Louquética

Incontinência verbal

domingo, 26 de janeiro de 2020

Coisa de louco!



Hoje o percurso é longo até que eu chegue ao ponto da discussão. Mas, vamos lá: o mundo está cheio de loucos. Bem, este blog é o Louquética, portanto, eu devo estar à procura de contradições, não é? Não. Aqui não falo dos loucos que ganham este adjetivo porque são pessoas alegres, ou autênticas, ou inconvenientes e irreverentes, porque, aliás, em minha função de professora, a coisa mais comum é chamar de louco ao professor espontâneo, ao que faz gracejo; enquanto que aqueles que garantem a autoridade gritando, humilhando alunos e fazendo ameaças são apenas os nervosos. Mas, falo dos loucos strictu sensu. Louco que é louco mesmo e não se escondeu sob o rótulo de qualquer adjetivação da psiquiatria, louco que não se faz de bipolar, de depressivo, de traumatizado...Louco que, aliás, até se esconde sob esses rótulos e jamais se perceberá esquizofrênico. Eles são muitos e múltiplos.
Decerto, há situações em que um ser humano fica temporariamente animalizado e irracional, que vira cem por cento instinto e eu acredito que é igual ao que ocorre com a personagem de Michael Douglas em Um dia de fúria, isto é, a pessoa transborda porque vinha acumulando uma série de dissabores. Há, claro, os que já estão no limite e se aproveitam de situações sociais para descarregar seus ódios, os que dizem para nós desaforos gratuitos, como forma de expurgar ódios diante dos reais destinatários – a velha sentença de descontar nos outros uma fatura não devida por eles, já que os credores reais são fortes demais para serem enfrentados.
Então, vamos sair do tangencial agora: tenho pouco apreço biográfico por Renato Russo, assim como por Roberto Carlos, Pelé e Cazuza. Para todos eles, eu, que não sou de ódios gratuitos por conhecidos, muito menos o seria por desconhecidos. Entretanto, por acesso a relatos, entrevistas, filmes e biografias confirmadas por eventos reais, constatei a arrogância de Renato Russo e seu ego imenso que se traduzia em hostilidades e acessos de soberba; vi as mediocridades de Roberto Carlos e de Pelé, frente aos filhos concebidos fora do casamento e com mulheres pobres ( no caso, esses filhos jamais quiseram dez centavos desses sujeitos, apenas queriam um nome na certidão de nascimento), dentre coisas correlatas reiteradas pelo esforço de Roberto Carlos em proibir sua biografia não autorizada, por exemplo...E, no esteio da conversa, registro minha leal antipatia por Renato Aragão, muito esperto e pouco caridoso com seus companheiros de Os trapalhões, apenas para exemplificar. Por fim, meu caso com Cazuza foi bem a respeito do comportamento arruaceiro dele, desrespeitoso até com a própria mãe, deselegante e ríspido com as mulheres fora do padrão de beleza, além do ego imenso, arrogância e metidez pura e simples.
Não obstante minhas observações pessoais e particulares, todos foram muito bons naquilo a que se propuseram a fazer.
Uma coisa é a pessoa, outra coisa é a obra.
Da mesma forma que gente inteligente pode ser canalha; gente canalha pode ser bom pai e boa mãe; maus artistas podem ser grandes pessoas; grandes mentes podem ser emocionalmente fracassadas, desequilibradas.
Obras, obras. Artistas à parte.
Estava eu a observar, com tristeza, um versinho de Pais e filhos: “Eu moro com a minha mãe, mas meu pai vem me visitar”. É uma música do meu tempo, dos anos 90...Lembro que Matheus adorava cantar para mim...E essa lembrança do verso me mostrou como pode ser triste ter um pai que é visita.
Não sou conservadora, penso que um lar saudável é melhor que um lar com pais que se odeiam. Não estou tratando disso, mas dessa percepção de perda e de luto que é ter um pai que é uma visita, um pai para de vez em quando.
Comentei isso com um amigo louco. Ele toma os remédios certos, mas tem mania de perseguição e megalomania. Obviamente, ele não sabe. Já é um senhor de sessenta anos, vivido e inteligente, por sinal.
Não preciso acrescentar que ele tomou para si meu comentário. Disse, ainda, que não conviveu com nenhum dos artistas que eu citei, porque no contexto eu fui exemplificando e explicando.
Tive que ser mal educada e dizer que também não fui íntima de Hitler, nem do imperador Carlos Magno, muito menos de Getúlio Vargas, mas que sabíamos muito bem quem foram e como levaram suas vidas.
Nos anos 90, Matheus e eu éramos essas pessoas cujos pais são visitas. Ocorreu de só agora reparar na música e, por empatia, entender essas feridas.
Não me meto nas escolhas de ninguém e, por isso mesmo, levo a sério as minhas: eu não quis ter filhos. Não quis por não querer, sem mais. E se eu tivesse, nunca seria porque determinaram, ou por posse, para chamar de meu, por utilitarismo, muito menos (para ser útil na velhice, para trazer felicidade à minha vida): eu teria vergonha de mim. Responsabilidade esse negócio todo.
Nós dois sabíamos a barra que era ter um pai que é visita.
Os vazios, as perdas, aquela falta...
Meu amigo, ofendido, falou da guarda compartilhada. Não discuto isso. A pessoa precisa ouvir e ler muito mal para direcionar a conversa para um aspecto fora do foco.
Há um luto nesta falta de pai – no processo natural, psicologicamente, a gente faz a separação e a superação. Mas, quando se é adolescente, você sofre mesmo.
Entendi meu amigo louco: foi a forma dele subtrair as próprias culpas. Em se tratando de alguém que jura que o whatsapp e o facebook perseguem os passos dele, que há gente observando tudo e todos os passos dele, naturalmente ele iria achar minha observação uma indireta.
Os loucos pelo politicamente correto vão ficar à cata da expressão cabível para o portador de enfermidades e transtornos mentais, porque louco é uma palavra inadequada...Ah, tá!
Não tem indiretas nem julgamento: tem um parecer, um ponto de vista, uma opinião. É a minha opinião. Não vou multar nem matar quem tem outra opinião, nem insultar quem pensa diferente...
O brasileiro comum tem se tornado um chato fundamentalista, que quer que todos torçam para um único time, para um único partido, para um único modo de ser mulher, de ser negro, de ser professor, de ser gente...
Não seria mais fácil não comer jiló se você não gostar de jiló; e permitir que quem gosta, que se farte? Você não gosta, não faça, não consuma, não pratique, não frequente... Mas, por aqui, as pessoas se ofendem pelas escolhas alheias, pelas opiniões, ainda que não haja desrespeito...Então, voltando ao tema da loucura, bem, os loucos, ah, eles são muitos.

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