Passei o domingo
indo do sofá para a cama, num sono acumulado desde sexta-feira, quando recebi a
visita comemorativa de Marcone e de FJ. Visita forçada, porque desci meu
repertório de pretextos para não receber ninguém, porque eu realmente não estava
a fim. Aí eles vieram e ficaram aqui até perto das duas da manhã, ouvindo The
Police, Smiths e The Cure, conversando amenidades e profundidades existenciais, regado a álcool.
Esquisito e incomum é dar uns amassos com o testemunho do amigo no mesmo sofá. Quase nem há amasso, nem intimidade, nem coisa alguma...
No sábado, teimei e fui
ao show da banda local que eu gosto, dançar até os pés doerem, mas no fim das
contas ficou apenas o sono, porque deu pouca gente na festa e a motivação da
banda é proporcional à bilheteria. Não foi lá muito animada quanto costuma ser.
Mas queria falar de
um troço interessante que foi a recepção dos dois amigos ao torpedo SMS que eu
enviei a FJ. Depois de muitos pretextos para ficar sozinha e em paz, lá pelas
21 horas eu escrevi que se ele quisesse me ver na tarde do sábado, viesse após
as 15 horas, pois antes disso eu estaria ocupada.
Os dois disseram que
chegaram a falar ao mesmo tempo o quanto eu era fria e objetiva, que
estabelecia horário para os desejos. Segundo Marcone, eu ignorei quando FJ
estava dizendo que queria me ver de todo jeito, que estava com saudades,
vontades, e etc. Sim, eu não ouvi nada disso. Eu disse apenas que a gente se
veria depois porque eu estava cansada.
Para eles, foi um
absurdo.
Ocorre que eu tenho o
que fazer e respeito minhas vontades. Não gosto de receber visitas quando não
quero recebe-las, por coisa interior mesmo, falta de vontade e de astral.
Não vivo a vida sem
roteiros: tenho coisas a cumprir, tenho horários a seguir e planejo meus dias
de modo a ter horários livres ou turnos mais convenientes para ócios, prazeres,
festas e etc. Também gosto de ficar sem preocupações com horários, por isso
planejo, para não ter que interromper o que está bom e sair correndo porque no
dia seguinte tem horário, no turno seguinte tem compromisso, etc.
Sou metódica. Preciso
ser. E não seria feliz com um dia todo cheio de surpresas, com a vida
desordenada e tudo fora de lugar. Decerto, às vezes deixo para amanhã o que eu
deveria fazer hoje, desde que não haja prejuízos. Coisa rara, mas declino de
fazer uma ou outra coisa se assim me parecer conveniente.
Odeio olhar uma mesa
cheia de textos para ler, trabalhos a corrigir, coisas a fazer, prazos a me apertar...
Não sou do tipo que gosta de trabalhar sob pressão. Por isso terminei minha
tese antes do prazo: tenho que fazer, faço. Sei que em escrita a gente trava,
se desvia, cansa, acha que já disse tudo, se repete, se confunde... Mas tem que
ser feito, vamos fazer!
Aí, nesse intervalo
de coisas eu perguntei por que que Marcone largou o mestrado e ele simplesmente
me disse: “Drogas!”. Está explicado porque temos perspectivas diferentes
demais. A diferença também está aí, na responsabilidade, nas escolhas, no
foco... Acho que eu, se fosse viciada em qualquer coisa, ainda assim iria
concluir o que comecei porque não conheço angústia maior do que deixar uma
missão descumprida.
Deus me livre! Se eu
começar, concluo. Se algo diferente disso um dia ocorrer, acreditem que será
porque depois de percorrido um caminho eu percebi estar na direção errada e,
neste ponto, eu não iria persistir num caminho errado apenas para dizer que
terminei a corrida.
Nós três somos de
uma mesma geração. Marcone e eu somos de uma mesma geração na UEFS, conhecemos
as mesmas pessoas, os mesmos maconheiros, as mesmas bandas, os mesmos
professores, os mesmos protestos... E a gente fica anacrônico, para não dizer
ridículos, quando passa do tempo de ser irresponsável e inconsequentes e quer
entrar na quarta década de vida como se estivesse na segunda. No caso dele,
então, 42 anos de puro desajuste, todo trabalhado na irresponsabilidade.
Vejo isso num bando
de colegas: descompasso temporal. Querem ser hippies e ter dinheiro tirado dos outros,
dos que trabalham, para comprar cervejas, drogas, ingressos para show e
passeios pelo shopping. Herdeiros bastardos de um comunismo made in U.S.A., e o
que eu posso dizer.
Bom, mas essa gente é
divertida e não critico por não gostar deles. Critico porque nos chocamos
reciprocamente: eles, por eu estabelecer horários e limites, metas e
expectativas; eu, por eles quererem viver sem nenhuma amarra social que presuma
disciplina, obrigações e roteiros.
Bem, estou de saída
porque vou dar um amparo espiritual a uma pessoa muito amada que sofreu um
impacto de rompimento afetivo, o que em termos práticos quer dizer que ela
levou um pé na bunda. Em favor do sujeito, digo que ele foi digno, assumiu seu
novo relacionamento, eles já estavam separados mesmo, mas a minha chegada
nutria esperanças, apesar de tudo indicar o contrário. Quem quer saber de razão
num contexto desses, né? Ofereço meu ombro.