Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Viagens na minha terra...


Almeida Garret em seu enfadonho clássico da Literatura Portuguesa, Viagens na minha terra, realiza um tour imaginativo que, por sua notabilidade narrativa, o fez figurar no cânone literário - não sem muitos resmungos das vítimas acadêmicas da obrigatoriedade de tal leitura.
Bem, a sorte dele é que a viagem é imaginativa. Outrossim, também duvido que ele enfrentasse as dificuldades de transporte e de manutenção das estradas que ligam Xique-Xique às demais cidades baianas, das quais, Feira de Santana. Em termos práticos, não há diferença qualitativa entre as condições de viagem dos idos de Viagens na minha terra (1800 e sei lá quanto, talvez 1846) e a precariedade da estrada do Feijão. E não vai ter nenhum Dinis que nos salve, ora pois!
O caso é que nestes meus dois anos de substituta ( com rima pobre totalmente aplicável), neste trajeto, eu já vi foi coisa! nem ligo para o que vi, mas para o que eu continuo a ver. E nem deveria ligar mais para o que vejo do que para o que eu ouço.
Personagens da vida real muito mais interessantes que os de Garret frequentam o ônibus da Àguia Branca, especialmente o de volta. Vejam:
O anônimo psicótico: Com um perfil que nos faz suscitar uma possível paternidade hippie, uma vez que, com certeza, a mãe deste sujeito ( e o pai) injetou, cheirou e fumou muitas coisas inapropriadas, ele adora conversar durante a viagem.
Conversa muito.
E o pior: consigo mesmo!
Ele conversa sozinho e, pelo tanto, parece que ele não se vê há muito tempo. Jesus! Nunca vi ninguém com tanto assunto... e deve ter um bando de fofocas a respeito de si mesmo porque, de vez em quando a conversa assume tons de sussurros ou de gargalhadas. Ele não me engana: deve saber misérias da vida íntima dele mesmo e compartilhar naqueles momentos de confidência.
Ah, velhinho falador!
O caboclo peidorrento: Figura constante no horário noturno, este tem problemas de gases. E, pelo jeito, de querosene. Aliás, isso não é problema, é solução: bastaria que numa crise de gases a gente pudesse jogar querosene naquele miserável e atear fogo. Mas que sujeito miserável!sabendo que está todo mundo abafado no ar condicionado, não contém o proprio esfíncter, não tranca a válvula do monossílabo átono.Este eu odeio! e o pior, povo, é que a fedentina parece enxofre. É literalmente infernal! E o peste é gorducho - deve fazer a maior mistura de comidas e quem sofre é a gente.
O caboclo roncador: Tá bom: quem aí já não ouviu o ronco barulhento de uma motocicleta velha ou a zoada de uma carro dos anos 80 com a descarga furada? Então, o ronco barulhento do caboclo roncador é assim. E quando ele acorda assustado com o barulho do próprio ronco ainda dá susto na gente.
Como pode um monstro destes dormir com a consciência tranquila?
É barulho o tempo inteiro.
Gordo e espaçoso, ele dorme com a barriga para cima, todo feliz...se aquela boca abrisse mais um pouquinho eu juro que jogaria um insetão bem escroto nela. O sujeito incomoda as 4 poltronas à frente e atrás.
A cobra fumante: Concretizando as profecias do fantástico cumpadi Washington (eta, se é de axé , deve ser é Uóxitun), cuja premonição dizia que "o bicho vai pegar/ a cobra vai fumar", a cobra fumante existe e já está entre nós.
A cobra é do sexo masculino e, como todo animal irracional, não tem noção: se tranca no banheiro e fuma - cigarro também, de natureza questionável, mas se fosse Tetrahidrocanibinol, vulgo baseado, o cheiro de cocô queimado até faria sentido com os aromas repulsivos do banheiro do ônibus.
Este pensa que a fumaça fica no banheiro mesmo, não percebe que comete um atentado contra os demais passageiros.
Para mim, que sou cristâ católica, deve-se seguir o princípio bíblico e fazer com que ele volte às cinzas: deveríamos queimá-lo.
Fora da brincadeira (palavra de ex-bombeiro), os automóveis são altamente comburentes. Se um incêndio é iniciado em qualquer tipo de veículo, logo se propaga o fogo, é questão de segundos, não é efeito especial de filme não, gente: quem tem seguro de carro, se toque e nunca deixe o ítem contra o incêndio, de fora.
além de incomodar, este filho da puta fumante põe em risco a vida da gente.
Mãe e crianças choronas:a maternidade é linda e sagrada. Então, convém que a deixem bem longe das aglomerações, não e?
Puta que o pariu! que irritante é o choro das crianças e as chatices das mães. E os meninos choram porque está tudo bem, choram porque dói, choram porque têm sono, choram porque o carro anda, choram porque existem...vixe!!!
Caboclo acotovelador: Olha só, é cada entidade!!! este é aquele sujeito que não cabe em sua poltrona. Ele acha que o braço da poltrona é só dele, ele acha que a poltrona ao lado, aquela em que é a gente quem está, é uma concessão dele. Logo, ele vai dar cotoveladas a noite inteira, ele vai te empurrar, ele vai se jogar em cima do seu ombro, ele vai fazer você ter pesadelos até acordado...matemos essa miséra!!!
Míster Call: E Deus criou o mundo...logo depois, o homem criou o call center, para as reclamações e elogios. Beleza!!! O caso é que tem uns miseráveis que parecem nunca terem visto um celular na vida. Isso não seria nada desde que tal sujeito não achasse que você também nunca viu um e, por isso, ele fala bem alto, para você perceber a tecnologia.
Ele exibe os barulhinos, o despertador e etc. Toda hora é um alô. Nem pense em dormir porque o serviço é 24 horas.
NUM SEI: Quem aí gostar da cultura oriental, aprenda que além de sansei e nissei existe o Num Sei, mas ele é bem brasileiro, viu? Ele não sabe a poltrona dele; ele não sabe ler a passagem dele e ele vai te irritar, seja para não sair da poltrona reservada para você, alegando que "o ônibus vai vazio", seja segurando sua poltrona, se esta for janela; seja querendo que você saia da poltrona pretensamente dele. Num sei o que se faz para combater esta praga, mas tenho uma vaga idéia de que bons argumentos e certeiras cacetadas são capazes de dissolver qualquer tipo de conflito.
Mr. Jump: Míster Jumpe pula toda hora, toda hora levanta, toda hora incomoda...aliás, ele veio ao mundo só para isso. Pula por cima de você, pula para ir ao banheiro, pula no corredor e haja Deus para aguentar tudo isso.
Caren T.: A Caren pode ser homem ou mulher. Sempre CARENTE, quer puxar conversa. Não tem jeito, mil serão os pretextos para encontrar um fio para conversa...ache um fio e enforque esta misera.
Bem, vejam o que Almeida Garret perdeu frente ao fato de nao fazer um trajeto tão pitoresco - as aventuras, os buracos, os despenhadeiros sob a neblina, os assaltos e outras maravilhosas ciladas que cercam a viagem nossa de toda semana.
Ação, aventura, tendinite, insônia, suspense: breve, numa viagem próxima de você. Vou vender este roteiro. A Rota 66 fez sucesso porque o povo ainda não conhece o trajeto para Xique-Xique!

** esta é uma obra de ficção - qualquer semelhança com nomes, histórias, lugares ou acontecimentos, terá sido mera coincidência...ou não!

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