Louquética

Incontinência verbal

sábado, 28 de outubro de 2017

O ser em si, só.


Às vezes pego o ritmo dos concursos e parece que não sei mais me reintegrar à vida ao sair deles.
Sei lá, altera a rotina, vivo para aquilo...Comemoro cada etapa vencida, sem alegria eufórica, apenas com o cansaço da batalha, mas já com o pé em outra...
Também não sei o que seria de minha vida sem minhas batalhas, já que não sou uma pessoa que fique tranquilamente parada à espera do próximo capítulo, do próximo desafio...Reitero a Odisseia: a vida é batalha e é jornada.
De vez em quando o desafio é comigo mesma, nas decisões. Odeio tomar decisões porque elas se enroscam no meu orgulho e se tornam coisas petrificadas, fixas e eu não sei voltar atrás – salvo, é, claro, se a decisão me gerar dor ou prejuízo...Aí eu pego o rumo de volta e reinicio em outra alternativa.
Ainda me vejo esquisita por gostar de ficar sozinha. Nada é mais gostoso que a solidão que me permite orar em voz alta, tomar banho por longos minutos, ouvir minha música preferida, cantar e dançar; dormir até quando o sono for embora; tirar fotos de mim mesma para o meu próprio deleite; ver ou rever um filme; cuidar dos meus cabelos sem ninguém para contabilizar o tempo.
Tem uma parte em A paixão segundo GH, de Clarice Lispector (ora e tem um episódio de Todo mundo odeia o Chris, em que Rochelle também o faz), em que a personagem principal comemora o fato de estar sozinha em casa.
Finalmente, as crianças na escola, o marido no trabalho, a casa sem empregada... “Eram quase dez da manhã, e há muito tempo meu apartamento não me pertencia tanto.” (LISPECTOR, 1998, p. 24).
Gosto dessa boa solidão. Para ser exata (juro: com sinceridade), até o natal de cada ano eu faço questão de passar em minha casa, sozinha. Sem falsos cumprimentos, sem amigo-secreto mala, mas com enfeite e boa comida.
Já o réveillon, tudo bem: gosto de gente, de turma, de festa.
Tenho prazo de validade de tolerância para o convívio coletivo: não aguento ninguém continuamente comigo por mais de cinco dias.
Se as viagens obrigarem a isso, vou dar um jeito e sair sozinha para estar comigo.
Isso vale para os concursos: gosto de estudar sozinha e ficar sozinha e isolada.
Gosto de ensaiar minha aula pública sozinha. Se eu não ensaiar, com certeza serei reprovada.
Há coisas que só sei fazer a dois; e outras que são só minhas – de igual maneira, há segredos só nossos. Mas, reconheço: oh, troço ruim é respeitar a privacidade dos outros.
O povo tem mania de vasculhar, de travar escuta de telefonema e família, de amigos, de catar coisas do passado.
Eis uma coisa que eu odeio e odeio tanto quanto não faço: encontrar gente que não vejo há anos e ficar perguntando sobre o contexto daquela época ou, ainda, expor situações do passado, sejam boas ou más, ao grupo em quer que eu esteja.
Passado é um território particular. Não invada nem force a entrada.
Há uma outra coisa particular que me deixa bem triste em ter feito sozinha: durante todo o tempo em que trabalhei na UFBA, aos domingos, 15h40, eu saía da minha casa, dirigindo pela BR 324 até à Barra, em Salvador, onde eu me hospedava. Ia sozinha. Tinha minha trilha sonora. Era um dor, uma tristeza, sem precedentes.
Lembro o sol intenso do verão tirando minha visão quando eu passava no trecho inicial da BR em Salvador.
Levava, além de malas e livros, a tristeza de deixar a minha casa.
Deixar a minha casa num domingo era deveras triste.
Chegar a Salvador numa noite de domingo, era sempre triste – por mais que eu rodasse no shopping para tomar café gelado, ver vitrines...Tinha o agravante de amar Vinícius, aquele amor platônico por alguém a quem nunca tive, nunca toquei, mas sempre esperei e vivi o sentimento com a mais absoluta verdade interior.
Porém, para voltar para minha casa, eu adorava estar sozinha. Uma delícia! Excitante, até.
De tudo, se eu pudesse dar um conselho, uma dica realmente útil, eu diria aos sofredores, aos desesperados, à turma da angústia: tudo se torna passado.
E diria aos felizes: aproveitem que tudo se torna passado e façam o possível para prolongar a felicidade. Vivam os prazeres com voracidade, justamente porque tudo se torna passado.



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