Se há aqueles que
vivem nos dizendo que é preciso vencer na vida, não é meramente para afirmar a
necessidade material das conquistas e a necessidade simbólica de ser bem
sucedido no emprego, nos relacionamentos e socialmente: é um forte indício de
que a vida é mesmo uma luta, uma batalha.
Foi lendo a Odisseia
que constatei a coisa mais óbvia inserida naquela literatura: toda busca de
Ulisses para voltar ao mesmo ponto pode se resumir na indicação de que a vida é
jornada e batalha. Mais óbvio, impossível. E por ser óbvio, a gente não enxerga
senão extemporaneamente.
Envelhecer não é
amadurecer. Tenho, portanto, pena da mãe dele – como tenho pena de qualquer
outra mãe que tenha um filho infantilizado, dependente, que está na vida para
fazer idiotices e se comportar como se estivesse na adolescência.
A gente assistiu
juntos a Somos tão jovens. Durante a sessão ele ficou abobalhado, meio que
recordando o passado, se identificando e certamente pensando que ele consegue
traçar uma continuidade entre o outrora e o agora, sem nada mais a abalar as
mais óbvias diferenças.
O tempo passou e ele
não viu. Nem viu que o cabelo caiu e a pele perdeu o viço... Não viu que nada
se realizou e que ele jogou fora tudo que tinha, inclusive a saúde e a
juventude.
Esses dos muitos que
são iguais a ele vivem num universo paralelo, na eterna perenidade das drogas.
E ainda se acham superiores porque são viciados em cocaína e não em maconha, “coisa
de derrotado!”. Isso me reporta a Valeska, que andava constantemente com um
saquinho de cocaína para conquistar amigos e ser popular na universidade, mendigando
a amizade de quem a via apenas como uma moça gorda e excluída. Mas, em seus
contextos, são todos do mesmo saco esses de quem falo.
Pensam tremendamente
mal de mim – a recíproca nos iguala – porque sou metódica para uns, burguesa
para outros, careta para todos. E eu que não bebo, não fumo, não injeto e não
tomo Coca-Cola, não influencio ninguém a não ser viciado em nada e tão pouco me
deixaria cooptar para usar o que não quero ou viver o que abomino. Fica cada um
na sua, desde que um não atravesse a barreira dos limites do Outro. Porem,
atravessam: acham que eu deveria abrir mais as portas da minha casa e a da
minha percepção.
Sou chata:
precavida, agendada, metódica mesmo. Tenho horário, tenho metas, tenho
responsabilidades e não vivo sem isso.
Na nossa última
briga, eu não queria ninguém em minha casa. Falei que não queria ver, conhecer
ou sair como o casal estranho. Ponto final. Não fiz convites nem acordos. E a
casa caiu quando ficamos a sós e eu tranquilamente comecei a cantar junto com o
Zeca Baleiro, por achar engraçado e ‘alter-biográfico’:
“Não tenho dinheiro
para pagar a minha Yoga;
Não tenho dinheiro
para bancar a minha droga,
Eu não tenho renda
para descolar a merenda.
Cansei de ser duro,
vou botar minha alma à venda.
Eu não tenho grana
para sair com o meu broto,
Eu não compro roupa,
por isso que eu ando roto.
Nada vem de graça:
nem o pão, nem a cachaça.
Quero ser o caçador,
ando cansado de ser caça.”.
Este foi o trecho da
discórdia.
Tinha tudo a ver com
eles e como ele em particular.
Gosto do Zeca
Baleiro, estava tocando, cantei e me diverti.
Faz um tempo que eu
digo que gosto de estar sozinha em casa, de ter escolha e de ter liberdade. Se
eu pensasse o oposto, me casaria ou moraria com terceiros. Agora me vem essas
pessoas achando que tenho que abrir a guarda.
Não gosto de partilhar
a privacidade do meu lar com pessoas distantes ou que eu julgue inadequadas
para isso. Sequer gosto que amigas de minhas amigas venham para cá, adentrar
meu quarto, me fazer perguntas, reparar no meu sapato, no meu armário, nos meus
perfumes, nas minhas fotos, nas minhas músicas, no que eu faço...
Diante de tudo, me
espantei mesmo pela fixação dele e de toda a turma numa era que já passou.
Querem sustentar os vícios à custa da mãe, dos que trabalham, dos que cedem, e
vão catando de três reais, cinco reais, vinte reais, de mão em mão, para ter
acesso a noites incríveis ou dias intermináveis e intensos: cocaína, álcool,
cigarro e sexo. Tudo junto. Talvez com música, mas com a música certa para não
dar a paranoia errada. E vão se desviando do mundo objetivo, desse mundo que
tem angústias e que as pessoas batalham por si mesmas e embarcam em jornadas
próprias à vida.
Esqueci de dizer que
se a idade me deu algo, por incrível que pareça, foi um pouco mais daquilo que sempre
me faltou: a paciência.
Acho que aguardo
mais, escuto mais, espero, planejo e faço...
E junto com minha
porção metódica, comedida, planejada está também minha independência. Sou
independente. Se não quero, não quero: tenho escolha. Escolhi não ser um deles
e isso foi há muito tempo, para quem viu o tempo passar.
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