A gente se reencontrou ontem, na academia, num
desses meros acasos que juntam situações improváveis com encontros
imprevisíveis. Num estratégico recorte de memória, ela só falou dos grandes momentos
de nossa amizade, de nossa turma, do jornal da escola e dos shows que curtimos,
dos artistas que conhecemos e de nossa diferença, por jamais termos sido fúteis
e burras. E creio que ela tenha ficado meio decepcionada porque eu não esbocei
surpresa ou admiração com aquele papo de Miami e Angola, de administração
hospitalar e lances bem sucedidos na vida dela e da família.
Acho que continuamos as mesmas: ela, no discurso do
deslumbramento; eu, no discurso de que sou só um ser humano e que qualquer
parte do mundo é apenas uma parte NO MUNDO.
Ela deve ter esquecido que me magoou, que minha
amizade era, antes, útil a ela e que hoje em dia, em que tenho autoconfiança e
segurança, em que já trilhei várias rotas, já tive, já perdi, já reconquistei,
já vivi, o que mais conta para mim é a vida.
Lá estávamos, feito hamsters, na esteira.
E como não sou passiva, fico na velocidade 07, 08,
correndo, porque gosto de colocar as endorfinas para circular e esmagar minha
ansiedade, ouvindo as coisas dela, as amizades com os poderosos e famosos – e a
cabeça ainda perturbada, querendo saber, afinal, o que ela fazia numa academia
tão classe-média daquela, que nem é perto da casa dos pais dela – que, contraditoriamente,
vive no nada glamoroso conjunto habitacional popular da década da 80, socado
num suburbiozinho. Será que isso é simplicidade? Mas, enfim, eu que sou só um
ser humano e não me interesso pela marca de carro, salvo, é claro, se for do
meu carro, ouvi pacientemente os deslumbramentos da moça.
Falo muito. Mas não sei o que me dá, exceto, claro,
no tocante a que gosto de me exercitar sem amigas para me manter concentrada e
calada, mas parei e só ouvi. Fiz, creio, duas perguntas básicas: se ela seguiu
como Espírita, se adotou o espiritismo como religião; e se era cobrada para ter
casamento, marido e filhos. Da primeira pergunta, obtive um não. Da segunda, um
faz-de-contas, mas entendo que isso a gente tem em comum: não queremos ser mães.
Para ela isso não é bem resolvido e este é um ponto em que não toco, nem ataco.
O caso é que a amizade passou com um tempo que
também passou. E se a amizade existiu, foi por tolerância e subserviência
minha: ela sempre foi mais forte porque eu admirava alguns raciocínios dela,
naquela época. Aí passou.
Lembro-me do último comentário, antes dela colhe
meu número de telefone: “Fico no Brasil 15 dias, a cada três meses. Em dezembro
farei quarenta anos. Em Angola eu vou à academia todos os dias.” E a isso se
seguiu um comentário vago de que ela é mais feliz agora que aos vinte. Eu
também acho: nossas angústias eram mais fulminantes, aos vinte. E para mim, tudo
está dito: novas etapas etárias, novas crises com cara de gravidade mínima.
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