Louquética

Incontinência verbal

sábado, 10 de maio de 2014

Depois do muro, as seringas


Se negasse que estou feliz por ter destruído os últimos escombros do muro que me afligiu a vida inteira, seria não só mentirosa como também omissa. Omitir uma vitória é também uma forma de omissão, tanto quanto deixar de prestar socorro a quem necessita.
Prestei socorro a mim mesma. Exercício difícil. Mas está resolvido. Muro desabado, deposto, implodido e explodido, exterminado.
Psicologicamente,interiormente, melhor falando, conversei com as conversas que tinha com minha analista: "Por que ouvir somente os maus comentários?" ; "Por que lembrar mais dos que previam meu fracasso, do que dos que incentivavam a minha vitória?". E, apesar dos calafrios na alma, da noite mal dormida regada à base de ansiedade, da antevisão do contexto, do mundo, aquele mundo tão maior que eu e esmagador; apesar de pensar na minha pequenez e de comparar a desproporção entre o meu tamanho e o de todos os meus virtuais oponentes, apostei em mim. E venci.
Eu sabia quem me desestimulava por querer me preservar; eu sabia quem me desestimulava por se achar melhor que eu e não ter conseguido (Ora, se os seres autoproclamados superiores, melhores e acima do Bem e do Mal não conseguiram, quiçá eu, que nem sou ninguém); eu sabia que até eu mesma não acreditava em mim, por prever certas limitações.
Porém aconteceu de eu estar me preparando e ao meu lado estar quem deveria me ajudar, me instruir, cumprir a função de tornar capaz de chutas as últimas pedrinhas do muro. A pessoa, entretanto, não ajudou em nada. Quando perguntei o que fazer, a pessoa disse: "Você pergunta demais!". Eu disse à pessoa: "Pergunto demais por que não sei. Não saberei se não obtiver respostas. Você está aqui para me prover isso". Mas a pessoa não ajudou.
Voltei a pensar na minha dissertação de mestrado e na consideração de Heidegger acerca do homem ser um ser para a morte. Pensei no livro Os conceitos Fundamentais da Metafísica: Mundo, Finitude e Solidão: em suma, o ser humano, todo ser humano é um ser só - mesmo que tenha pais, amigos, filhos, parentes, aliados, a experiência de existir é uma experiência de solidão.
Ao me ver só, apesar da companhia, aceitei meu fardo e me decidi a ir em frente, chutar as pedras do muro. Pronto! Superei.
Hoje, ao ver um filme pela segunda vez (A memória que me contam), constatei que tenho medo de definhar num hospital. Não tenho medo da finitude, mas que ela venha aos poucos e se anunciando. Viver é caminhar para a morte, pelo menos em termos biológicos - um acidente, a violência e pequenos outro eventos podem precipitar o destino certo que é deixar de existir, eu sei - mas estar sujeita à tortuta final de receber soro nas veias, medicamentos, temporada de longo prazo numa cama, imobilizado (a), vulnerável, dependente, marcando o encontro com a Dama de Preto, me diz que pior do que morrer é esperar pela morte.
Um dia a gente se encontra, mas como eu acredito e gosto do acaso, espero que quando eu morrer também seja por um acaso, uma surpresa e não uma espera longa, demorada e sofrida por ela.
Resolvido meu muro e as questões de minha finitude,concluí que não sou amiga dos remédios da moda, de hospital e de seus congêneres. Aceito e dói menos (anestesia com moderação).

2 comentários:

  1. MARA VIE,

    eu lidava muito mal com a morte.Ficava pensando naquelas pessoas em volta do meu caixão, todo mundo de preto - talvez alguém de vermelho pra se mostrar moderninho -aquelas coroas de flores com as mesmas frases: Descanse em paz!

    Ou então: Adeus,querido! (hummm de quem poderia ter sido?Original ou congeneres?)

    E o clima de consternação e também,pessoas por outro lado, loucas para que siga logo o féretro rumo ao tumulo de mármore preto e na lápide o epitáfio definitivo:

    "Aqui jaz um Tamburro".

    Então mais do que nunca, aquele cara sou eu!

    Vivia pensando nisso, até que descobri que estarei morto e portanto, NÃO iria ver nada daquilo.

    E mais uma vez , o meu epitáfio seria muito a proposito!!!

    Aceitei também e agora não dói mais nada.

    Pulei o muro.

    Um abração carioca.

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    1. Paulo, meu 'muro' nunca foi a morte, pois me entendo bem com ela: só não quero que ela venha aos poucos, que me faça definhar, esperar...E enquanto ela não vem, aproveito o meu possível.
      Abraços!

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