Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Afogar-se em mágoas


Menos por subestima que por postura pessoal, nunca vou aceitar bem que uma pessoa queira resolver problemas existenciais tomando Rivotril; nem concebo que alguém possa resolver suas crises existenciais com veneno para matar ratos e, mesmo, procure resolver problemas de relacionamento amoroso mediante facas e armas de fogo. Eu sei que o beijo de certos casais já tem gosto de pólvora, mas também acho que chega um momento em que as pessoas vão ser confrontadas com a necessidade de parar de camuflar as dores e tomar uma atitude - quando não tomam atitudes, tomam tarja-pretas, venenos, cerveja...
Nunca falei dessas coisas me colocando acima das situações mas, sim, vislumbrando que 'inútil dormir, que a dor não passa". E se algo incomoda, tomar o analgésica vai somente adiar a dor, mas não eliminar nem a dor, nem a causa. Mas como as pessoas conseguem adiar tanto?
E se têm tanto medo de viver, porque vivem como vivem?
Vamos ao segundo plano das questões, indagar porque alguém muito escroto instituiu que não se pode sentir mágoa? Por que julgar ilícito um sentimento verdadeiro? Para quê uma campanha tão intensiva contra o honesto sentimento de mágoa, quando ela é uma constante e este mundo - que não existe para agradar a mim ou a você - traz tantos elementos que causam mágoa?
Vejo meus íntimos nessa falsa vibração, alardeando que a mágoa é um sentimento negativo, que é beber veneno esperando que o outro morra...Mas mediante a primeira vacilação na vigilância psíquica, expõem as dores contra amigos, namorados, pai, irmãos, professores...Eles, estas pessoas superiores o bastante para não assumirem publicamente as suas mágoas.
A mágoa é a mancha roxa da pancada sofrida; é o sinal da dor de ontem; é o sentimento de perplexidade e indignação ante uma injustiça sofrida ou uma calúnia ardilosamente construída; é a lembrança dolorosa de uma ingratidão, da indiferença de quem nos era caro. E o que há de errado nisso? ser superior é fazer de conta que tudo isso não foi nada? é ignorar as próprias dores?
Particularmente, já entrei nessa. Pensei que nem havia mágoa. Mas ela estava ali sempre na lembrança do que aquela pessoa já havia me feito; sempre na desconfiança latente do trauma, da possibilidade de tudo se repetir...O que há de errado com a mágoa é isso ela deixa uma memória que nos faz lembrar do que o outro é capaz de nos fazer. E a gente se protege, claro.
"Eu sei o que vocês [me] fizeram no verão passado" ou em qualquer tempo. Saber o que passamos gera um aprendizado, um cuidado, uma desconfiança...E só depois eu vi que não perdoei, porque no meu íntimo eu queria perguntar, 03, 05, 10 anos depois do ocorrido; "por que você fez aquilo comigo?apenas me explique". Mas como eu estava imbuída em também ser superior e não expor a mágoa conservada, fiquei calada e me limitei a não dar espaço ao 'outro'.
Minha mágoa me protege. Ela é legítima, ela me mostra onde não pisar e único mal que vejo nisso, é o fato de eu não abrir as portas de casa ou da vida para tais pessoas.
Quem estava ao lado de quem, quem articulou, quem fez, quem fez...Eu prefiro lembrar.
Dessas covardias de transferir para um remédio ou para um veneno algo que precisa ser resolvido por mim, eu não sou chegada. Odeio a dor, a perda, a frustração, o desprezo, o amor que não deu certo, as derrotas, os sofrimentos...Mas se eles existem, do que adianta dormir de luz acesa?

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