Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Quinze anos


Lembra de quando você tinha 15 anos? deveria lembrar, poxa! principalmente se você reclama de quem quer parecer jovem, se você critica todo tipo de vaidade, se você é aquela pessoa amarga, que lamenta o passar dos tempos ao mesmo tempo em que se volta contra aqueles que ainda são jovens.
Quantas vezes você fez 15 anos? se tem 30, fez duas vezes...Graças a Deus o tempo passou.
Não tive festa de debutante.
O que havia de tão mágico em ter 15 anos? acho que a própria juventude, não é?
Aos 15 anos eu não via a menor graça na vida. Creio que por ter madrasta e um pai negligente, ou era nulo em relação a ela, sei lá.
Também eu não tinha liberdade, nem independência.
Eu tinha era dúvida.
Tinha muita ousadia e muito medo, também.
Aos 30 eu me senti gente. Gente mesmo, de ter consciência de mim, de me perceber no mundo, de perceber meus entornos, de confirmar minhas escolhas e de desistir de algumas idéias fixas.
Agradeço muito àqueles que passaram pela minha vida e me mostraram que eu podia declinar de um orgulho, que eu podia correr atrás de um sonho, que eu podia abraçar minhas convicções, que eu podia assumir alguns afetos de ódio e de amor.
Ainda estou na casa dos trinta e acredito que os 30 completam aquilo que me falta aos 15 anos.
Há pouco eu estava assistindo à Excêntrica família de Antônia - filme muito citado por Nery, mas do qual ele nunca disse uma linha sequer -, no Telecine Cult, e fiquei observando não só o fato de ser este um excelente filme, curioso, criativo, crítico, mas me identifiquei com certas passagens, claro, por ser cômodo encontrar um subterfúgio para o que eu sei que vem por aí para mim.
Explico: o filme é narrado pela bisneta de Antônia.
Na história, as várias gerações se encontram, de alguma forma além daquela fisicamente mostrada, nas mesas em que a famílias e reúne.
A relação entre as mulheres da família é o ponto forte, num plano em que os homens são maioria em poder de mando.
Então, a filha de Antônia resolve que quer ser mãe. Quer ser mãe e não quer um marido: assim nasce Thèrèse, superdotada, leitora de Nietzsche e de Schopenhauer,e que, desde criança, sempre dialoga com um filósofo sapientíssimo, seu mentor e parceiro intelectual.
O tempo passa e Thèrése tem, agora, 20 anos.
Após experimentar uns relacionamentos com homens intelectualmente compatíveis com ela, se decepciona com a performance sexual deles e, por fim, engata um affair com seu amigo de infância.
Aí é que está a questão: desenrola-se toda uma série de ponderações sobre dar vida a alguém.
Pensando por Schopenhauer, não se dá a vida a alguém: condena-se esta pessoa a uma droga de existência,a os seus pesos, aos seus desesperos.
Thèrèse opta pela maternidade, mas é uma mãe negligente, dando a entender que sua decisão seguiu os passos do "imperativo categórico", conforme superficialmente possamos nos referir a Kant.
E eu fiquei assistindo, vidrada! eu, que pouco, perto de nada, sei sobre Schopenhauer...pensei nas desculpas que eu vou dar a ele, quando este assunto voltar - e o dia está próximo.
Como dizer a um homem que a maternidade não faz parte dos seus planos?
Como explicar que a idéia de união matrimonial lhe causa medo, pavor, temor?
Então, penso nos meus 15 anos: àquela altura, eu não sonhava, como as minhas amigas sonhavam, em casar e ter a minha casa, no sentido de casa-família.
Eu sonhava com a minha casa.
A minha, sabe?
Não pensei num marido, num noivo, num papel masculino qualquer além do papel de namorado.
É que o amor me bastava.
E eu sempre tive medo do tempo, não do que ele pudesse fazer com a minha cara, mas do que ele faz de quem a gente idealiza.
O tempo desgasta os homens; o tempo desfaz e pode refazer nossos sentimentos, nossos encantamentos...
Penso que não tenho argumentos, ou não tenho os argumentos certos - ora, mas jogar para a Filosofia a responsabilidade de responder por mim não será covardia?
Quando Joaquim me diz, em nossas conversas, que a vida, para mim, é um fardo, poxa eu concordo.
Acho que a gente todo dia se esforça para seguir vivendo, vai lutando, se quebrando, se virando para superar as tristezas peculiares à vida.
No filme se questiona isso: a vida é um presente? ora, respondo eu: É. E de grego!
Depois que você está vivo, já não há escolhas: eis a vida. Mesmo que você se suicide, isso acontecerá devido à vida, à sua relação com ela.
Escolheram sua vida por/para você.
Isso pode ser ótimo para os otimistas (rss!!!), porque pressupõe a gratidão por este presente, a conservação dele.
Agradeço muito pela minha vida, mas o custo de manutenção é alto.
Se ele soubesse que eu sou assim, complicada, será que ainda gostaria de mim como gosta?
Acho que só os amigos bem amigos são assim conosco, entendem nossas complicações. E quando falo disso, só me vem à cabeça Conceição - Conceicinha, Cinha, aquela que sempre me aceitou como eu sou, me amparou, olhou para minha cara quando eu estava errada e não me disse que eu estava errada, por saber que eu sabia o quanto eu estava errada.
No filme também a narradora diz: "os semelhantes se encontram".
Na minha vida nunca vi justeza em dizer que os oposto se atraem. Nunca me pendurei em meus opostos. Entre a identificação e o contraste, fico com a primeira.
Claro que os meus relacionamentos amorosos se compuseram por gente que não tinha nada a ver comigo em alguns pequenos setores, mas não em diferenças estúpidas e gigantescas.
Acho que falei disso tudo porque estou estourando de medo.
Não queria que ele achasse que eu não gosto dele, que não me encaixo nos planos que ele me apresenta.
Nessas horas eu queria ter 15 anos de novo e deixar que o meu pai ou algum adulto resolvesse tudo por mim.
Que nada! sou birrenta: adoro brigar pelo meu território, decidir, comandar minha vida.
Bem, não tenho mais argumentos: sou toda medo!
Transcrevo, por identificação, é óbvio, uma das mais lindas passagens de Gabriela, cravo e canela, que, pelo menos para meu parco saber, confirma Jorge Amado como um gênio da literatura nacional, em criatividade, em beleza, em conteúdo ou o que quer que seja.
Para os raciocínios rasos que seguem com o velho discurso que alega machismo na obra de Amado, em especial nesta, apenas lamento a miopia.
De minha parte, que assumidamente tenho tendências à defesa do meu gênero, transcrevo porque talvez eu tenha em mim muito dessa mensagem - que vai desde os meus 15 anos...
E foi muito importante, para mim, ter 15 anos.

CANTIGA PARA NINAR MALVINA

Dorme, menina dormida
Teu lindo sonho a sonhar,
No teu leito adormecida
Partirás a navegar.

Estou presa em meu jardim
Com flores acorrentada.
Acudam! Vão me afogar.
Acudam! Vão me matar.
Acudam! Vão me casar
Numa casa me enterrar
Na cozinha a cozinhar
Na arrumação a arrumar
No piano a dedilhar
Na missa a me confessar.
Acudam! Vão me casar
Na cama me engravidar.

No teu leito adormecida
Partirás a navegar.

Meu marido, meu senhor
Na minha vida a mandar.
A mandar na minha roupa
No meu perfume a mandar.
A mandar no meu desejo
No meu dormir a mandar.
A mandar nesse meu corpo
Nessa minh’alma a mandar.
Direito meu a chorar
Direito dele a matar

No teu leito adormecida
Partias a navegar.

Acudam! Me levem embora
Quero marido pra amar
Não quero pra respeitar
Quem seja ele – que importa?
Moço pobre ou moço rico
Bonito, feio, mulato
Me levem embora daqui
Escrava não quero ser.
Acudam! Me levem embora.

No teu leito adormecida
Partirás a navegar

A navegar partirei
Acompanhada ou sozinha.
Abençoada ou maldita
A navegar partirei.
Partirei pra me casar
A navegar partirei
Partirei pra trabalhar
A navegar partirei.
Partirei pra me encontrar
Para jamais partirei.

Dorme, menina dormida
Teu lindo sonho a sonhar.

(AMADO, Jorge. Gabriela cravo e canela: crônica de uma cidade do interior. 59 ed. São Paulo: Record, 1979 )

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