou más, ao grupo em quer que eu esteja.
Passado é um
território particular. Não invada nem force a entrada.
Há uma outra
coisa particular que me deixa bem triste em ter feito sozinha: durante todo o
tempo em que trabalhei na UFBA, aos domingos, 15h40, eu saía da minha casa,
dirigindo pela BR 324 até à Barra, em Salvador, onde eu me hospedava. Ia
sozinha. Tinha minha trilha sonora. Era um dor, uma tristeza, sem precedentes.
Lembro o sol
intenso do verão tirando minha visão quando eu passava no trecho inicial da BR
em Salvador.
Levava, além de
malas e livros, a tristeza de deixar a minha casa.
Deixar a minha
casa num domingo era deveras triste.
Chegar a
Salvador numa noite de domingo, era sempre triste – por mais que eu rodasse no
shopping para tomar café gelado, ver vitrines...Tinha o agravante de amar
Vinícius, aquele amor platônico por alguém a quem nunca tive, nunca toquei, mas
sempre esperei e vivi o sentimento com a mais absoluta verdade interior.
Porém, para
voltar para minha casa, eu adorava estar sozinha. Uma delícia! Excitante, até.
De tudo, se eu
pudesse dar um conselho, uma dica realmente útil, eu diria aos sofredores, aos
desesperados, à turma da angústia: tudo se torna passado.
E diria aos
felizes: aproveitem que tudo se torna passado e façam o possível para prolongar
a felicidade. Vivam os prazeres com voracidade, justamente porque tudo se torna
passado.
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