Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 29 de julho de 2014

As voltas que o tempo dá não voltam


Tenho que admitir que a dignidade dele me seduz tanto quanto  inteligência. Aliás, me sinto burra por ter namorado gente tosca por muito tempo. Mas tudo se justifica: o amava o sujeito, o pacote completo e a parte faltosa, a saber a cultural e intelectual.
Neste domingo ocorreu o caos: vim dirigindo sob chuva, à tarde, lentamente, em engarrafamentos sistemáticos mas descontínuos porque a estrada estava entrecortada por acidentes. Antes de sair, falei com ele pelo what's app. Ele me avisou da chuva, eu fiquei de avisar de minha chegada.
Demorou, mas cheguei. Acho que levei duas horas e meia para chegar, se não mais. Liguei para ele, que não me atendeu. Mandei torpedos: nada feito. Fiquei irada, virada nas setecentas porque ou nós ficávamos juntos nesse domingo ou não ficaríamos em mais nenhum, porque ele mora em outro interior mais distante que a minha cidade e onde nos vemos é em Salvador. Ele viajaria na segunda-feira...E eu esperei muito para ficar com ele.
Contrariada, saí para tomar um café no shopping. De lá, fui ao supermercado, porque esqueci de trazer uns itens na viagem.
De repente, lembrei de olhar o celular: apagado. Toquei o botão e ele não funcionou. Eu estava na fila do caixa, sacudindo o celular e desacreditando de tudo. Abri, tirei a bateria, coloquei de novo, tentei ligar, fiz a dança da chuva, invoquei espíritos, rezei, escrevi uma petição à Presidente mas, mesmo assim, nada feito.
Choveu mais ainda e nessa hora eu estava a pé. Esperei a chuva passar. O tempo passou também.
Finalmente deixei recados no facebook para ele, o candidato. Tempos depois ele apareceu e explicou que a operadora dele esteve sem sinal. Não acreditei, apesar de minha amiga se queixar do mesmo problema.
Ele quis saber por que eu estava incomunicável. Expliquei. Ele poderia não acreditar em mim, ele poderia nem ter me ajudado, mas fez o que pode para restabelecer meu telefone, mesmo estando à distância.
Mas eu e minhas teorias, já revoltada, falei o que já falei antes: quem quer a gente, fica com a gente. E meio mundo de impropérios que, no caso, foram para lá de injustos.
Da maneira mais leve possível ele me mandou pastar. Não adiantou pedir desculpas, ele nem me deu bola, nem leu, nem ouviu, enfim.
Em ocasião posterior, horas antes dele partir, houve uma demonstração involuntária de dignidade, por parte dele. E eu me derreto toda, feliz, deslumbrada: ele é tudo que eu queria para mim. Contudo, os desejos não esperam, o tempo passa, escorre como areia entre os dedos e tudo vira só um sonho bom e distante. Parece que ele não sabe disso. Vive me dizendo: eu volto! Ele não sabe que eu não vou estar aqui na volta, mas poderia pensar nisso, que o tempo é Senhor das surpresas, que mudam as coisas: não estarei mais aqui e se eu estivesse, não teríamos mais horários compatíveis nem a força que o acaso deu para nós durante os últimos meses.
Sei que ele dirá que pode ir me ver, que eu posso ir ao encontro dele e etc., mas não creio. A neurose da espera, neste caso, não me incita a prosseguir alimentando o desejo.
Além do drama do meu Smartphone quebrado, um aluno meu, da UNEB, morreu no domingo - e era gente que eu gostava bastante, alegre, jovem, uma figura simpaticíssima. Para arrematar o quadro de tragédias, na segunda-feira dei aula com um segurança em frente à minha sala, porque uma aluna reprovada em uma disciplina que ministro na UFBA resolveu aparecer vinte minutos antes do fim de minha última aula do semestre.
No contexto, ela sentou atrás de minha cadeira (cedi o púlpito que me cabe, porque era seminário de uma equipe), mexeu nervosamente vários papeis, abriu e fechou a mochila em atitude suspeita e, com a apresentação, a aula excedeu em 40 minutos seu horário regular, de modo que tive que sair da sala ante a chegada do professor da aula posterior à minha. Fomos obrigados a sair. Aí ela saiu também, pois não conseguira ficar a sós comigo.
Tal aluna nunca comparecia de todo à minha aula, tinha faltas incontáveis. Para quê ela iria, após a reprovação, voltar à aula? tirou nota 3,5 na prova escrita e 5,5 no seminário e já sabia disso, assim como da reprovação formal. Devo deduzir que ela queria me falar coisas simpáticas? Chamei o segurança. E à tarde ela deu voltas nos vidro de minha sala, no terceiro andar do mesmo prédio. Saí da sala, novamente, escoltada, até o estacionamento. Como não poderia deixar de ser, se o aluno não lograr êxito, a falha é doprofessor.
E um outro aluno turista, que assistiu a 03 aulas no semestre, veio apelar aprovação. Minha profissão é de alto risco, meus amores são caóticos e contrariados e eis a minha vida.

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