Louquética

Incontinência verbal

domingo, 9 de março de 2014

All inclusive!


O mais interessante deste momento besta chamado carnaval é a tentativa de fazer de conta que o festejo não existe, que tudo não passa de idiotice gratuita e que os verdadeiros intelectuais estarão sempre imunes aos Lepo-Lepos, aê-aôs e sai do chão.
Mentira cultural das mais importantes é essa: intelectual que é intelectual não se mistura à festa dos rudes e toscos. Verdade, porém, é que aqueles que, como eu, não gostam de samba, não são necessariamente maus sujeitos, ruins da cabeça ou doentes dos pés. Nos meus preconceitos, adoto outro verso: “Atrás do trio elétrico só não vai quem já morreu” e não deixo de lembrar que a este verso se segue outro: “Quem já botou para quebrar”... Então, antes de morrer, já brincou muitos carnavais.
Não vejo graça em Escola de samba e prefiro o modo baiano de carnaval.
Manuel Bandeira, que não hesitou e nomear um dos seus livros de forma homônima à festa pagã, explicitamente declarou seu amor e adotou o título Carnaval. Lá desfilam, no ritmo poético, pierrots, colombinas, arlequins, e um dos poemas que eu mais gosto: BACANAL.

Quero beber!cantar asneiras
No esto brutal das bebedeiras
Que tudo emborca e faz um caco...
                Evoé Baco!

Lá se me parte a alma levada
No torvelinho da mascarada,
A gargalhar em doudo assomo...
                Evoé Momo!

Lacem-na toda, multicores,
As serpentinas dos amores,
Cobras de lívidos venenos...
                Evoé Vênus!

Se perguntarem: Que mais queres,
Além, de versos e mulheres?...
- Vinhos!...o vinho que é o meu fraco!...
                Evoé Baco!

O alfanje rútilo da lua,
Por degolar a nuca nua
Que me alucina e que eu não domo!...
                Evoé Momo!

A Lira etérea, a grande Lira!...
Por que eu extático desfira
Em seu louvor versos obscenos,
                Evoé Vênus!

E como eu ainda não estou morta, fui ao Carnaval. Mas acho é que ele é que estava morto: poucos trios no domingo, pouca animação, Filhos de Gandhy gordo, Filho de Gandhy bonito e uns Filhos de Gandhy visivelmente adotivos e... bem, nada de surpreendente.
Vejo porém, que os camarotes sobrevivem a altos custos por isso: eles são uma festa dentro da festa, caríssimos e seletivos, mas suprem os hiatos na programação do carnaval. Também oferecem shows alternativos e espaços para descansar nossos ossos. O resto é só aporrinhação: não tente ocupar um lugar nos mirantes, pois eles estarão sempre lotados, com mil cotovelos ameaçadores prontos a repelir aqueles que querem enxergar a avenida. Independe de classe, cor e aparência: as pessoas se digladiam nos camarotes, a fim de ocuparem uma vaga no ínfimo espaço de mirada da rua.
Outra cilada: camarote é bom e isso é lógico. Porém não pense que a qualidade varia conforme o preço. As opções all inclusive ou open bar são, na verdade, uma constante fila com gente louca para pegar comida e descontar, ali, o valor pago nas sempre extorsivas tarifas de aquisição, acesso e permanência na seletiva área dos camarotes. Traduzindo em bom português: nos camarotes mais chiques e mais bem frequentados, todo mundo é mal educado na hora da comida, na hora de ocupar o mirante, na hora da bebida...E nem por isso deixa de ser uma boa opção.

Crianças gritalhonas e escandalosas, gente inconveniente, burra e preconceituosa, inclusive fazem parte de qualquer all inclusive, entendeu? Quer inclusão? All inclusive. Mas aguente as consequências porque dá de tudo, do melhor e do pior da espécie humana.

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