Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Histórias sujas


Meu amigo estava na sala enquanto eu tomava banho.
Depois de muito cantarolar sob o chuveiro, resolvi perguntar ao meu amigo se ele sabia por que a gente tinha essa tendência a fazer do banheiro um karaokê, por que a gente cantava, enfim.
Sabiamente ele discorreu sobre uma teoria da Física que eu não saberia reproduzir, mas que em suma diz respeito a processos físicos e reação a eles, gerando e liberando endorfinas e substâncias afins que nos deixam cantando com a alegria de passarinhos bobos numa manhã de verão.
Isso me deixou perplexa. Não me refiro à teoria, mas ao fato de ele ter conhecimento de uma teoria destas e, ainda assim, ser resistente ao banho.
Se tem uma coisa que me deixa impotente são os meus amigos sujos: a maioria deles, incluindo uma amiga minha linda e inteligente, têm consciência de que, para eles, o banho é um desprazer, uma obrigação mais social do que higiênica e uma total perda de tempo.
Isso é extensivo ao hábito de lavar os cabelos, o rosto e escovar os dentes - ou seja, eles odeiam hábitos de higiene.
Minha impotência é porque não consigo nem mesmo convencer meu próprio tio único a tomar banho.
Muitos dos citados amigos e parente têm mesmo MEDO da água: é coisa de sob uma temperatura absurda e um calor estupendo eles quererem tomar banho de água mega-quente.
Olho enojada aquelas caras oleosas e suarentas, aqueles cabelos literalmente sebosos, com caspas intermináveis por que o melhor dos xampus anti-caspa é inútil se administrado sob água quente.
Olho ainda mais terrificada à paixão que eles têm pelo ar condicionado, como se fosse uma proteção para diminuir o calor e amortizar o mau cheiro. Muitos deles gostam de perfumes importados e tentam disfarsar sua sujeira com bons aromas. Nem sempre dá certo.
Um destes amigos vem tentando se enquadrar socialmente - digo isso porque ele agora toma um banho por dia, sabe? e ele acredita que escovando os dentes uma vez por dia está protegido porque a higiene tem essa validade de 24 horas - será sempre uma tentativa de enquadramento social, não um hábito regular nem um gosto por parte dele.
O cara que não toma banho é análogo àqueles outros tantos seres desagradáveis que, ao tomar banho, não cuidam de perfumar ou neutralizar os odores das axilas.
Tem os malucos que acham que sabonete e higiene são invenções capitalistas. Se for, problema do capitalismo! isso não desautoriza e não tira a legitimidade do hábito de higiene.
E tem mais: pode ser o cara mais gato do mundo, mas se a unha é grande, ou grande e suja ou, pior ainda, se ele deixa as unhas do dedo mínimo crescerem, saia de baixo que atrás de uma unha suja sempre vem um porco, tá?
O ser humano produz secreções de mais: é saliva, suór, lágrima, melecas de nariz, cera de ouvido, esperma, olha que a lista vai longe...e tudo isso tem sua função e precisa ser descartado para se renovar, requerendo limpeza dessas áreas constantemente.
Vou ser leve: pense aí na sua cara, após acordar por 4 dias seguidos e não lavar o rosto - e consequentemente, os olhos?
Até os gatos, os animais todos têm seus sistemas de higiene - mas um sujeito porco, bem porco, vai sempre procurar catar teorias para evitar a limpeza.
Quando minha amiga pirou, a analista me disse que ela descuidaria dos hábitos de higiene. Sim, os loucos têm cheiro próprio. Os depressivos também - se estão largados da vida, o comum é desprezarem a si de tal forma que não cuidam do banho.
Deixei de namorar um gato por um motivo oposto: ele lavava as mãos umas trinta vezes num curto intervalo de tempo; passava a Micareta vigiando a casa, para que ninguém fizesse xixi no muro e isso e mais um pouco descrevia o quadro do TOC= Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
Contudo, dos dois tipos extremos, melhor um maluquinho limpo, não é?
Mas, quanto àquele amigo citado, o da teoria, ele nunca saberá por mim que a mulher que ele amava também o amava, mas temia o convívio com aquela falta de higiene.
Uma ilusão que as pessoas têm é a de que quando se é amigo íntimo de alguém essa intimidade permite dizer muitas verdades. Ah, não dizemos verdades, não.
Assim foi que ela vislumbrou a minha cara de fracasso, após fazer o que eu podia para jogar meu amigo no caminho do chuveiro. Ela desistiu. Eu também.
Neste final de semana ele suava muito e eu propus, após meu banho, que ele também o fizesse. Em princípio veio aquela máxima que os sujos usam como pretexto: Tomar banho e usar roupa suja, dá na mesma!
Retruquei: "A roupa pode estar suja, mas você não estará e isso lhe trará conforto."
Nada feito!
De manhã, outras propostas: "você pode bochechar com creme dental e depois usar enxaguante, já que você não tem escova em minha casa."
Nada feito!
"Pode lavar o rosto, menino, para tirar essa cara de sono"
Nada feito também.
Sou impotente com todos eles.
Dói minha impotência com o meu tio único, porque é tudo cansativo. Destilar teorias, mostrar razões, pedir pelo amor de Deus, ah, nada consegue demover um sujo da zona de conforto de sua sujeira.
Nao pensem que o Cascão de Maurício de Souza é mera ficção: apareçam e eu vos mostrarei a verdade da ficção.

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