Louquética

Incontinência verbal

sábado, 24 de agosto de 2013

Virou fumaça...




Se há aqueles que vivem nos dizendo que é preciso vencer na vida, não é meramente para afirmar a necessidade material das conquistas e a necessidade simbólica de ser bem sucedido no emprego, nos relacionamentos e socialmente: é um forte indício de que a vida é mesmo uma luta, uma batalha.
Foi lendo a Odisseia que constatei a coisa mais óbvia inserida naquela literatura: toda busca de Ulisses para voltar ao mesmo ponto pode se resumir na indicação de que a vida é jornada e batalha. Mais óbvio, impossível. E por ser óbvio, a gente não enxerga senão extemporaneamente.
Envelhecer não é amadurecer. Tenho, portanto, pena da mãe dele – como tenho pena de qualquer outra mãe que tenha um filho infantilizado, dependente, que está na vida para fazer idiotices e se comportar como se estivesse na adolescência.
A gente assistiu juntos a Somos tão jovens. Durante a sessão ele ficou abobalhado, meio que recordando o passado, se identificando e certamente pensando que ele consegue traçar uma continuidade entre o outrora e o agora, sem nada mais a abalar as mais óbvias diferenças.
O tempo passou e ele não viu. Nem viu que o cabelo caiu e a pele perdeu o viço... Não viu que nada se realizou e que ele jogou fora tudo que tinha, inclusive a saúde e a juventude.
Esses dos muitos que são iguais a ele vivem num universo paralelo, na eterna perenidade das drogas. E ainda se acham superiores porque são viciados em cocaína e não em maconha, “coisa de derrotado!”. Isso me reporta a Valeska, que andava constantemente com um saquinho de cocaína para conquistar amigos e ser popular na universidade, mendigando a amizade de quem a via apenas como uma moça gorda e excluída. Mas, em seus contextos, são todos do mesmo saco esses de quem falo.
Pensam tremendamente mal de mim – a recíproca nos iguala – porque sou metódica para uns, burguesa para outros, careta para todos. E eu que não bebo, não fumo, não injeto e não tomo Coca-Cola, não influencio ninguém a não ser viciado em nada e tão pouco me deixaria cooptar para usar o que não quero ou viver o que abomino. Fica cada um na sua, desde que um não atravesse a barreira dos limites do Outro. Porem, atravessam: acham que eu deveria abrir mais as portas da minha casa e a da minha percepção.
Sou chata: precavida, agendada, metódica mesmo. Tenho horário, tenho metas, tenho responsabilidades e não vivo sem isso.
Na nossa última briga, eu não queria ninguém em minha casa. Falei que não queria ver, conhecer ou sair como o casal estranho. Ponto final. Não fiz convites nem acordos. E a casa caiu quando ficamos a sós e eu tranquilamente comecei a cantar junto com o Zeca Baleiro, por achar engraçado e ‘alter-biográfico’:

“Não tenho dinheiro para pagar a minha Yoga;

Não tenho dinheiro para bancar a minha droga,

Eu não tenho renda para descolar a merenda.

Cansei de ser duro, vou botar minha alma à venda.

Eu não tenho grana para sair com o meu broto,

Eu não compro roupa, por isso que eu ando roto.

Nada vem de graça: nem o pão, nem a cachaça.

Quero ser o caçador, ando cansado de ser caça.”.


Este foi o trecho da discórdia.
Tinha tudo a ver com eles e como ele em particular.
Gosto do Zeca Baleiro, estava tocando, cantei e me diverti.
Faz um tempo que eu digo que gosto de estar sozinha em casa, de ter escolha e de ter liberdade. Se eu pensasse o oposto, me casaria ou moraria com terceiros. Agora me vem essas pessoas achando que tenho que abrir a guarda.
Não gosto de partilhar a privacidade do meu lar com pessoas distantes ou que eu julgue inadequadas para isso. Sequer gosto que amigas de minhas amigas venham para cá, adentrar meu quarto, me fazer perguntas, reparar no meu sapato, no meu armário, nos meus perfumes, nas minhas fotos, nas minhas músicas, no que eu faço...
Diante de tudo, me espantei mesmo pela fixação dele e de toda a turma numa era que já passou. Querem sustentar os vícios à custa da mãe, dos que trabalham, dos que cedem, e vão catando de três reais, cinco reais, vinte reais, de mão em mão, para ter acesso a noites incríveis ou dias intermináveis e intensos: cocaína, álcool, cigarro e sexo. Tudo junto. Talvez com música, mas com a música certa para não dar a paranoia errada. E vão se desviando do mundo objetivo, desse mundo que tem angústias e que as pessoas batalham por si mesmas e embarcam em jornadas próprias à vida.
Esqueci de dizer que se a idade me deu algo, por incrível que pareça, foi um pouco mais daquilo que sempre me faltou: a paciência.
Acho que aguardo mais, escuto mais, espero, planejo e faço...
E junto com minha porção metódica, comedida, planejada está também minha independência. Sou independente. Se não quero, não quero: tenho escolha. Escolhi não ser um deles e isso foi há muito tempo, para quem viu o tempo passar.


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