Não escrevo coisas
extraordinárias, lógico. Escrevo sobre coisas banais que me espantam ou que
cercam meu entorno. Às vezes estas coisas são autobiográficas, outras vezes,
são imaginativas e, como todo mundo que escreve, escamoteio nomes, fatos e
lugares.
De vez em quando,
presumo que alguns elementos do Facebook rastreiam minha vida por aqui. Por
aqui pode ser, por lá, não: deixo só fragmentos da vida real por lá, acho que
aqui tem muito mais verdades – estilhaçadas, descontínuas, verdades pessoais.
Estava pensando na
coisa mais óbvia do mundo: o quanto os seres humanos se desviam dos sentimentos
desagradáveis. Por isso querem me obrigar a perdoar, por isso não se pode
declarar ódios, decepções, antipatias, raivas, desejos inconvenientes...
Desta vez eu tentei
me render.
Até faço
brincadeiras, afirmando que a sapiência é a capacidade de engolir sapos.
Experimentei engolir,
deglutir sapos no Corpo de Bombeiros; nas amizades e na UFBA também. Tudo pela
sobrevivência! Mas o que ocorre é que
uma hora ou outra, eu vomito.
Na vida real é
assim: se preciso falar e não falo, fico com ânsia de vômito.
Olha quanto eu
tentei ser maleável, perdoar: vivi o dia seguinte, esperando a tristeza passar.
Decepção com amigo me dá tristeza, sabe? Acho que é por ver que eu não era
assim tão importante, que a consideração não era recíproca, que aquilo que eu
pensei haver não havia... Aí fico triste. Depois, perco o rebolado quando eu
tenho que falar com a pessoa.
Geralmente, se amo o
amigo, falo o que tenho para falar. Pago o preço, mas não sou covarde: se eu
errei, admito! Se for necessário falar, falo. Entretanto, a pessoa em questão
não admitiria jamais a pisada de bola. Ficaríamos no diálogo (monólogo?) da
negação.
Eu havia esquecido
que esta minha história aconteceu com outra amiga em comum e esta mesma, num
cenário igual. E fui eu quem disse que caberia o respeito e a consideração pela
outra parte.
Não quero ninguém
perto de mim por obrigação, em circunstância nenhuma.
Digo que quando a
gente ama o amigo, confunde as vitórias dele com as nossas próprias vitórias.
Digo, ainda, sem hipocrisia: só tenho inveja da Carla Bruni. De mais ninguém:
tudo que quero está ao meu alcance, já tive 20 anos, viajei, vivi aventuras, já
fui aos shows que eu queria ir, já tive dinheiro para gastar
inconsequentemente, tive a formação que eu sonhei, amei e fui amada e se inveja
há é daquele tipo subjetivo da ordem de ter inveja de quem consegue perdoar
facilmente.
Queria ter os
cabelos longos, queria ser mais alta, queria ter lido mais livros, queria ter
uma turma boa, que gostasse de sair aos sábados à noite e de viajar juntos nas
férias e queria a sorte de um amor tranquilo porque meus relacionamentos têm
sido conturbados. Não vejo quem tenha o que quero, não vejo a quem invejar e aqui
admitindo que a sociedade também repila a inveja, mas a estimula à medida que
fomenta as competições do ter e do ser; digo com tranquilidade que não tenho
inveja de ninguém.
Contra mim conta
esta pouca capacidade de perdoar. Pior ainda se eu não conversar a respeito:
sei que só iria ouvir mentiras. Ouvi muitas mentiras e menti ao fingir
acreditar e concordar. Assim é que se acaba uma amizade.
E se houvesse
conversa, iria ser um tal de fiz isso por você, fiz aquilo por você... E esta é
uma discussão em que sempre perco porque me sinto envergonhada em dizer o que
já fiz pela pessoa, onde fui pela pessoa, o que passei com a pessoa ou pela
pessoa. Não vejo vantagem em vencer uma discussão: não é debate político.
Minto muito agora
porque omito o que sinto, fica assim, cada um na sua a adivinhar e conjecturar
o que terá motivado a dissociação.
Minto porque não
digo: “Olha, eu não acredito em você. Eu sei que você simplesmente não iria
cumprir o trato e creio que se não fosse por quem te acompanha, você sequer
teria aparecido.” É o que eu penso. Não foi o que eu disse. Também não quis
alimentar o conflito e achei, sinceramente, que o passar dos dias iria arrefecer
a contrariedade.
A desconsideração
sofrida, justo comigo que não merecia, tocou forte, determinou lugares e
sentimentos e eu percebi que vivia melhor sem alguém para me magoar nos
momentos raros em que tudo deveria ser festa. Porém, me incomodo por não deixar
as coisas explícitas.
Quando há um tempo
uma pessoa mega-falsa foi dizer a uma colega de trabalho que eu teria lhe dito
que as atribulações passadas por sua desafeta eram efeitos do ebó de autoria desta
colega de trabalho, fiquei indignada pela mentira, pela injúria, mas
sobremaneira, pela pronta aceitação da colega, que não titubeou a respeito de
eu dizer ou não coisas deste tipo. Acreditou, me rechaçou sem apelações. Em
minha cabeça eu fiquei perplexa. Vê se pode? Não só eu não diria, como não faz
sentido algum.
Não obstante meu
respeito pela cultura africana, eu gostava das três pessoas em questão: da
falsa, da colega e da ‘atribulada’. No fim das contas, só a atribulada merecia
o rótulo da sinceridade. E assim desfez-se a amizade. Para uma delas, já vai
tarde! Para a outra, sinto muito: eu nunca tive o que falar dela e até hoje,
torço para que ela esteja bem. No cerne das coisas, digo sempre: Deus te dê o
que você merecer!
Por coisas desse
tipo, prefiro o enfrentamento. Gosto do direito ao contraditório, gosto da
acareação: acaba a treta, corta o rabo do Diabo na hora! E, sabemos: há quem
viva de injúrias. Minha porta está fechada a esse povo faz tempo!
Não dá para perdoar.
Pensei que pudesse, que fosse opção, que alguma educação sentimental pudesse
reorientar meus afetos, mas não deu: não perdoei. Talvez até perdoasse, como
ocorreu com o meu ficante, que assumiu seus erros, suas falhas no tratamento
que me deu – estou rezando para ele perceber, agora, que anda me tratando como
esposa, que está infantilizando tudo (e sei que vai ficar infinitamente sem
falar comigo até passar a criancice)...
Tenho a carga cristã
na lembrança: “Perdoai as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos
tem ofendido”. Tarefa difícil demais!
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