Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 23 de maio de 2013

"Assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido"?




Não escrevo coisas extraordinárias, lógico. Escrevo sobre coisas banais que me espantam ou que cercam meu entorno. Às vezes estas coisas são autobiográficas, outras vezes, são imaginativas e, como todo mundo que escreve, escamoteio nomes, fatos e lugares.
De vez em quando, presumo que alguns elementos do Facebook rastreiam minha vida por aqui. Por aqui pode ser, por lá, não: deixo só fragmentos da vida real por lá, acho que aqui tem muito mais verdades – estilhaçadas, descontínuas, verdades pessoais.
Estava pensando na coisa mais óbvia do mundo: o quanto os seres humanos se desviam dos sentimentos desagradáveis. Por isso querem me obrigar a perdoar, por isso não se pode declarar ódios, decepções, antipatias, raivas, desejos inconvenientes...
Desta vez eu tentei me render.
Até faço brincadeiras, afirmando que a sapiência é a capacidade de engolir sapos.
Experimentei engolir, deglutir sapos no Corpo de Bombeiros; nas amizades e na UFBA também. Tudo pela sobrevivência!  Mas o que ocorre é que uma hora ou outra, eu vomito.
Na vida real é assim: se preciso falar e não falo, fico com ânsia de vômito.
Olha quanto eu tentei ser maleável, perdoar: vivi o dia seguinte, esperando a tristeza passar. Decepção com amigo me dá tristeza, sabe? Acho que é por ver que eu não era assim tão importante, que a consideração não era recíproca, que aquilo que eu pensei haver não havia... Aí fico triste. Depois, perco o rebolado quando eu tenho que falar com a pessoa.
Geralmente, se amo o amigo, falo o que tenho para falar. Pago o preço, mas não sou covarde: se eu errei, admito! Se for necessário falar, falo. Entretanto, a pessoa em questão não admitiria jamais a pisada de bola. Ficaríamos no diálogo (monólogo?) da negação.
Eu havia esquecido que esta minha história aconteceu com outra amiga em comum e esta mesma, num cenário igual. E fui eu quem disse que caberia o respeito e a consideração pela outra parte.
Não quero ninguém perto de mim por obrigação, em circunstância nenhuma.
Digo que quando a gente ama o amigo, confunde as vitórias dele com as nossas próprias vitórias. Digo, ainda, sem hipocrisia: só tenho inveja da Carla Bruni. De mais ninguém: tudo que quero está ao meu alcance, já tive 20 anos, viajei, vivi aventuras, já fui aos shows que eu queria ir, já tive dinheiro para gastar inconsequentemente, tive a formação que eu sonhei, amei e fui amada e se inveja há é daquele tipo subjetivo da ordem de ter inveja de quem consegue perdoar facilmente.
Queria ter os cabelos longos, queria ser mais alta, queria ter lido mais livros, queria ter uma turma boa, que gostasse de sair aos sábados à noite e de viajar juntos nas férias e queria a sorte de um amor tranquilo porque meus relacionamentos têm sido conturbados. Não vejo quem tenha o que quero, não vejo a quem invejar e aqui admitindo que a sociedade também repila a inveja, mas a estimula à medida que fomenta as competições do ter e do ser; digo com tranquilidade que não tenho inveja de ninguém.
Contra mim conta esta pouca capacidade de perdoar. Pior ainda se eu não conversar a respeito: sei que só iria ouvir mentiras. Ouvi muitas mentiras e menti ao fingir acreditar e concordar. Assim é que se acaba uma amizade.
E se houvesse conversa, iria ser um tal de fiz isso por você, fiz aquilo por você... E esta é uma discussão em que sempre perco porque me sinto envergonhada em dizer o que já fiz pela pessoa, onde fui pela pessoa, o que passei com a pessoa ou pela pessoa. Não vejo vantagem em vencer uma discussão: não é debate político.
Minto muito agora porque omito o que sinto, fica assim, cada um na sua a adivinhar e conjecturar o que terá motivado a dissociação.
Minto porque não digo: “Olha, eu não acredito em você. Eu sei que você simplesmente não iria cumprir o trato e creio que se não fosse por quem te acompanha, você sequer teria aparecido.” É o que eu penso. Não foi o que eu disse. Também não quis alimentar o conflito e achei, sinceramente, que o passar dos dias iria arrefecer a contrariedade.
A desconsideração sofrida, justo comigo que não merecia, tocou forte, determinou lugares e sentimentos e eu percebi que vivia melhor sem alguém para me magoar nos momentos raros em que tudo deveria ser festa. Porém, me incomodo por não deixar as coisas explícitas.
Quando há um tempo uma pessoa mega-falsa foi dizer a uma colega de trabalho que eu teria lhe dito que as atribulações passadas por sua desafeta eram efeitos do ebó de autoria desta colega de trabalho, fiquei indignada pela mentira, pela injúria, mas sobremaneira, pela pronta aceitação da colega, que não titubeou a respeito de eu dizer ou não coisas deste tipo. Acreditou, me rechaçou sem apelações. Em minha cabeça eu fiquei perplexa. Vê se pode? Não só eu não diria, como não faz sentido algum.
Não obstante meu respeito pela cultura africana, eu gostava das três pessoas em questão: da falsa, da colega e da ‘atribulada’. No fim das contas, só a atribulada merecia o rótulo da sinceridade. E assim desfez-se a amizade. Para uma delas, já vai tarde! Para a outra, sinto muito: eu nunca tive o que falar dela e até hoje, torço para que ela esteja bem. No cerne das coisas, digo sempre: Deus te dê o que você merecer!
Por coisas desse tipo, prefiro o enfrentamento. Gosto do direito ao contraditório, gosto da acareação: acaba a treta, corta o rabo do Diabo na hora! E, sabemos: há quem viva de injúrias. Minha porta está fechada a esse povo faz tempo!
Não dá para perdoar. Pensei que pudesse, que fosse opção, que alguma educação sentimental pudesse reorientar meus afetos, mas não deu: não perdoei. Talvez até perdoasse, como ocorreu com o meu ficante, que assumiu seus erros, suas falhas no tratamento que me deu – estou rezando para ele perceber, agora, que anda me tratando como esposa, que está infantilizando tudo (e sei que vai ficar infinitamente sem falar comigo até passar a criancice)...
Tenho a carga cristã na lembrança: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Tarefa difícil demais!

Nenhum comentário:

Postar um comentário