Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

O que há por dentro


Falo demais. Falo muito mesmo. Às vezes, não tenho a menor papa na língua, como se diz por aí. Mas não falo dos outros: dos amigos reciprocamente alfinetados, não me meto; das amigas, amigos e conhecidas que flagro sofrendo traições, nada digo, não diria nem se visse o par em pleno ato sexual. Ah, não falo mesmo!

Contudo, ter conhecimento das coisas e silenciar, nos torna, em certa medida, cúmplices.

O silêncio é mais seguro.

Desconfio dos meus raciocínios, das minhas conclusões. Penso duas vezes, acho que não deve ser exatamente aquilo que os indícios me levam a crer; penso que sou maldosa, penso que estou enganada... Mas o tempo me mostra o contrário.

Para pensar ou concluir sobre o outro, sou extremamente cautelosa.

Muitas pessoas não assumem seus sentimentos, não assumem como eu assumo a necessidade de estar sozinha; não assumem seus aborrecimentos, não assumem aquela misantropia que nos assalta e pede que a gente não atenda ao telefone, nem queira compartilhar convívios.

Geralmente ocorre que tiram conclusões sobre mim, baseadas, muitas vezes, em fontes duvidosas. Aceito. Não faço questão de amizades inconsistentes, daquelas que qualquer coisa torna o amigo um suspeito. Se perco uma amizade assim, sinceramente, não me importo. Não me importar não quer dizer que eu não me indigne.

Recentemente, desconfiei de algo assim: estava na cara que uma amiga tinha encontrado um pretexto bem vago para que a gente não mantivesse o laço do convívio. Ora, eu entenderia perfeitamente a situação.

Há convívios que são inevitáveis (e nem preciso recorrer às idéias de Durkheim para falar da solidariedade orgânica e mecânica) e outros que dependem de nossa opção ou, especificamente, de nossa sinceridade.

Nas minhas circunstâncias, o fato das coisas, do corte ter sido precipitado me mostrou que o convívio era insuportável. Tamanhamente insuportável que não houve prévia, não houve preparo algum, certamente para parecer natural.

Presumo o conflito ou o sentimento de incômodo interior ou moral da pessoa em questão e isso é o problema: eu entenderia perfeitamente se isso me fosse dito de forma clara. Não gosto de especular o que teria causado a vontade de ruptura, de quebra do laço de convívio.

Acho deveras perturbador fazer conjecturas, edificar inimigos imaginários a influenciar coisas, atos que inconscientemente tenham coagido a pessoa a me querer bem longe... Mas, de meu lado, eu já lia esta mensagem. Engraçado como as pessoas dão sinais, deixam pequenas pistas... Ignorei por achar que talvez os amigos mais chegados que julgam que eu vejo coisas que não existem estivessem com razão.

Deve ser um saco aturar alguém que, como eu, prova que houve uma perseguição, que houve um engano, que houve lapso e erro num raciocínio de outro amigo em comum em relação a qualquer coisa. Se fosse eu a estar no outro extremo, diria de mim que tenho mania de perseguição ou que me faço de vítima. O que o tempo mostra é que não era um engano meu. Foi assim agora que confirmei uma suspeita.

Tenho noção. Percebo se sou preterida, se não depositam confiança em mim, se conspiram conclusões, se tomam partido.

Por que será que não dá para ser sincero? Não dói bem mais chegar ao veredicto posteriormente?

Pensei nisso no caminho de volta para casa.

Pensei na aflição da outra pessoa em questão, no seu sufoco para se livrar de mim, para tecer um repertório de pretextos, a cada dia me dizendo em entrelinhas, sem que ela própria percebesse: “Se afaste de mim. Não suporto mais nosso convívio, nosso contato”.

Sinceramente, me coloco mesmo no lugar do outro. Imagino todo esse sufocamento de quem não consegue assumir um sentimento de repulsa, uma vontade de afastamento e que, de modo cristão, às vezes se culpa até que conclui que não há uma razão explícita além da sua própria vontade de não manter mais o laço. Sei que dói e entendo: como dizer ao outro, sem motivo palpável: “Quero ficar só!”, sem parecer cruel, egoísta, mau... Eu sei.

Como boa neurótica, não é qualquer coisa desperta em mim o senso de rejeição.

Não acredito em certas coisas, nesses lugares comuns que dizem que determinadas coisas acontecem em todo lugar (“Todo lugar é assim”), que é isso mesmo e etc. Já vivi a diferença e sei que essa generalização serve apenas para tentar atenuar as brasas do inferno.

Família e trabalho são dois pólos de convívio altamente perigosos.

Odeio “Amigas secretas”, “Confraternizações” e reuniões afins: é muito difícil suportar a hipocrisia e a artificialidade próprias desses eventos.

Das coisas que aprendo, me surpreendo com aquelas que não têm nada a ver com o que deveria ser. Vou falar do que aprendi com Stuart Hall, em Da diáspora: Identidades e Mediações Culturais: além do óbvio que se pode depreender do título e dos modismo teóricos que assomam as universidades e o pensamento contemporâneo, digo que o que este autor fala na parte final do livro (A formação de um intelectual diaspórico – uma entrevista com Stuart Hall, de Kuan-Hsing-Chen) foi minha grande lição. Um desses momentos é a passagem em que Hall diz do seu convívio familiar, do exílio em família, de uma falta de articulação ideológica, de incompatibilidades de várias ordens e finalmente afirma que ele teve a necessidade de realizar um afastamento afetivo;

“Por causa disso, fui sempre identificado em minha família como alguém de fora, aquele que não se adequava, o que era mais negro que os outros, o pequeno coolie etc.” (p. 386);

“Minha própria formação e identidade foram construídas a partir de uma espécie de recusa dos modelos dominantes de construção pessoal e cultural aos quais fui exposto” (p. 387)

“Havia uma grande distância entre o que eles queriam para mim e como eu me identificava” (p. 387)

“Estou contando esse fato porque ele foi muito importante para meu desenvolvimento pessoal. Isso acabou para sempre com a distinção entre o ser público e o ser privado, para mim. Aprendi, em primeiro lugar, que a cultura era algo profundamente subjetivo e pessoal e, ao mesmo tempo, uma estrutura em que a gente vive (...) Desde então, nunca mais pude entender porque as pessoas achavam que essas questões estruturais não estavam ligadas ao psíquico – com emoções, identificações e sentimentos, pois para mim, essas estruturas são coisas que a gente vive. Não quero dizer apenas que elas são pessoais; elas são, mas também são institucionais e têm propriedades estruturais reais, elas te derrubam, te destroem.” (P.390)

Essa humanidade em Hall me conquista. Vislumbro elos de identificação nesses posicionamentos, seja na questão institucional, seja na familiar.

Família e amigos se confundem para mim. Repito: família é aquela que o coração escolhe.

Não sou tão tonta quanto eu penso, não vejo chifres em testa de cavalos, mas até que preferia, pois os licornes, os unicórnio são lindos, embora fantasiosos. Eu sei o que vi, eu sei o que ouvi, eu concluí com exatidão – não tenho que me sentir leviana por ter visto ou concluído, seja a paquera lá da esposa do meu colega para cima do meu ficante ou o desejo de distanciamento da pessoa a quem me referi. Ainda bem: não é efeito colateral dos fármacos que não uso, nem da bebida que não bebo...Louquética, sim, pois de perto, ninguém é normal; mas alucinada ou paranóica, jamais!

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