Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O rosto de Narciso


Ai, como sou fraca! me esbandalho em angústias, na preocupação com o Príncipe, se ele virá, se ele não se importa comigo, se ele se arrependeu, se ele se decepcionou...estou surpresa.
Há pouco tempo eu me vi perplexa diante dos apertos que Dexter me dava em relação à nossa relação, de modo que pensar numa união do tipo marital era atroz para mim. Não, não quero!Depois de Thales entendi que é ele que eu quero. Ele é o meu escolhido - quisera eu que a escolha fosse recíproca.Eu não me casaria com ninguém nessa vida. Nunca! Mas quando me vi com o Príncipe todas as minhas certezas, meu nunca, meu sempre, tudo foi questionado. A porta da paixão me imprensou.Não me apaixonei por ele ao longo dos nosso três anos de contato. Mas, verdade seja dita, sempre estive disponível.Não, são "sou dessas mulheres que só dizem sim", mas sempre desejei estar com ele porque a beleza me corrompe. E quando ela está aliada ao cavalheirismo, à educação, à delicadeza, ao carinho...ah, eu me sinto uma partícula de pó, eu me sinto um nada.Conversei sobre isso com Leonardo, meu amigo. Então ele me fez ir à estante e pegar Sol negro: depressão e melancolia, de Julia Kristeva.Larguei este livro logo que compus o capítulo da dissertação de mestrado que tinha a ver com a temática. Por isso o sucateei. Então, revi as partes indicadas por Leonardo:

"Para aqueles a quem a melancolia devasta, escrever sobre ela só teria sentido se o escrito viesse da melancolia. Tento lhes falar de um abismo de tristeza, dor incomunicável que às vezes absorve, em geral de forma duradoura, até nos fazer perder o gosto por qualquer palavra, por qualquer ato, o próprio gosto pela vida. Esse desespero não é só uma aversão, que pressuporia capacidades de desejar e de criar, de forma negativa, claro, existentes em mim. Na depressão, o absurdo de minha existência, se ela está prestes a se desequilibrar, não é trágico: ele me aparece evidente, resplandecente e inelutável"

Kristeva ilustrará seus argumentos através de recorrências à Literatura - o spleen já fazia festa em Baudelaire, sabemos, mas ela estuda A Dor (Marguerite Duras) e escritos de Dostoievski como confabulações deste mesmo mistério teorizado sob a melancolia, a perda, a depressão.E aí eu segui lendo, ou melhor, relendo e me encontrando naquelas palavras de Kristeva que não hesito em novamente reproduzir:

"O golpe que acabo de sofrer, essa derrota sentimental ou profissional, essa dificuldade ou esse luto que afetam minhas relações com os meus próximos são em geral o gatilho, facilmente localizável do meu desespero. Uma traição, uma doença fatal, um acidente ou uma desvantagem que, de forma brusca me arrancam dessa categoria que me pareceria normal, das pessoas normais, ou que se abatem com o mesmo efeito radical sobre um ser querido, ou, ainda...quem sabe? A lista interminável das desgraças que nos oprimem todos os dias é infinita...Tudo isto, bruscamente, me dá uma outra vida. Uma vida impossível de ser vivida, carregada de aflições cotidianas, de lágrimas contidas ou derramadas, de desespero sem partilha, às vezes abrasador, às vezes incolor e vazio."

Esta é a primeira página de Sol negro, de Kristeva. Assim mesmo: carregada de identificações para mim.
Não sou, de todo, infeliz, mas por hora experimento um certo desamparo.Ninno, a quem eu confiava a partilha de segredos e de coisas cotidianas, foi morar com uma mulher. Eu me senti só.Meu maior amigo, apaixonado, já nem se lembra de mim e é de uma negligência assustadora. Resumidamente, perdi os referenciais de esteio, de ancoradouro de minha vida.É, o senhor Caetano Veloso diz que "Um Porto Alegre é bem mais que um Seguro", mas extrapolando os trocadilhos com as cidades brasileiras, eu prefiro um porto seguro. Entendo agora quando Dexter me cobrou segurança.Estou numa fase de extremo Retorno de Saturno: meu contrato com a universidade está vencendo em 5 meses; pedi exoneração de meu outro emprego público, não tenho namorados nem relacionamentos que excedam a fugacidade e esporadicidade dos encontros incertos...e estou cansada.Olha, meu irmão, estou TÃO cansada da estrada de Aracaju e da estrada de Xique-Xique! Estou tão cansada de estudar e trabalhar e jamais ter um sábado para namoros, festas ou ócio puro...mas estou tão cansada que beiro o desequilíbrio.Deixei Aracaju há algum tempo, mas quando cito estas cidades é porque são nelas que encontro as possibilidades de emprego.
Aí retomo dona Julia Kristeva:

"Falar de depressão nos conduzirá para a região pantanosa do mito narcísico. Desta vez, entretanto, não veremos ali a esplendorosa e frágil idealização amorosa, mas, pelo contrário, a sombra lançada sobre o ego frágil, mas dissociado do outro, precisamente pela perda desse outro necessário. Sombra do desespero" (p. 13)

Ela diz que a depressão é o rosto escondido de Narciso.
Ok, não sou falsa nem vítima: não tenho depressão clínica, mas tenho bons surtos depressivos.
Para Kristeva a melancolia é o revestimento sombrio da paixão amorosa. E eu desenho uma paixão por Thales.
O abismo da paixão eu não quero. Eu tenho medo.
Estou longe de querer trocar um angústia por outra. Não quero nada disso.
O caso é que o Príncipe entrou com tudo nos meus pensamentos. Penso nele muito. Penso com saudades, com ansiedade, com insegurança...a angústia de um dia ter tido ele comigo e o medo de que nunca mais repita essa experiência. Tão boa, tão ímpar.
Ele, narciso. Eu, Eco.

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