Louquética

Incontinência verbal

sábado, 2 de julho de 2016

Sob o leite derramado


Uma pergunta que a gente deveria se fazer sempre que detectasse estar enrolado numa situação ruim, seja ela um trabalho, um relacionamento, um posicionamento na família ou algo do gênero, era "afinal, o que ganho com isso?", ou seja, "qual é o meu ganho secundário?".Esse é um grande recurso para dissolver ilusões.
Não vale a pena mentir para si mesmo.
Por que reclamo de meu namorado e continuo com ele? Por que reclamo do meu emprego e continuo nele? Por que reclamo da forma como sou tratada em família, e acato os disparates que ouço?Qual substância alimenta meus relacionamento deletério, ruins, impróprios ao meu bem-estar?
Dessas perguntas, virão as respostas mentirosas, porque gostamos de nos iludir. Então as respostas serão coisas que justificam a autoflagelação, como: "eu preciso", "eu tenho necessidade material", "melhor do que estar sozinha", "eu não sei viver sem esse alguém ou sem essa coisa", "sempre foi assim", "não posso fazer nada", "todos são iguais" e daí por diante a elaboração vai variar conforme o gosto do freguês e a vontade de esconder de si mesmo qual é o seu ganho secundário,
Ganho secundário é terrível: ele arranca nossas vestes de mártires e coitadinhos e mostra que se a gente se submete a certas coisas, é porque temos algum interesse sendo saciado ali.
Mostra que se você reclama de seu companheiro ou companheira, mas não o/a larga, alguma vantagem você está levando. Pode ser vantagem sexual, vantagem social, para mostrar aos outros que não está sozinho/a; vantagem material também e isso se estende a vários tipos de ganhos não declarados.
É, parece sonegação.
Esconder dos outros, vá lá, é normal.
Esconder de si, ajuda a alimentar a dependência.
Gente, se tem uma coisa que separa pessoas é a distância cultural ou incompatibilidade intelectual. Não dá. Não tem acordo nem tem conversa. Aliás, conversa é o que não poderá ter mesmo. Como?
Já vivi isso. Não tem jeito: sou professora, acho que fico avaliando até involuntariamente. Acontece...
Normal um conhecer coisas que o outro não conhece; um gostar de coisas que destoam do outro...Normal. Mas chega a um ponto em que nada se faz em sintonia e aí não dá.
Hoje eu estava falando com uma amiga sobre um caso que eu tive.
Mas vamos pegar do específico para o genérico: num exemplo, eu arrastei um relacionamento doentio porque via no cara um esteio. Era de minha confiança, caso a casa caísse, porque não considero minha família confiável. Então, tínhamos um pacto, com senhas e procurações válidos até hoje.
Eu odeio álcool, mas ele se tornou dependente. Éramos compatíveis no começo do namoro, mas fomos nos distanciando a tal ponto que ele ficou no sertanejo e eu segui no rock; ele ficou na vida militar e eu acabei meu doutorado...E de fator em fator nos separamos.
Passemos a uns casos genérico: quem quer companhia vai ter que apostar na sorte. Gente boa não está no Tinder, não está fácil e não está de graça...Mas para quem não liga para compatibilidades, vai encontrar lá de tudo.
Conversando, ainda, com essa amiga, notamos os perfis que nos aparecem nesses tempos de tão poucos heterossexuais: os homens não fazem nada pela mulher, sexualmente falando. Tratam a gente como serviçal, querem ganhar mesmo agrados e receber sexo oral, chamarem e serem atendidos, bem tratados, com pouca ou nenhuma despesa para o encontro, e não dar nada em troca. O preço, nesse caso, poderia gerar um ganho secundário, do tipo: satisfação sexual para a mulher; acolhimento, sentimento de segurança, seja sexual, seja afetiva...Olha, é aquela questão do bem tratar: às vezes, um bombom, uma rosa, um gesto de carinho, uma plantinha, um livro, algo que um homem possa dizer: "trouxe essas balas porque passei na padaria e me lembrei de você e achei que você ia gostar"...Esses pequenos gestos que dizem: "eu agradeço pelo que você me dá, eu tenho carinho e respeito por você"...esses pequenos gestos, nós não vemos.
Essa relação tensa de egoísmo extremo gera uma multidão de gente carente e infeliz e de mulheres descrentes de relacionamentos.
Hoje em dia, então, que a mulher pega o próprio carro, vai ao encontro do homem, aprendeu técnicas e coisas do amor e do sexo para agradar ao parceiro (como eu sempre digo, mulher compra lingerie, aprende dança do ventre, lê sobre assuntos do sexo, conversa com as amigas, busca mudar, aperfeiçoar para agradar ao homem), tem postura independente, tem educação e respeito à privacidade do cara, se dispõe a experimentar sexualmente as coisas que as bases da educação repressora solidificaram nas gerações precedentes e na nossa formação, depois de tudo isso, ainda os homens se portam como se estivessem fazendo um favor ao ficarem com tal mulher.
Já aconteceu coisa similar comigo e com muitas amigas. Virou algo geral, mesmo. E o que acontece? sem reciprocidade e sem ganho secundário, corajosamente a maioria de nós opta por estar só.
Há coisas que só os homens podem nos dar, mas não darão. Aí a gente recorre ao vibrador e outros artifícios, porque dão o mesmo que eles nos dão, por um custo menor e sem perdas secundárias também. Você comprou, é seu. Usa quando quiser. Desde que saiba manusear, o resultado é garantido.
Gosto de homens, gosto do homem com que estou, mas se os ganhos vão diminuindo ou desaparecendo, perde-se o interesse, o sabor se esvai, acaba a doçura do chiclete...E aí? acabou-se o que era doce, acabou-se a relação, as razões para mantê-la. Alguns vão chorar o leite derramado.
Coragem também é isso: se desfazer daquilo que gera a falsa sensação de saciedade, completude, satisfação...Um bom termômetro é ficar longe do outro. Se"o que essa ausência tua me causou" for alívio e descanso, pode jogar fora a relação e assinar o bilhetinho azul do fim; se a ausência trouxe saudades, parabéns: ainda tem remédio - se vai curar, não se sabe. Mas vale a pena tentar fazer viver.

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