O mais interessante deste momento besta chamado
carnaval é a tentativa de fazer de conta que o festejo não existe, que tudo não
passa de idiotice gratuita e que os verdadeiros intelectuais estarão sempre
imunes aos Lepo-Lepos, aê-aôs e sai do chão.
Mentira cultural das mais importantes é essa:
intelectual que é intelectual não se mistura à festa dos rudes e toscos.
Verdade, porém, é que aqueles que, como eu, não gostam de samba, não são necessariamente
maus sujeitos, ruins da cabeça ou doentes dos pés. Nos meus preconceitos, adoto
outro verso: “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” e não deixo de
lembrar que a este verso se segue outro: “Quem já botou para quebrar”... Então,
antes de morrer, já brincou muitos carnavais.
Não vejo graça em Escola de samba e prefiro o modo
baiano de carnaval.
Manuel Bandeira, que não hesitou e nomear um dos
seus livros de forma homônima à festa pagã, explicitamente declarou seu amor e
adotou o título Carnaval. Lá desfilam, no ritmo poético, pierrots, colombinas,
arlequins, e um dos poemas que eu mais gosto: BACANAL.
Quero beber!cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz um caco...
Evoé
Baco!
Lá se me parte a alma levada
No torvelinho da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo...
Evoé
Momo!
Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos...
Evoé
Vênus!
Se perguntarem: Que mais queres,
Além, de versos e mulheres?...
- Vinhos!...o vinho que é o meu fraco!...
Evoé
Baco!
O alfanje rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!...
Evoé
Momo!
A Lira etérea, a grande Lira!...
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
Evoé
Vênus!
E como eu ainda não estou morta, fui ao Carnaval.
Mas acho é que ele é que estava morto: poucos trios no domingo, pouca animação,
Filhos de Gandhy gordo, Filho de Gandhy bonito e uns Filhos de Gandhy visivelmente adotivos e... bem, nada de surpreendente.
Vejo porém, que os camarotes sobrevivem a altos
custos por isso: eles são uma festa dentro da festa, caríssimos e seletivos,
mas suprem os hiatos na programação do carnaval. Também oferecem shows
alternativos e espaços para descansar nossos ossos. O resto é só aporrinhação:
não tente ocupar um lugar nos mirantes, pois eles estarão sempre lotados, com
mil cotovelos ameaçadores prontos a repelir aqueles que querem enxergar a
avenida. Independe de classe, cor e aparência: as pessoas se digladiam nos
camarotes, a fim de ocuparem uma vaga no ínfimo espaço de mirada da rua.
Outra cilada: camarote é bom e isso é lógico. Porém
não pense que a qualidade varia conforme o preço. As opções all inclusive ou
open bar são, na verdade, uma constante fila com gente louca para pegar comida
e descontar, ali, o valor pago nas sempre extorsivas tarifas de aquisição, acesso
e permanência na seletiva área dos camarotes. Traduzindo em bom português: nos camarotes
mais chiques e mais bem frequentados, todo mundo é mal educado na hora da
comida, na hora de ocupar o mirante, na hora da bebida...E nem por isso deixa
de ser uma boa opção.
Crianças gritalhonas e escandalosas, gente inconveniente,
burra e preconceituosa, inclusive fazem parte de qualquer all inclusive,
entendeu? Quer inclusão? All inclusive. Mas aguente as consequências porque dá
de tudo, do melhor e do pior da espécie humana.
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