Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O homem que copiava


Minha estréia no doutorado em Letras foi marcada pelo caso sui generis da ação movida contra o Instituto de Letras e seu explícito ato de disponibilizar obras completas e parte de obras na xérox.
Achei um absurdo!
Ora, os direitos autorais sobrevivem sem esses subterfúgios eleitos com fins de inclusão. Muitas vezes, é a partir de um capítulo reproduzido, xerocopiado, que nasce o interesse em adquirir o livro e ter acesso ao seu conteúdo integral.
A xérox atende aos pobres e serve à praticidade.
Quando Harold Bloom em seu O cânone ocidental: os livros e a escola dos tempos justifica que o cânone literário é, sim, branco, masculino e ocidental, ele também nos diz que temos que fazer escolhas. O cânone existe porque é retroalimentado a partir das escolhas, tendo em vista que, segundo ele, não há tempo, em vida, para lermos tudo.
Então, também não há bolso que resista a adquirir integralmente todos os livros que compõem as nossas referências bibliográficas.
Mas, sim: achei um absurdo esse negócio de uma denúncia anônima ao órgão responsável pelos direitos autorais. Seria uma incoerência!
Mas eu encontrei o homem que copiava.
Quem pensou que iria encontrar por aqui uma sinopse do filme homônimo de Jorge Furtado, que traz Lázaro Ramos protagonizando justamente as agruras de um rapaz que trabalha numa xérox e que decide copiar algumas cédulas, dançou! Mas advirto que é bem mais dramático.
Ao encontrar o homem que copiava, entendi as denúncias e até assinaria embaixo: ele tem uma violência gratuita e fortuita contra os seus clientes.
Pedi umas xérox no único horário possível de fazê-lo. Contudo, precisava entrar na classe, para evitar levar falta. Diante disso, esperei minha vez na fila e, chegando ao homem que copiava, informei: "Gostaria destas xérox. Como não poderei esperar agora, adianto o pagamento e retorno para pegá-las dentro de uma hora e meia, aproximadamente, quando será intervalo da aula".
Nem notei nenhuma ofensa na minha proposta.
Não lembro de ter agido de outra forma a não ser com perplexidade quando ele me respondeu: "Estou cansado dos pedidos de vocês! Não pode, não pode!!!", vociferando numa estupidez atroz.
Perplexa eu estava. Perplexa eu fiquei e só pude mesmo responder: "Guarde sua estupidez e violência para quem, de fato, merece".
Ao bom entendendor, disse a ele, nas entrelinhas, que ele estava descontando em mim a raiva mantida ou destinada a outra pessoa". E nunca mais voltei lá.
Ele é o "dono" da xérox. Um velhinho aparentemente inofensivo.
Só aparentemente!
Aí o povo da fila, que viu tudo e não entendeu, falou comigo que costumeiramente ele faz esses espetáculos.
Presumi que quem andou denuinciando o serviço dele foi alguém que passou pelo que eu passei.
Nesta semana voltei lá, depois de um semestre inteiro sem me aproximar, apesar das necessidades acadêmicas.
Ele já nem se lembra de mim...a vida continua. Mas eu não esqueci!
Cheguei à conclusão mais que óbvia de que há velhinhos medíocres e que, nem sempre, a idade traz sabedoria.


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